BRASIL ATACA E ITÁLIA ESPERA PELO "MILAGRE"

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 5 de julho de 1982

Mesmo contando com a vantagem do empate, a seleção brasileira vai manter seu esquema ofensivo hoje, contra a Itália, em jogo que começará às 12h15 de Brasília, no estádio Sarriá, valendo a classificação para as semifinais. Telê Santana decidiu jogar ofensivamente, apesar da possível ausência de Zico, que fará um teste de força hoje, pouco antes da partida. Se ele não puder jogar, Telê escolherá entre Paulo Isidoro e Renato, sendo mais provável a escalação do primeiro.
O técnico brasileiro disse acreditar que Enzo Bearzot fará a Itália jogar mais uma vez exercendo a marcação homem a homem, o que deu sucesso contra a Argentina, mas acrescentou: "Estamos preparados para enfrentar qualquer sistema defensivo". Entretanto, Telê sabe que será preciso ter muito cuidado, hoje, com os contragolpes dos italianos.
Enzo Bearzot confirmou que manterá seu time marcando homem a homem e, assim, conseguir o "milagre" de vencer o Brasil.
Da rodada de ontem saíram os dois primeiros semifinalistas da Copa: a França, que derrotou a Irlanda por 4 a 1, em Madrid, e a Polônia, que empatou com a União Soviética sem gols, em Barcelona, no estádio Nou Camp. Hoje, em Madrid, jogam Espanha e Inglaterra.

Quase-feriado

As repartições federias e estaduais funcionarão hoje até às 11 horas; as municipais fecham às 10h30, junto com os bancos e a maior parte dos estabelecimentos comerciais. No Tribunal de Justiça não haverá expediente e os exames de trânsito do Detran foram adiados.

