PÂNICO: 181 FERIDOS


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 1964

Neste texto foi mantida a grafia original

Classico Corinthians e Santos suspenso aos 6 min - Torcida derruba alambrado e invade o campo - Nova partida será completa: data vai ser decidida hoje

Alambrado ruiu e feriu 181 no campo do Santos

SANTOS, 20 (Folha) - Toda a equipe do PS Municipal e da Santa Casa de Santos foi mobilizada para atender as 181 vitimas do acidente ocorrido no Estadio Urbano Caldeira, quando da partida de futebol entre as equipes do Santos e do Corinthians Paulista. Dos feridos somente 12 ficaram internados na Santa Casa. Vinte e duas vítimas foram medicadas no proprio estadio sendo que não houve ferimentos de vulto.
Segundo as autoridade medicas, o tumulto foi, mais uma vez, o grande causador da tragedia. Quando eram decorridos 6 minutos de partida o alambrado dos fundos do estadio, devido, em primeiro lugar às recentes construções que ali se verificam e ao grande numero de assistentes que nele se apoiava, cedeu vindo ao solo. Essas pessoas formaram um verdadeiro "bolo humano", que se ampliou cada vez mais com a correria registrada nas gerais. O acidente não teve maiores proporções graças à pronta intervenção por parte dos elementos da Guarda-Civil, Força Publica, Policia Maritima e até mesmo da Policia do Exercito.

Antitetanica

O dr. Zelnor Paiva Magalhães, secretario da Higiene e Saude Publica local, que comandava a equipe de medicos do PS, distribuiu nota pedindo a todos os feridos que foram pensados no PS, em farmacias, na Santa Casa e até mesmo em suas residências, que compareçam amanhã, no PS, para receberem a vacina antitetanica . "Essa aplicação não foi feita hoje devido a impossibilidade de serem efetuados os testes necessarios", diz o comunicado.
Já as autoridades policiais informaram à reportagem da Folha que o exame de pericia a ser realizado no local, será efetuado por um engenheiro do Instituto de Policia Tecnica da Capital.

Deus Evita

SANTOS, 20 (FOLHA) - Deus, obrigado por essa gente que foi salva caindo para a morte. Tivemos medo, meu Deus, choramos de longe, vendo uma piramide humana desfazer-se em segundos, com gente rolando, caindo no chão, ficando por baixo de gente que vinha. Pareceu-nos que ruira todo um lance das arquibancadas do estadio Urbano Caldeira, com gente despencando como agua na cachoeira. Depois a correria, o medo da morte. E o campo ficou cheio, atrapalhando a visão de quem não queria ver. Começaram a aparecer os primeiros feridos, inertes nos braços de dirigentes, jogadores, guardas-civis e soldados da PM do Exercito. Um a um, com as fisionomias transtornadas pela dor, atravessavam o campo em direção aos vestiarios, de onde foram encaminhados para a Santa casa e o Pronto- Socorro de Santos.
A noticia do acidente, veiculada por inumeras emissoras de radio, causou panico na população santista e em pouco tempo o estadio estava cercado de gente, aflita, procurando por seus familiares, querendo saber o que ainda ninguem sabia.
Mas, apesar do perigo que correram a milhares de pessoas, felizmente nada se grave ocorreu e a centena de feridos, com raras exceções, não inspira maiores cuidados. Muitos foram dispensados depois de breve exame. Apresentavam apenas leves escoriações. A providencia divina impediu uma catastrofe. Deus é mesmo brasileiro.

Sem mureta

O lance da arquibancada, situado do lado da rua José de Alencar, onde ocorreu o acidente, não possuia mureta protetora. As pessoas que ficaram em seu primeiro degrau não conseguiram, prensadas pelas centenas de torcedores postados atrás, manter-se em seus lugares e cairam. E isso ocorreu num ataque da equipe corintiana: houve um movimento entre os torcedores, os que estavam na frente perderam o equilibrio, cairam e, os que estavam atrás, apoiados um no outro, foram de roldão.
De longe, a impressão que se teve foi de que ruira todo o lance da arquibancada. O alambrado dobrou-se com a pesada carga.
Nasceu o panico, com pessoas levantando-se com dificuldade, outras ficando no solo à espera de socorro e outras ainda saindo em desabalada carreira sem saber para onde. Os torcedores que estavam nos lances superiores começaram a abandonar o local, afoitamente, e então se temeu por catastrofe maior. Felizmente, com a pronta intervenção dos policiais, os torcedores acalmaram-se.

Um menino que chora

De todos os feridos que deixaram o estadio, o que mais mexeu com a sensibilidade do publico foi um garotinho, de aproximadamente 10 anos. Saiu nos braços de um investigador, olhar assustado, os olhos marejados de lagrima. No pescoço a marca do sofrimento: uma mancha de sangue. Fora pisoteado, porem, graças a Deus, não se feriu com gravidade.
Passou ao lado do arbitro Armando Marques, que já perplexo com o acontecido, resolveu, ele proprio confessou, suspender naquele momento o prosseguimento do jogo.

Ambulancias

Logo que a Santa Casa de Santos e o Pronto-Socorro foram notificados do acidente, varias ambulancias dirigiram-se para o Estadio Urbano Caldeira. A primeira chegou 6 minutos após o alarme e transportou quatro feridos. Enquanto isso, populares, em seus carros, cuidavam de transportar os demais.
O trabalho de socorro foi prejudicado pelos familiares dos torcedores, todos apreensivos. Mães, me lagrimas, buscavam noticia dos filhos. Cercaram as ambulancias, os carros particulares, querendo uma resposta negativa para o que perguntavam.

