LITERATURA DA MISÉRIA

Publicado na Folha de São Paulo, São Paulo, 2 de outubro de 1977.


João Ubaldo Ribeiro é jornalista e autor de, entre outros livros, "Sargento Getúlio", publicado em 1971 pela editora Civilização Brasileira e do qual reproduzimos dois trechos nesta reportagem páginas. Esta entrevista, com Tarso de Castro, Josué Guimarães e David Vidal (correspondente do jornal The New York Times no Brasil), foi realizada em Salvador há três semanas. Lá, João Ubaldo edita um jornal e vive até hoje, vindo da Paraíba e vendo a miséria e o drama do Norte - que, como dirá o escritor, - quer ser também o "Sul".

Josué - Vamos querer sua ficha completa, o nome, nascimento, quem é, quem não é, tá bom? pro leitor ficar sabendo com quem está lidando.


João Ubaldo Ribeiro - Bom, eu nasci em 23 de janeiro de 1941, na cidade de Itaparica, Estado da Bahia e imediatamente fui levado a Sergipe, com dois meses de idade, onde me criei. Hoje, sou jornalista, escritor, sou editor-chefe de um jornal diário baiano...

Tarso - Bem feito.


João Ubaldo Ribeiro - Muito obrigado. Eu escrevi três livros. Um é um romance, chamado "Setembro Não Tem Sentido".

Josué - Isso quando?


João Ubaldo Ribeiro- Ah, não me lembro de data, não me lembro de data nenhuma, isso deve ter sido... eu tinha 21 anos quando escrevi e uns 25 quando saiu, ou seja, ele deve ter saído. Eu sou de 41 (risos), aí ele saiu eu tinha 24, 25 anos. É isso mesmo.

Josué - Você é de 1921?


João Ubaldo Ribeiro - Eu sou de 41 (risos), aí ele saiu eu tinha 24, 25 anos. É isso mesmo.

Josué - E o segundo foi...


João Ubaldo Ribeiro - "Sargento Getúlio", e o terceiro, graças ao editor chama-se "Ventos Cavalos em Outro Povo", porque o título era mais simples, era "Guerra dos Paranaguás".

Tarso - Livro que eu estou esperando há dias.


João Ubaldo Ribeiro - Ái, eu devia ter trazido hoje. É verdade, porque o Josué já tem.

Tarso - Eu gostaria de ter um livro melhor que "Sargento Getúlio", porque foi o único que eu li.

Josué - Trata-se de uma confissão de ignorância crassa.

Tarso - Bom, mas escute, você, nesse "Sargento Getúlio" que tem todo aquele clima, eu acho lindo o livro, tem todo esse clima de briga do homem dentro do sertão, né? Até que ponto isso é uma influência direta, que você teve na sua criação em Sergipe? Você escreveu isso em Sergipe, não foi?


João Ubaldo Ribeiro - Realmente, "Sargento Getúlio" é um livro que se deriva da minha vivência de infância. Então, meu pai é um homem, é um intelectual, um homem de uma dimensão intelectual bastante elevada, realmente. Não é um homem capaz de ser facinoroso como o chefe que tem lá no "Sargento Getúlio", mas, na realidade, aquilo é o processamento, na minha cabeça de tudo aquilo que eu vivi na infância porque eu vivi, realmente, em companhia de sargentos da Polícia Militar de Sergipe, porque meu pai foi ...

Josué - Soldado, não?


João Ubaldo Ribeiro - Não. Foi o chefe de Polícia duas vezes..

Tarso - Bom, aliás, eu quero que você coloque bem isso aí, porque do ponto-de-vista de São Paulo, Rio e coisa, o sargento é uma figura meio impossível, né?

Josué - Mitológica, não existe.


João Ubaldo Ribeiro - Existe, perfeitamente, existe, se você quiser.

Tarso - Eu digo não existe em São Paulo e Rio essa visão do militar de lá.


João Ubaldo Ribeiro - Eu sei, eu sei o que você quer dizer, porque, inclusive, parte da crítica andou dizendo que eu estava inventando coisa aí.

Tarso - Bom a crítica é de uma imbecilidade total, né? de uma imbecilidade que se marginaliza.


João Ubaldo Ribeiro - É verdade isso (risos). Não, mas a crítica achou que eu estava inventando coisas, inclusive, entrando na onda assim do realismo fantástico. Só que o realismo fantástico do nordestino, em vez de partir para aquelas condições de solidão, teria partido para a exaltação, exacerbação da violência. Hoje, em Sergipe, o relacionamento entre chefes e comandados ainda é em certas áreas políticas na base do jagunço. Ainda é quase patriarcal, na base da filiação, a uma figura de proa, uma figura eminente qualquer, por qualquer critério, que exista em determinado contexto. Então, o Sargento Getúlio, na realidade, é uma figura pra usar uma expressão, me desculpe, compósita (risos) é uma figura compósita, porque é um amálgama de uma porção de sargentos que eu vi na minha infância até os 10 anos de idade. A distância entre São Paulo e Rio e a realidade nordestina é gigantesca. É como se fossem dois países, efetivamente. Então, de fato, não é que tenha acontecido aquilo tudo que tem no livro, mas, aquilo tudo é, como eu disse antes...

Josué - Compósita.