A primeira decisão, talvez sem Zico

BARCELONA - O Brasil disputa hoje, pela primeira vez nesta Copa da Espanha, uma partida realmente decisiva, e talvez não possa contar com um jogador muito importante para o esquema da Seleção: Zico, que só terá a escalação definida ou não pouco antes do jogo. Se ele for vetado, será substituído por Paulo Isidoro ou Renato, com maiores chances para o primeiro. Hoje, contra a Itália, os brasileiros levam a vantagem do empate, que vale como passaporte para a etapa semifinal da Copa. Pelo retrospecto das duas seleções não se pode negar que o Brasil é o favorito, pois está com quatro vitórias em quatro jogos do Mundial, contra três empates e apenas uma vitória dos italianos. Nos confrontos entre os dois países até que existe um equilíbrio, com quatro vitórias para cada lado. Hoje, portanto, haverá a chamada "negra", que parece estar mais favorável aos brasileiros.
Brasil e Itália venceram a Argentina na segunda fase, o que poderia dar aos dois um equilíbrio na partida de hoje, apesar da competição apresentar dois estilos diferentes de jogo. De um lado, o futebol ofensivo dos brasileiros, autenticamente sul-americano, e de outro, o futebol defensivo dos italianos, que de um modo geral representa o que é praticado na Europa. Como fatalmente o Brasil atacará mais, e pelo menos terá um domínio territorial, acredita-se que reunirá mais condições de chegar aos gols. Acontece, porém, que a Argentina também teve estes fatores ao seu lado e acabou sendo derrotada pela "Squadra Azzaurra", por 2 a 1, livrando-se inclusive de sofrer outros gols. Tudo porque os contra-ataques dos italianos são realmente perigosos, como também é perigosa a maneira de atuar de alguns dos seus jogadores (como Gentile), que invariavelmente procuram atingir mais o adversário do que a bola.
Para confirmar sua condição de favorito, o Brasil necessita apenas de tranquilidade em campo. Não pode entrar no jogo dos italianos, como aconteceu com os argentinos, que depois não souberam como se livrar dele. Apelar contra as jogadas mais duras a até mesmo desleais, no que alguns jogadores italianos são mestres, será um dos erros, mesmo porque esta equipe brasileira procura sempre jogar um futebol limpo, sem se preocupar com as jogadas mais perigosas. Por isso é importante o toque de bola. As jogadas de primeira, principalmente contra uma marcação homem a homem, que provavelmente será aplicada pelo técnico Enzo Bearzot. É difícil que ele venha a mudar de tática, passando para a marcação por zona, uma vez que seus jogadores estão habituados à outra fórmula, e não será agora, numa partida decisiva, que o técnico fará uma mudança. Mesmo porque Bearzot está satisfeito com a produção da equipe e com a classificação para a segunda fase. Chegou a ser comentado que o treinador italiano poderia aplicar uma marcação mista, homem a homem e por zona, de acordo com o desenrolar do jogo. Mas isso seria praticamente impossível: "uma coisa ou outra", segundo a opinião do ex-treinador Zezé Moreira, um dos "espiões" de Telê Santana nesta Copa.
O que fará o técnico brasileiro para enfrentar os italianos? Uma pergunta que está sendo feita, e de fácil resposta. Absolutamente nada em termos de mudanças táticas, mesmo porque Telê não deve encontrar razões para qualquer alteração. Se Bearzot está satisfeito com o seu retrospecto de três empates e uma vitória. Telê muito mais, com quatro triunfos em quatro jogos. Portanto, para que mudar? A única preocupação dos brasileiros deverá ser com os contra-ataques dos adversários, que realmente são perigosos. Mas, como à Itália interessa somente a vitória, suas investidas deverão ser acompanhadas com uma certa abertura do seu sistema defensivo, o que poderá facilitar as coisas para a equipe brasileira, que também sabe aplicar os contragolpes, como provou contra os argentinos. Não será uma retranca, evidentemente, mas sim um certo cuidado com sua defesa, mesmo porque Telê Santana afirmou mais de uma vez que não quer ser beneficiado pela vantagem do empate. Quer jogar para ganhar, dentro das características da própria equipe. O técnico e os jogadores brasileiros não parecem nada preocupados com os italianos e sua maneira de joga. A campanha desenvolvida até agora dá a eles uma total confiança, aliada às informações apresentadas por Zezé Moreira, que acompanhou atentamente a seleção da Itália em seus três jogos da primeira fase. São dados importantes, reforçados com o que Telê e os outros membros da comissão técnica viram da Itália contra a Argentina, e ainda devem ser levados em conta os dados de Falcão, pela sua condição de militante no futebol italiano, como defensor do Roma.

Brasil

Valdir Peres

Leandro

Oscar

Luisinho

Júnior

Falcão

Cerezo

Sócrates

Zico (Paulo Isidoro)

Serginho

Éder

Itália

Zoff

Gentile

Scirea

Colovatti

Cabrini

Orialle

Tardelli

Antognoni

Bruno Conti

Rossi

Graziani

Tim quer o título sem ponto perdido

As frases do preparador físico Gilberto Tim são sempre surpreendentes. Tanto pode contar a um repórter que, de repente, um sonho começa a sair da mente para tornar-se realidade, com a Seleção chegando à decisão da Copa, como pode dizer que o Brasil deve ganhar da Itália hoje. O motivo de tanta confiança? A seriedade com que se lança, ao lado da comissão técnica, ao trabalho de preparação da Seleção.
"A vitória sobre a Argentina foi muito importante para o Brasil sob o aspecto psicológico. E agora jogamos com a Itália tendo a possibilidade de empatar, mas não acredito nisso, porque o Brasil quer terminar como campeão e, de preferência, sem ponto perdido."
Sob o aspecto físico, para que isso aconteça, ele e Moraci Santana tomaram cuidados para evitar que a proximidade entre o jogo de sexta-feira e o de hoje resulte num desgaste excessivo do time: "No sábado, por exemplo, só treinaram a valer os que não participaram da partida contra os argentinos. E hoje (ontem) a intensidade do treino foi fraca. Estamos cuidando também de recuperar energias através da alimentação e do descanso. Por isso acho que vai dar Brasil de novo, embora seja filho de italiano e respeite muito a seleção de Bearzot."
Caso Zico não possa jogar, Gilberto Tim não acha que o poder do time estará tão diminuído como possam imaginar os torcedores: "Vamos entrar com 11. O Brasil é um conjunto de pessoas, de jogadores, e não apenas o Zico. Sabemos que é uma peça fundamental, mas o time não se resume a ele".

