O Brasil é Bicampeão


Publicado na Folha de S. Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 1962

Neste texto foi mantida a grafia original

Amarildo, Zito e Vavá marcaram

BRASIL: Gilmar; Djalma Santos, Mauro e Nilton Santos; Zito e Zozimo; Garrincha, Didi, Vavá, Amarildo e Zagalo. TCHECOSLOVAQUIA - Schroif; Tichy, Popluhar e Novak; Pluskal e Masopust; Pospichal, Scherer, Kadabra, Kvasnak Selinek.
 
Mau inicio

Não foi bom o inicio da partida para o Brasil. Mais preocupado em estudar o adversario, cedeu-lhe as iniciativas. Jogando metodicamente, os tchecos organizam os primeiros ataques e logo no primeiro minuto Gilmar precisa intervir com arrojo, atirando-se aos pés de Scherer. Aos poucos, porem, a equipe nacional começa a articular-se com relativo acerto. Nota-se que Zito recebeu instruções para atacar, e em duas oportunidades foi ele quem visou a meta guarnecida por Schroif, errando o alvo. O Brasil cresce, imprime maior vivacidade aos seus movimentos, e obriga os tchecos a recuar.

Cochilo, o gol e replica

A defesa brasileira, porem, não se mostra muito firme. E valendo-se disso, a Tchecoslovaquia consegue abrir a contagem, aos 15 minutos, por intermedio do medio de apoio Masopust. Recebendo de Scherer, invade pelo centro, sem ser molestado, e surpreende Gilmar com firme arremate.
A replica brasileira, todavia, não demora. Num rapido contra-ataque, Zagalo serve Amarildo, e o meia esquerda empata a partida. Nas jogadas seguintes, o Brasil força a ofensiva, e observa-se que o time europeu se descontrola.

Garrincha esquecido

Já é possivel observar que o Brasil força mais o jogo pela esquerda ou pelo centro. Garrincha está praticamente esquecido na ponta-direita, talvez reservando-se para uma alteração do esquema tatico ofensivo que o quadro está empregando.
Os brasileiros lutam com energia, atacam com insistencia, mas não logram desmantelar o solido sistema defensivo da Tchecoslovaquia. Os lançamentos longos, pelo "miolo", favorecem a interceptação de Popluhar e Pluskal. Depois de periodo relativamente longo de cerco nacional à meta de Schroif, os tchecos organizam bom ataque pela esquerda e Kvasnak erra a cabeçada, a interceptação de Popluhar após o centro de Scherer.

Melhoram os tchecos

Nos ultimos dez minutos os tchecos evoluem e realizam varios ataques sucessivos, que exigem esforço da retaguarda brasileira. Tem-se a impressão de que a tatica ofensiva de que se utiliza o Brasil dificilmente poderá produzir bons resultados, em face da firmeza com que se conduzem os elementos da linha de zagueiros da Tchecoslovaquia.

Duelo de taticas

O aspecto geral da partida, nos minutos iniciais da segunda fase não se modifica. Continua um intenso, mas calculado duelo de taticas: O Brasil, vigilante na defesa e procurando atacar de surpresa, com sete homens (Didi e Zito tambem avançam), tentando infiltrações pelo centro ou pela esquerda; os tchecos atuam muito resguardados na defesa, e baseando seus ataques conscientemente, tambem em passes curtos e medidos, sob o comando de Kvasnak e Masopust. Vez por outra, aproveitam-se do recuo de Zagalo para lançar Tichy na frente, auxiliando de perto o ponteiro direito Pospichal. Nenhum dos quadros consegue assumir o dominio, das ações. O jogo desenvolve-se em ritmo quase lento. É um verdadeiro "jogo de paciencia".

Persistencia dá fruto

Obstinadamente, as duas equipes continuam fiéis aos esquemas que traçavam. Do decimo ao vigesimo minuto, a Tchecoslovaquia começa a movimentar-se um pouco melhor, embora sem recorrer a variações taticas. Seu volume de jogo ofensivo aumenta. O Brasil, porem, não se perturba. Defende-se e insiste em acometer em contra-golpes, ocasiões em que Zito e Didi tambem arrematam. O premio à essa persistencia acaba surgindo para os brasileiros, aos 25 minutos. Numa bola aprofundada, Amarildo controla bem na area, investe até a linha de fundo e com calma levanta a pelota frente ao arco para Zito. Como um bolide, o medio desfere forte cabeçada e coloca o Brasil em vantagem.