Marques Impressionado

O arbitro Armando Marques impressionou-se muito com o acidente no estadio. Quando começou a correria de torcedores e a fila de feridos em direção ao vestiario, ficou estatico, com os olhos presos no chão, sem falar, temendo qualquer atitude contra sua pessoa, alguns investigadores cercaram-no enquanto visivelmente emocionado acidente de maiores proporções, pouca importancia ele deu a essa proteção.
Depois rumou para os vestiarios, preocupado principalmente com o garoto que passara a seu lado com o pescoço todo manchado de sangue. Em seus aposentos ele desabafou todo seu nervosismo com o presidente Athiê Jorge Cury, que tentava persuadi-lo a autorizar o prosseguimento do jogo, em consideração à torcida. "Deixem-me em paz"- gritou. "Vocês só pensam na torcida; eu vi uma criança ensanguentada passar ao meu lado, vi populares perplexos, vi olhares de medo".
Depois de ficar uns 10 minutos em seus aposentos voltou novamente para o estadio, a fim de examinar a parte do alambrado que fora derrubada pelos populares. Correu-a de ponta a ponta, protegido por um contingente de policiais e definiu-se por um "não" taxativo.
De volta aos vestiarios, foi cercado por dirigentes e reporteres, que queriam a confirmação de seu veredito. Então, perdeu a calma de novo, gesticulou, gritou e reiterou o que dissera anteriormente: "Não há clima psicologico para a continuação do jogo".

Cordão de isolamento

Depois do acidente, o numero de policiais aumentou no estádio Urbano Caldeira. Vieram reforços da Guarda Marinha e até da Policia do Exercito. Juntamente com a Guarda Civil e soldados da Cavalaria da Força Publica, que estavam de serviço na parte externa do estado, retiraram os populares do gramado por um expediente especial. Formaram cordões de isolamento e cercavam-nos até que chegassem à entrada dos vestiarios.
Repetiram o trabalho varias vezes até que o campo ficou completamente desimpedido.

Athiê queria continuar

SANTOS, 20 (FOLHA) - O presidente Athiê Jorge Coury queria a todo custo que a partida prosseguisse. Em contato com o arbitro Armando Marques, disse-lhe que assumiria toda a responsabilidade pelo que pudesse ocorrer. Pediu para que continuasse o jogo em atenção principalmente às 32 mil pessoas presentes no estadio.
Estava firme em seu proposito e protestava contra o não prosseguimento da partida. "Não há razão para isso. Armando Marques tem toda a garantia; foi apenas um susto o que houve. Já me comuniquei com a Santa Casa e o Pronto Socorro e fui informado de que não há nenhum caso grave. Assim, o clima emocional para a continuação do jogo, como alega Armando Marques, deixa de existir."
Depois que soube do veredito do arbitro, suspendendo a partida protestou: "O jogo com o Corinthians só será transferido de data, não de local. Faremos questão que ele seja realizado em Santos e, na hipótese de interditarem nosso estadio, jogaremos no campo da Portuguesa santista, com portões abertos".

Wadih com Athiê

O presidente do Corinthians, sr. Wadih Helu, esteve nos vestiarios do Santos, em palestra com o sr. Athiê Jorge Coury a portas fechadas. À sua saida, informou à reportagem que tratara justamente da realização de outra partida. Ficou combinada uma reunião hoje à tarde, na FPF, para que o problema fosse abordado com mais calma.
Tambem o sr. Marcelo de Castro Leite, diretor tecnico da Federação Paulista de Futebol, palestrou com o sr. Athiê elucidando, na oportunidade, algumas duvidas do dirigente santista sobre regulamento do futebol.

Possivel Televisão

Já que para a segunda partida com o Corinthians está praticamente acertada sua realização com portões abertos, foi aventado seu televisamento. O sr. Athiê Jorge Coury disse que não é contrato à idéia, que será posta em discussão na reunião de hoje com dirigentes do Corinthians e da PFP.

Corinthians saiu antes

A equipe do Corinthians foi a primeira a deixar o campo, depois do acidente. Não havia mesmo desejo nem do tecnico Roberto, nem do sr. Nesi Curi, diretor do Departamento Profissional, de que a partida continuasse. Quando os mentores santistas ainda tentavam junto ao arbitro o prosseguimento do jogo o sr. Nesi Curi apareceu nos vestiarios do Santos, informando que os elementos do Corinthians já haviam trocado de roupa.

Publico recorde

SANTOS, 19 (FOLHA) - O publico pagante que esteve hoje à tarde em Vila Belmiro foi recorde, com 32.986 pessoas. A arrecadação - Cr$ 19.397.600,00 - tambem foi recorde, fatores esses que vêm perfeitamente justificar o interesse que havia em torno de Santos vs. Corintians.
Quando Armando Marques suspendeu a partida, oficialmente aos 6 minutos, o Corintians estava no ataque; a defesa do Santos já havia cedido dois escanteios e feito uma falta perigosa contra a sua meta. Jogo apenas em seus primeiros movimentos, que não deu uma idéia qual poderia ser o seu desenrolar e de quem seria a predominancia.
Os quadros estavam jogando assim constituidos:
Santos: Gilmar, Ismael, Olavo e Geraldino; Zito e Lima; Peixinho, Gonçalo, Toninho, Pelé e Pepe.
Corinthians: Heitor, Augusto, Eduardo e Oreco; Amaro e Clovis; Manuelzinho, Ferreirinha, Flavio, Luisinho e Lima.
Armando Marques estava sendo auxiliado por Germinal Alba e Wilson Antonio Medeiros e o representante da presidencia da FPF era o sr. Otavio Rodrigues Vaz.

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