O "rei de Roma", acima das paixões

"Claro que se ele marcar um gol, não vou aplaudir. É jogador do Brasil, eu sou italiano" - a declaração é do presidente Divino Viola, do Roma. Recentemente, quando a seleção brasileira encontrava-se em Sevilha, vários jogadores italianos ligaram para o Parador Carmona para cumprimentá-lo por suas excepcionais participações nos jogos do Brasil na primeira fase. E ainda na partida contra a Argentina, o ponta-direita Berttoni, chegou perto dele, e o avisou para tomar cuidado, porque seus companheiros (principalmente Passarela) tentariam acertá-lo. Que jogador consegue esse milagre de ter a admiração e o respeito dos adversários? Claro que é o "rei de Roma", Paulo Roberto Falcão, um jogador acima das paixões dos torcedores, admirado por seu futebol refinado e elegante, que os "tifosi" (torcedores italianos) temem e olham com respeito. Exemplo: na saída do estádio Sarrirá, após a vitória da Itália sobre a Argentina, quando deu autógrafos, teve o nome grifado e recebeu o carinho dos italianos, como se tivesse acabado de ajudar Gentille, Bruno Conti e Paolo Rossi a ganhar a partida.
"Na Itália, apesar da paixão em torno do futebol, o torcedor entende que somos profissionais e que estou jogando na Itália mas sou brasileiro, e que vou defender a seleção de meu país" - diz Falcão, com seu jeito franco e a certeza de que, após a Copa - mesmo que o Brasil elimine a Itália - voltará a ser um ídolo no Roma.
"O único amigo que tenho entre os jogadores italianos é o Bruno Conti, embora conheça os demais. São atletas que tenho como adversários na Itália e que nesta segunda-feira terei novamente como adversários. O Bruno sabe que nossa amizade vai até quando começar o jogo. Depois, quando a partida terminar, recomeça tudo, porque foi um dos principais responsáveis pela minha adaptação na Itália."
Quem o admira e o teme também é o técnico Enzo Bearzot. E não é para menos. Falcão fez um ótimo Campeonato Italiano e pode ser um fator de desequilíbrio no jogo desta tarde, além de conhecer virtudes e defeitos, e as jogadas ensaiadas de Bearzot.
"Telê ainda não falou comigo sobre a seleção da Itália e creio que nem haja necessidade de uma conversa desse tipo, porque ele esteve na Itália várias vezes e sabe aquilo que o adversário pode apresentar."
Mas alguns comentários são espontâneos e servem para alertar companheiros, como Oscar; "nas cobranças de escanteio, o Colovati costuma ir para o ataque cabecear. O Bruno Conti é, na minha opinião, o jogador mais criativo do time e o Gentile é um bom marcador e é claro que a Itália irá jogar um futebol de marcação. Eles têm, há tempos esse tipo de jogo e o Bearzot entende que sua equipe tem de fazer esse tipo de jogo para obter sucesso, saindo sempre em contragolpes. Estamos preparados para enfrentá-los e creio que vamos superar qualquer tipo de obstáculo que tivermos pela frente."
Falcão compartilha da confiança que toma conta da seleção, sem chegar à euforia: "O Brasil está jogando bem, está tranquilo, solto e conseguindo boas vitórias. Então, nem sei se o time pode melhorar mais ou não."
Ele se nega a assumir o papel de dono do time. Explica que aparece mais por que ocupa uma posição estratégica em campo. Mas não é bem assim: sua disposição está empolgando quem observa atentamente as partidas do Brasil: corre o campo todo, ajuda a defesa, vai ao ataque quase sempre realizando a passagem em velocidade pelo setor direito e ainda faz gols (marcou dois até agora). o "rei de Roma" prefere elogiar os companheiros, a preparação física e garante que ainda não se sente campeão mundial.
"O ideal seria que hoje já fosse o dia 12 de julho."

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