SÃO PAULO COMEMORA CENTENÁRIO DE FRIEDENREICH, O TIGRE DA BOLA

A Fifa reconhece o mulato de olhos verdes do bairro da Luz como o maior artilheiro do futebol mundial, com 1329 gols, 51 a mais que os marcados por Pelé. Fried nunca perdeu um pênalti na carreira

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 17 de julho de 1992

Não havia televisão e nem videoteipe. Os 1329 gols de Arthur Friedenreich em 26 anos de carreira só podem ser contados de boca a boca, geração a geração. Mas o próprio Fried, filho de pai alemão e mãe mulata brasileira, não conseguia mais contá-los quando morreu, aos 77 anos, em seis de setembro de 69, vítima de pneumonia. A memória falhava a ponto de Arthur não lembrar o próprio nome. Mas a memória de quem o viu jogar não esquece o primeiro dos reis do futebol mundial.
Apenas 52 kg para 1,75 m, Fried inventou a fina escola do jogo de bola. Dribles curtos como o dinheiro da família; fintas de corpo e deslocações ágeis de quem não apenas fazia gols, mas ajudava a criá-los; chutes de efeito com a elegância que ostentava fora de campo. Ele foi o maior "center-forward" do futebol mundial, quando a palavra inglesa ainda não era traduzida como centroavante.
Mas dos primeiros toques na bola do Germânia (hoje E.C. Pinheiros) até o gol final com a camisa do Flamengo, em 1935, Fried quase nada ganhou do futebol. Foi a maior estrela do esporte amador. Mesmo assim marcou o primeiro gol do futebol profissional, em 12 de março de 33, na Vila Belmiro, na vitória do São Paulo sobre o Santos, por 5 a 1.
O gol de Friedenreich que entrou para a história do futebol brasileiro não foi o mais bonito de sua carreira. Mas valeu ao seu par de chuteiras a exposição numa joalheira da Rua do Ouvidor, no Rio. A jóia foi lapidada em 1919, na conquista do primeiro título sul-americano pelo Brasil.
No dia 29 de maio, no campo das Laranjeiras, estádio do Fluminense, o Brasil disputou a finalíssima do torneio contra o Uruguai. Além do tempo normal, mais três prorrogações foram disputadas. Depois de mais de 150 minutos de jogo, a seleção do Brasil foi ao ataque com o meia Neco, do Corinthians. Ele driblou quatro uruguaios e cruzou a bola para Heitor. O atacante brasileiro cabeceou e o goleiro uruguaio Saporiti espalmou. No rebote, Friedenreich matou a bola no peito e com o pé esquerdo esperou o goleiro pular para o lado esquerdo. Ele jogou a bola junto à trave direita.
Os jornalistas e jogadores uruguaios, apesar da derrota, não deixaram de louvar o mulato brasileiro. A elegância na colocação na área, o toque estiloso na bola e a velocidade com que dava o bote fatal fizeram de Friedenreich "El Tigre" para os uruguaios. Para os brasileiros, a consagração de seu maior jogador. Que não ostentava a coroa de rei. Pelo contrário. Em 1962, quando comemorou 70 anos de idade, fez questão de dizer que o seu gol mais famoso não era dele. E sim do corintiano Neco. "Não fui eu o marcador daquele gol contra os uruguaios em 1919. Foi o Neco. Ele que marcou o tento, porque fez tudo e eu pouco trabalho tive". Mesmo assim, a Fifa computou o gol como um dos 1329 de Fried.

Raio X

O perfil do ídolo
Nome: Arthur Friedenreich
Nascimento: 18 de julho de 1892
Morte: 6 de setembro de 1969
Número de gols marcados: 1.329
Clubes: Germânia, Mackenzie, Ipiranga, Paissandu, Paulistano, Flamengo, São Paulo e Santos
Títulos: sete campeonatos paulistas, quatro brasileiros, dois sul-americanos
Número de torneios em que foi o artilheiro: 23

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