CLIMA DE REBELIÃO CONTRA ZAGALO


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1974

A seleção vai jogar ofensivamente contra a Escocia em busca de uma vitoria, mesmo que Zagalo mantenha suas instruções para que os pontas joguem recuados e todo o time se preocupe mais com a defesa.
Jairzinho, Rivelino e Piazza encabeçavam ontem, em Kriftel, um movimento de franca rebelião contra as determinações do tecnico, estimulados por Gerson. Lembrando o que ocorreu no Mexico, em 1970, quando ele e Pelé dispensaram as instruções de Zagalo e dirigiram taticamente a equipe, Gerson incitou Rivelino a assumir o comando e levar o time para o ataque: "A gente tem que cair em cima deles, impor respeito. Esse negocio de deixar os laterais adversarios livres para apoiar o meio de campo sem ninguem, e o ataque voltando, só serve para dar animo ao adversario".

Ideia comum

Disposto a falar com Zagalo sobre a alteração dos planos táticos contra a Escocia, Rivelino desabafou:
- "Temos que mudar, tenho certeza disso. E vamos ver se isso vai dar certo. Precisamos ao menos tentar. Da mesma maneira que enfrentamos a Iugoslavia é que não pode ser".
Piazza, o capitão do time:
- "Não podemos nem pensar em empate. Temos que jogar para ganhar, porque seleção que sonha em ser campeã do mundo tem que vencer qualquer adversario, ir acumulando moral, com vitorias, para os jogos seguintes. Não podemos ficar aceitando empates e passar a depender dos jogos de outros times. Isso não é para seleção que pensa em ser campeã do mundo."
Também para Jairzinho, só a vitoria interessa:
- "Temos que atacar mais, encontrar uma forma qualquer de fazer gols. Precisamos desta vitoria mais do que nunca. É quase como uma decisão da Copa para nós. Não é possivel jogar na incerteza contra o Zaire."
Todos os outros jogadores, de Leão a Paulo Cesar, manifestaram opiniões semelhantes, se bem que com mais cuidado, evitando criar problemas com os dirigentes da equipe. O goleiro, por exemplo, acha que será suicidio tentar outra vez a mesma tatica, pois a defesa não pode resistir durante noventa minutos, despachando a bola e enfrentando um ataque no instante seguinte.

Novas opiniões

Ontem à noite, Zagalo continuava insistindo em que o empate contra a Escocia será um bom resultado, mas iniciava um diplomatico recuo, admitindo que o ataque não foi bem contra a Iugoslavia e que talvez seja modificado para o proximo jogo. Entretanto, recusou-se a comentar as possiveis alterações, lembrando que o tecnico adversario não vai fornecer sua escalação antecipadamente e, portanto, revelar a nossa agora seria conceder vantagem aos escoceses.
Para Zagalo, o futebol da Holanda nada tem de extraordinario: o Uruguai é que se mostrou um adversario muito fraco. Outra opinião sua é de que a melhor seleção neste mundial é a da Iugoslavia, "que tem mais chances de chegar à final que a Holanda". Uma ultima opinião de Zagalo (que foi a Hannover assistir ao jogo da Holanda contra o Uruguai): "Continuo achando que nosso jogo com a Iugoslavia foi o melhor até agora realizado na Copa. Foi o mais tecnico, o mais equilibrado."

É preciso mudar, dizem todos

Até para dar alguns simples autógrafos, durante o treino de ontem, foi preciso que Paulo Cesar (Flamengo) se comovesse: seis crianças lhe cantaram feliz aniversario em inglês, e aí ele deu os autografos. Mas nem por isso mudou sua expressão seria e fechada, e nem parou de ficar irritado com qualquer pergunta que lhe fosse feita.
Essa irritação de Paulo Cesar, mais o inconformismo de Jairzinho, a rudeza de Luis Pereira, a politica de Marinho (Santos) e a contrariedade de Rivelino, acompanhada por Gerson, mostravam bem o clima tenso da seleção. De Nelinho, na lateral direita, passando por Luis Pereira, os dois Marinhos, Piazza, Rivelino, Valdomiro, Jairzinho, Leivinha e até Paulo Cesar, sentia-se uma só coisa: a defesa, o meio de campo e o ataque estão contra as idéias fixas de Zagalo.
Nesse grupo, só falta o goleiro. Mas Leão também tem sua posição definida, mesmo que não cite o nome de Zagalo:
"A defesa está boa, provou isso contra a Iugoslavia. Mas não sei até onde ela poderá aguentar. A bola vai para frente e volta na hora. Ela tem que ficar lá na frente e para isso precisamos jogar mais adiantados. Do jeito que está a defesa fica toda sobrecarregada."
Jogar mais adiantados ou deixar de lado as excessivas precauções defensivas de Zagalo é o tema ideal para irritar e confundir os jogadores da seleção brasileira. Mas todos acabam sendo unanimes em afirmar que o time precisa mudar, apesar da insistencia de Zagalo em dizer que tudo está bem e nada deve se mudado. Para Jairzinho, a opinião de Zagalo tem um valor relativo, mais a ser respeitado do que acatado:
"Se ele acha que a seleção não precisa mudar, o problema é dele. Afinal, é o técnico. Mas na minha opinião é bem diferente."
Inconformado, Jairzinho não aceita ver o time só preocupado em se defender ("a gente fica perdido no ataque") e forma um angulo confuso com o rude Luís Pereira, que até quebrou sua dentadura mordendo uma pedra de gelo, tal é o seu descontrole emocional; ele joga toda a responsabilidade sobre o tecnico e demonstra insegurança sobre o futuro desta seleção. Da mesma maneira que Marinho (Santos) demonstra ser um politico autentico, todos os outros jogadores considerados titulares por Zagalo mostram que pensam de forma identica:
A seleção tem que mudar sua maneira de jogar, ir para o ataque amanhã contra a Escócia e esquecer a psicose defensiva do tecnico Zagalo. Também com unanimidade não aceitam o empate como um bom resultado (novamente indo contra a tese de Zagalo) e acabam formando uma corrente inesperada por todos: a defesa, o meio de campo (com Gerson) e o ataque estão contra Zagalo, e começam a pressioná-lo para que a seleção mude. Talvez tenha chegado o momento onde mesmo não aceitando a opinião dos jogadores, Zagalo conheça sua maior derrota nesta Copa de 74, como na Copa de 70: o time vai acabar fazendo o jogo que acha ser o melhor, independente dos pensamentos de Zagalo.

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