Eles voltam amanhã com a Taça

Pela terceira vez, a Taça Jules Rimet vem para o Brasil; desta vez, definitivamente. Trazida com todo o carinho pelos 22 jogadores que defenderam as nossas cores no Mexico — tambem por Zagalo e pelos outros membros da delegação nacional — a Taça chega amanhã cedo, a Brasilia. A mesma Taça que o capitão Carlos Alberto recebeu, ontem, do presidente mexicano Gustavo Dias Ordaz — após a vitoria na final contra a Italia — e ergueu com as duas mãos perante os olhos de 700 milhões de pessoas que o viam pela televisão.

Publicado na Folha de S. Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 1970

Neste texto foi mantida a grafia original


Em nome de todos os brasileiros, o presidente Medici será o primeiro a homenagear o grande feito dos nossos heróis e lhes oferecerá um almoço no Palacio do Planalto. Depois, os tricampeões desfilarão pelas ruas da capital federal e participarão de uma sessão especial no Congresso Nacional, embarcando em seguida para o Rio, onde varias comemorações estão programadas.

Foi assim que o Brasil ganhou o Tricampeonato

Todo campeão tem de superar-se em humildade, bravura, tecnica e determinação de vitoria. Isso aconteceu, ontem, com o Brasil, ao vencer a Italia por 4 a 1 e conquistar — com inteira justiça — o titulo de campeão da IX Copa do Mundo e obter — com igual justiça — a posse definitiva da Taça Jules Rimet.

Diziam as lendas que quem marca o primeiro gol numa final de Copa, acaba derrotado. Lenda não ganha jogo e o Brasil provou tambem isso às 140 mil pessoas que superlotaram o Estadio Azteca na Cidade do Mexico e às outras — 700 milhões — que viram o jogo pela televisão. Pelé marcou o primeiro gol, Boninsegna empatou para a Italia; mas os brasileiros foram lá e marcaram mais três. Era o fim da lenda.

De Sisti afirmava, antes do jogo: "Vamos ser atores da finalissima"; Domenghini ajudava: "Contamos com a fragilidade da defesa brasileira"; e Mazzola completava: "Podem preparar o champanha".

No final, correu — e muito — a cachaça brasileira.

O cenario da final

Nunca, desde a sua inauguração, em 26 de maio de 1966, o Azteca apanhou tão grande platéia. Apesar da chuva que caiu antes do jogo, os ingressos chegaram a ser vendidos, até, por 150 dolares — 690 cruzeiros. Havia, inclusive, alguns cambistas brasileiros que, seu "trabalho", pagaram a viagem ao Mexico. Na tribuna de honra, figuras importantes: o presidente mexicano Gustavo Dias Ordaz; Galo Plaza, secretario-geral da OEA; Amintore Fanfani, presidente do Senado italiano; o presidente da FIFA, Stanley Rous.

No gramado, todo remodelado pelo diretor do estadio, Manuel Sanchez Avila, que pôs 35 jardineiros a trabalhar, uma banda da Marinha mexicana. E balões enormes balões de plastico com as cores, do Mexico, da Alemanha e do Uruguai — homenagem ao país anfitrião e aos 3.o e 4.o colocados da Copa. A banda toca os hinos do Brasil e da Italia. A multidão — no meio da qual há 5 mil brasileiros — grita "Brasil Brasil". Na arquibancada desfraldam uma bandeira italiana e aparece uma faixa: "Forza Italia". Carlos Alberto ganha o "toss" de Facchetti sob as vistas de Rudi Gloeckner e escolhe o campo.

Rivelino está torto?

A Itália é quem sai, mas quem faz a primeira defesa é o excelente Albertosi. A um minuto e meio de jogo, Riva — o da Itália — experimenta sua esquerda: é um tiro forte que Felix põe a escanteio. Domenghini cobra e Felix agarra. É a vez de Rivelino: cobra, forte, uma falta sobre Pelé e Albertosi pega. Rivelino, de novo, comanda um ataque com Carlos Alberto. É Everaldo quem chuta para Albertosi catar. Há falta de Facchetti em Jairzinho. Rivelino cobra alto, muito alto, o publico estranha e pergunta: o que há com a canhota de Rivelino? Pela televisão, João Saldanha explica que são as travas da chuteira, inconvenientes para o terreno ainda molhado. Mazzola chuta, Felix defende. Há um escanteio da Albertosi pela esquerda. Rivelino cobra, alto e muito forte, a bola sai do outro lado do campo. "É a chuteira", diz Saldanha, pela televisão.

