ENFIM, O CORINTHIANS É CAMPEÃO


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 14 de outubro de 1977

Neste texto foi mantida a grafia original


O Corinthians sagrou-se campeão paulista se futebol de 1977, em partida nervosa e violenta, ontem à noite, no Morumbi, que terminou em 1 a 0 —gol de Basilio, quando faltavam oito minutos para o encerramento do tempo regulamentar.
Imediatamente, explodiu a festa corintiana, no estádio lotado, em toda a cidade, no Estado todo e em muitos pontos do País, em rogozijo por uma façanha que não se repetia desde a conquista do título de 1954 (quando o técnico era o mesmo Osvaldo Brandão, novamente carregado ontem em triunfo como o grande herói do time).
Bastava um empate, nos 90 minutos regulamentares e na prorrogação de 30 minutos (que não foi necessária) e o Corinthians já seria o campeão, por ter mais vitórias que a Ponte Preta durante o campeonato. No entanto, a equipe do Parque São Jorge não jogou para empatar: manteve-se na ofensiva desde o inicio e conseguiu o dominio territorial.
Aos 17 minutos do 1o tempo, o Corinthians beneficiou-se de uma reação temperamental do centroavante da Ponte Preta, Rui Rei, que recebeu um cartão amarelo por reclamação e, continuando a reclamar, terminou expulso. Sem o comandante de ataque, o time de Campinas perdeu praticamente a capacidade ofensiva.
A rigor, o goleiro Tobias enfrentou apenas um momento de perigo, numa bola atrasada erradamente pelo zagueiro Moisés, enquanto Carlos fez diversas defesas dificeis, tanto no primeiro como no segundo tempo. Ainda no tempo inicial, Luciano já acertara uma bola na trave da Ponte Preta.
O nervosismo que caracterizou o jogo esteve presente também no lance do gol, que começou com um cruzamento de Zé Maria: primeiro Vaguinho acertou a bola na trave; no rebote, Vladimir cabeceou para o gol, um zagueiro da Ponte Preta cabeceou defendendo e só então Basilio fez as redes balançarem com um chute colocado de bate-pronto.
Pouco depois, ainda sob o impacto do gol corintiano, Geraldo e Oscar se agrediram e foram expulsos pelo juiz Dulcídio Vanderlei Boschilia.

O fim de todos os azares

Foi tudo muito rápido: Vaguinho chuta Carlos defende, a bola bate na trave e Vladimir cabeceia, Polozzi rebate e Basílio chuta forte. O grito contido explode e milhões de pessoas viram o sonho acontecer

"Quinta-feira, 13 de outubro de 1977, às 23h03, milhões de azares e feitiços se acabaram, sepultados pelo último chute de um feroz bombardeio. Basílio deu esse último chute, aos 37 minutos do segundo tempo, o mais importante dos milhões de chutes dados desde 6 de fevereiro de 1955. O Corinthians é o campeão paulista de 1977.
Um título sofrido como tinha de ser, vencendo uma equipe que jogava com dez jogadores, a partir dos 17 minutos do primeiro tempo, para ao final terminar também com dez. As quase 90 mil pessoas desceram do longo pesadelo ao gramado, que cobriram de faixas, gritando, cantando, e tentando levar a bola, as redes e as traves do Morumbi.
E como em todas as superstições, tinha que ser campeão com o homem que conseguiu —longos anos antes— o último título: Osvaldo Brandão, chorando, de repente caiu em ombros que nunca viu e desfilou como se fosse a primeira vez. As luzes do estádio do Morumbi não puderam se apagar tão cedo. E nem a cidade pôde dormir."
É assim que talvez seja contada no futuro a história desta noite, por quem a viu. As luzes no estádio continuaram acesas, e o homem rico e simples ali virou um deus, prometendo agora um estádio próprio, o palco que fica faltando para outras festas loucas, livres de pesadelo. Vicente Mateus dizia que agora podia morrer. Como disseram tantos outros.
Fim de jogo no Morumbi, a cidade levantou-se do sofá, da cadeira e do chão, correu às ruas com todos os papéis picados na mão e cantou seus novos deuses, históricos: Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir, Vladimir, Russo, Basílio, Luciano, Vaguinho, Geraldo e Romeu.
Sexta-feira, 14 de outubro de 1977. Que os chefes de seção, professores, departamentos pessoais e fiscais de cartão de ponto fiquem sabendo do ponto facultativo decretado ontem por um chute forte e alto de Basílio, capaz de balançar as redes durante todo o dia de hoje. Mas que não se preocupem: segunda-feira eles aparecerão de novo, outras vozes, outro jeito, nova vida. Dizem que renasceram ontem.


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