Reclamam penal

A Tchecoslovaquia não se entrega. Trata logo de desfazer a situação de inferioridade e num ataque bem engendrado pela esquerda, Kvasnak centra e o couro toca na mão de Djalma Santos. Os tchecos reclamam penalidade maxima, mas Latychev manda o jogo prosseguir, fazendo sinal de que foi bola na mão e não mão na bola.

Vavá faz mais um

O jogo melhora sensivelmente de ritmo. Sucedem-se cargas de parte a parte e nota-se que o Brasil esta tranquilo, procurando com muita astucia ampliar o marcador. E obtem exito. Numa pontada pelo centro, Vavá surge diante de Schroif e cai. O arqueiro não domina a bola, solta-a e o centroavante, levantando-se rapidamente, marca 3 a 1. Transcorrem 33 minutos da segunda etapa e agora é dificil que o Brasil não garanta o resultado e a conquista do bicampeonato.
Os minutos finais esgotam-se rapidamente. A Tchecoslovaquia está inteiramente batida e o Brasil, sem forçar o ritmo, ainda assim é quem mais ataca, impondo a superioridade tecnica e tatica de seu futebol e ratificando com categoria o titulo de mestres absolutos do futebol, conquistado em 58 na Suecia.

O povo recebeu o "Bi" que merecia

No começo era pular gritando "Brasil" Brasil! Brasil!". Depois o ritmo amansou, aos poucos, e virou samba. Foi assim na praça da Sé quando o jogo terminou. Era a ordem, que partia do ponto central de São Paulo, para que a grande festa do bicampeonato começasse. Os rojões haviam-se acabado na comemoração dos gols e o povo recorreu aos instrumentos de escola de samba guardados à espera do carnaval, que assim veio antes.
Pouco depois de a partida terminar a massa enorme que ocupara toda a praça da Sé fundiu-se com outra, muito maior, que saiu de todas as casas, tomou todos os onibus, bondes e automoveis e congestionou o transito no centro, em todos os sentidos.
Passariam horas antes que o domingo voltasse à sua calma costumeira. Varias modinhas foram logo compostas e cantadas nas ruas, nos caminhões cheios de gente, nos carros.

Nem todos gritam

Mas nem todos gritaram e exteriorizaram sua alegria. Se de um lado grupos de torcedores pulavam e davam gritos, havia os outros que apenas olhavam sorrindo, sorrindo. Há torcedor de todos os tipos.
Nem tudo, porem, foi satisfação. Antes houve incerteza, susto, quando Masopust marcou. Alivio, na resposta que Amarildo deu. Silencio quando terminou o primeiro tempo.
Durante bom pedaço do segundo periodo a torcida continuou silenciosa, para "explodir" quando Zito e Vavá definiram o jogo e deram o "bi" ao Brasil.
Depois, o altifalante, que até ali fora o ditador, foi esquecido e o locutor falou sozinho o restante do tempo para a multidão perdida numa alegria contagiante. Em meio à chuva de papel picado e o estrondo dos ultimos rojões, surgiram dezenas de bandeirolas nacionais e flamulas que se vendiam a altos preços.

Pelé é astro até sem jogar

Meia hora antes de iniciar-se o encontro Brasil vs. Tchecoslovaquia, ainda persistia entre o publico a esperança de que Pelé jogasse. O ás brasileiro, entretanto, já estava na tribuna, distribuindo autografos e atendendo a pedidos de poses de dezenas de fotografos.

Chegarão hoje os bicampeões

Os bicampeões mundiais deixarão Santiago hoje às 9 horas pela Panair e chegarão ao Rio às 13 horas. Possivelmente seguirão do Rio para Brasilia onde serão recepcionados pelo presidente da Republica. Se não seguirem para a capital do país os jogadores cariocas rumarão aos seus lares e os paulistas, pernoitando na Guanabara, virão a São Paulo terça-feira.


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