O otimo Everaldo

O jogo está bom para o Brasil. Na defesa, brilha Everaldo, que corta todos os avanços pelo seu lado. Clodoaldo é outro bom; como Brito, por enquanto, ao aliviar um chute de Burgnich. Após uma trama brasileira, Riva chuta e Felix encaixa. Nosso goleiro parece seguro, hoje. Riva desce outra vez com perigo, Carlos Alberto salva. Falta de Facchetti em Jair, Gerson lança Clodoaldo mas depois estraga a combinação. Boninsegna centra sobre Felix; Brito corta. Há falta de Gerson, chute de Bertini, corner e perigo na área brasileira. Gerson é quem alivia. Everaldo está em todas: combina com Rivelino — após uma traiçoeira cabeçada de Riva — e tenta um ataque que Tostão não aproveita.

Pelé, o primeiro gol

Rivelino está descendo com a bola pela esquerda. Dá a Everaldo que serve Tostão. Este centra a meia altura e Facchetti põe pela lateral. O proprio Tostão cobra e dá a Rivelino que, numa meia virada, de canhota, joga a bola, com precisão matematica, para Pelé, no lado direito da area. Pelé pula com Rosato, cabeceia: é o primeiro gol do Brasil. Explode a torcida no Azteca: espoucam os foguetes em todo o Brasil.

A resposta italiana

Retrucam os italianos e Felix faz boa defesa. Depois é Brito quem alivia. Piazza aparece bem. Mas são 23 minutos e Brito perde para o arisco Riva. Felix sai correndo do gol e tira com o pé direito, fora da area. Mazzola centra, Brito falha, Piazza não alcança, a bola vai fora. Há um ataque brasileiro, falta sobre Rivelino. Os italianos voltam com Mazzola e há nova falha de Brito, que Clodoaldo anula. Pelé é derrubado por Burgnich. Falta. Rivelo cobra muito alto, a bola vai às arquibancadas. "É a chuteira, por que não trocam a chuteira dele?", reclama Saldanha. De Sisti a Mazzola, que sofre falta. Riva chuta na barreira duas vezes.

E Felix sabe esmurrar

Gerson tenta de longe, aos 30 minutos, Albertosi segura facil. Gerson e Everaldo, a bola vai fora. Riva a Boninsegna, que dribla Piazza, mas chuta fora, à esquerda de Felix. Há corner, num chute de Mazzola. Cobra De Sisti e pela primeira vez na IX Copa — Felix dá um murro de verdade para tirar a bola da area. Clodoaldo centra para Pelé que cabeceia fora, quando Jairzinho estava em posição melhor. Um minuto depois Jairzinho arma confusão na area italiana, mas Tostão — como se esforçou esse menino! — não aproveita. Rivelino recebe de Carlos Alberto, na direita, dribla espetacularmente a De Sisti mas chuta fora. A canhota ainda não engrenou.

Clodoaldo brinca; é gol

Clodoaldo está muito bem na partida. Dribla Domenghini e serve Gerson. São 37 minutos, Pelé perde o lance e a Italia ataca. É quando Clodoaldo, na linha media do Brasil, quer tirar de "chilena", falha, e Boninsegna lhe toma a bola, dando a Riva. O campo está livre pela frente, não há zagueiros. Riva volta a Boninsegna e 90 milhões prendem a respiração cá no Brasil. Felix em desespero, deixa o gol, mas é muito tarde: Boninsegna já está chutando para o arco vazio. A partida está empatada e todo o Brasil é silencio. Não há gritos, não há foguetes, nem tremulam as bandeiras. Mas a seleção de Zagalo não desanima; Clodoaldo tambem não se abate e ataca com Tostão. Albertosi agarra. Bertini põe a escanteio um chute de Tostão. Rivelino cobra, forte, Pelé não alcança.

Um gol que não valeu

Faltam 2 minutos para terminar o primeiro tempo. Uma Nação inteira se desespera; a seleção, não. Carlos Alberto lança Rivelino que dribla dois italianos e dá a Pelé. De calcanhar, o "Rei" aciona Gerson que chuta fora. A Italia ataca: Felix agarra, solta, agarra outra vez. Everaldo dá a Rivelino que leva um pontapé de Bertini. O juiz Glockner, estranhamente, adverte Rivelino. Gerson cobra a falta no exato instante em que Glockner está apitando o final do primeiro tempo. Pelé, na area, mata a bola no peito. Os italianos pararam com o apito do juiz. Pelé chuta e vence Albertosi. O lance não vale. Os narradores reclamam, mas o juiz está certo.

O fim de uma lenda

Na etapa final, a seleção brasileira entrou em campo disposta a acabar com a lenda. E o primeiro ataque é de Pelé e Tostão. Depois, Everaldo toma de Mazzola e arma um ataque com Rivelino. Este dá a Jair que sofre falta, sem bola. Gerson cobra e dá a Pelé que sofre obstrução. O juiz não marca. No Brasil, o silencio cresce. Jairzinho avança, é derrubado. Pelé avança, é derrubado por Burgnich. Rivelino cobra — uma bomba — e Albertosi defende. Pelé recebe de Gerson, entra na area. Rosato, ao tentar uma bicicleta, acerta-lhe a cabeça. O juiz aponta tiro indireto que Gerson manda na barreira. Reacionam os italianos com Facchetti, Boninsegna e Domenghini. Há corner, Bugnich escora de cabeça, fora.

E Rivelino acordou

Rivelino recebeu de Tostão, trabalhou muito bem com a bola, mas chutou alto, outra vez. Mazzola avança mas é atrapalhado por Piazza na hora do chute. Piazza está muito bem. São 13 minutos. Tostão dá a Rivelino que parte como um foguete para a area adversaria. É calçado e derrubado. Quem cobra a falta é Pelé; manda muito alto — será a chuteira? Tramam Pelé e Tostão, Jair é derrubado na meia lua. Tiro indireto. Gerson dá para o lado a Rivelino e o canhão funciona: a bola, violenta, bate no travessão. Rivelino está acordando e, no Brasil, a torcida recomeça a vibrar. Piazza dá novamente a Rivelino que estica para Gerson, este a Carlos Alberto. Agarra Albertosi.

Faltas, faltas e faltas

Clodoaldo desce com Rivelino e Carlos Alberto. Pelé sofre falta de Burgnich. Forma-se a barreira, Rivelino cobra alto. O juiz manda repetir o lance, pois a barreira se moveu. Rivelino manda sobre Cera, na volta Gerson manda sobre Burgnich. É Riva — o italiano — quem vem pela direita e cabeceia fora, vigiado por Everaldo. O juiz dá corner! Cobra Domenghini e Felix tira de tapa. Vinte minutos do segundo tempo, Rivelino avança, dá a Gerson. Bola com Clodoaldo, Carlos Alberto e Tostão, que cabeceia fora.

A vingança de Gerson

São 21 minutos, Rivelino desce como um rojão contra o arco de Albertosi. É derrubado. Quem cobra a falta é Carlos Alberto que lança Gerson e Everaldo. Jairzinho arma confusão na area, estica a Gerson. A canhota do sãopaulino funciona, é o segundo gol brasileiro. Gerson está vingado. Faltam 24 minutos para o Brasil ser campeão, Jair desce com Gerson e Tostão, este perde. Domenghini dá um pontapé em Pelé, mas não é expulso. Carlos Alberto lança Gerson, que chuta forte, alto. Domenghini derruba Pelé com uma rasteira, é falta. Mas Bertini ainda chuta a bola sobre Rivelino.

Jairzinho, o "furacão"

Everaldo cobra a falta para Gerson. Gerson centra para Pelé que corre pelo lado direito da area. Pelé vê Jairzinho na esquerda e faz um meio centro. O "furacão" Jairzinho só tem o trabalho de tocar a bola com o pé direito para vencer Albertosi. São 26 minutos, 3 a 1 para o Brasil, os foguetes estão estourando novamente, tremulam as bandeiras. Dois minutos depois, Rivelino dribla Burgnich, dribla Cera e dá na medida, para Gerson chutar; Albertosi agarra. O tecnico Valcareggi vê a derrota se aproximar: tira Bertini e põe Giuliano em seu lugar.

Agora é só Brasil

São 32 minutos. Agora só dá Brasil em campo. Rivelino combina com Everaldo. Gerson dá para Rivelino marcar o seu. Rivelino chuta fora. Pelé chuta, mas estava impedido. Piazza domina, dá a Rivelino, que lança Tostão. O mineiro, apesar do esforço, não alcança. Há uma confusão perto de Felix, Riva chuta fora. Faltam 8 minutos para terminar o jogo, o gaucho Everaldo invade a area para marcar: Albertosi salta-lhe aos pés e manda a escanteio. Rivelino cobra forte e ninguem pega. E Rivera tambem já está entrando na seleção italiana.

C. Alberto, apoteose

Aos 42 minutos o pequeno Tostão vem ajudar a defesa. Clodoaldo dribla um e passa a Rivelino. Rivelino lança Jairzinho pela esquerda. O "furacão" dá a Pelé. Pelé estica a Carlos Alberto que entra correndo pela direita da area e chuta para gol. É a apoteose da partida. Os brasileiros — lá e cá — choram e abraçam-se. A Copa é nossa; a Taça tambem. São 44 minutos. Rivelino penetra na area como um bolido. Vai marcar o 5.° gol, mas é derrubado. Penalti claro que o juiz Clockner não marca. 45 minutos, a bola está novamente nos pés de Rivelino, no ultimo lance da IX Copa do Mundo. Glockner apita, o Brasil é campeão.

As lagrimas da vitoria

Depois, as lagrimas da vitoria, até Carlos Alberto receber a Jules Rimet das mãos do presidente Dias Ordaz. Zagalo é carregado. Jairzinho é carregado, a torcida já invadiu o campo. O Brasil Moleque — um torcedor com uma enorme bandeira — está correndo pelo gramado. A televisão mostra: Carlos Alberto abraça Tostão, o mineiro chora. Está tudo no fim, é o começo da alegria. E há um cartaz em campo:
"Mexico, campeón mundial de la amistad".


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