João Ubaldo Ribeiro - É. Não é um reprocessamento de uma experiência real, veraz, fundada na vivência cotidiana, meu pai era realmente um chefe político, era um pessedista, e como era um homem muito combativo, muito atilado, ficava exposto àquele tipo de política, que lá no livro a gente chama de política - porrada. Então, toda hora, no livro você vê referência à política de homem, à política de macho. É aquele tipo de política que se fazia, ou seja, o confronto básico, direto, entre: "eu quero tal coisa", "você não quer tal coisa", "não vou lhe dar", "você tem que vir tomar", e acabou-se. Aquilo realmente é, já houve quem dissesse, inclusive, que aquele livro meu (eu acho que é um comentário injusto) é um livro mais antropológico do que um livro realmente de ficção.

Tarso - É, inclusive, você, segundo sei, você mesmo já me disse, você se baseou um pouco no sargento Getúlio. Havia um sargento Getúlio, né?


João Ubaldo Ribeiro - Havia. Havia um sargento Getúlio. Na realidade, a figura que eu penso, quando escrevi o "Sargento Getúlio", a figura física que eu imagino é de outro sargento, que também aparece no livro, chamado sargento Tárcio.

Tarso - Tárcio?


João Ubaldo Ribeiro - Tárrrcio. Tárrrcio.

Josué - de Castro? (risos).


João Ubaldo Ribeiro - Eu não sei, não sei... Esse sargento era alagoano, sargento Tárcio, que era um dos sargentos de meu pai, digamos assim, que também era alagoano. O sargento Getúlio, o verdadeiro Getúlio, não tem muito a ver com a personagem, a não ser no nome, porque esse sargento Getúlio era meu favorito de infância, viu? Na realidade, a história "Sargento Getúlio" surgiu de um episódio que aconteceu com um outro sargento de meu pai, o sargento Cavalcanti, que foi buscado por um grupo que meu pai mandou de Aracaju a Paulo Afonso, porque Cavalcanti tinha sido vítima de um atentado lá em Paulo Afonso e recebeu, se não me engano, 17 balas no corpo. Meu pai mandou uma ambulância buscar, e ele chegou vivo (risos), em Aracaju. Aí, por causa dessa história de Cavalcanti vindo de Paulo Afonso a Aracaju, foi que surgiu a história de "Sargento Getúlio" na minha cabeça. Só que aí eu inventei um preso e tal. Mas, aquela coisa, por exemplo, a falta de identidade do preso que existe no romance, aquilo é típico do relacionamento que existia entre o adversário político e os instrumentos adversários e a outra facção.

Tarso - Você falou existia, por que? houve alguma alteração nessa situação da influência do sargento?


João Ubaldo Ribeiro - Bom, eu não conheço, não tenho estado lá mais na região de Sergipe, nem pelo sertão, mas eu suponho que, basicamente, o relacionamento continue o mesmo. O que há hoje é a comunicação mais fácil, televisão, assimilação como tudo o mais no Brasil de padrões culturais estranhos a nós, e o chamado desenvolvimento. Então, nesse caso, eu não diria que você podia encontrar em Sergipe, hoje, o mesmo tipo de, os mesmos...

Josué - O mesmo clima?


João Ubaldo Ribeiro - É. O mesmo clima. Mas, até hoje, principalmente no interior, aqui na Bahia e no Sergipe - porque tudo isso é uma Nação desconhecida. Nós vivemos num País desconhecido.

Josué - E acham que é ficção, né?


João Ubaldo Ribeiro - É. Eles acham que está se inventando coisa. Se você ouvir o depoimento de um nordestino a respeito do que acontece no interior do Maranhão, no interior do Piauí, no interior da Bahia, no interior do Sergipe, você pensa que, realmente, ele está inventando coisas, inclusive, porque esse tipo de coisa é encorajado. A descrença em torno desse tipo de depoimento é encorajada, porque, no tipo de situação que nós vivemos hoje em dia, não se quer saber da existência, por exemplo de focos de rebeldia. Hoje, o Brasil está sendo pego pela cabeça: a língua nacional está indo pra cucuia, até os próprios padrões de convivência, os padrões estéticos, tudo, tudo, realmente, esta sendo aculturado, então a gente imagina que em pessoas como nós haja uma consciência, que no povo haja uma consciência de uma brasilidade. Não há, não. Não há, não. Na realidade o povo brasileiro não urbano, o povo brasileiro concentrado em áreas rurais, pelo menos no Nordeste que eu posso falar, porque eu não conheço fora daqui, é um povo preocupado com a sua sobrevivência imediata e que encara o mundo em termos da equação em que ele é um definidor. Na Bahia, há lugares onde nunca se viu um cinema, nunca se viu, quer dizer, há lugares onde não se entrou no século XX, ainda. O que se quer é um lugar prá plantar, colher o fruto, criar o bicho e comer. Mas isso tem sido o problema de uma parte imensa da população nordestina e da população brasileira em geral, porque o Nordeste tem uma população maior do que a maioria dos países da América Latina juntos.

Josué - Escuta, Ubaldo, isso significa, por outro lado, que há uma ausência, um vácuo com relação à autoridade, quer dizer, eles também não têm um governo, eles não sentem a presença do governo, não é que não exista, nós sabemos que existe, mas eles não sentem essa presença de proteção a eles, de levar a eles uma mão qualquer prá sua vida. É por isso que eles, então, fazem os seus redutos.


João Ubaldo Ribeiro - Não. A identidade do brasileiro é conferida, a identidade do brasileiro rural, nordestino, é conferida um pouco pelo rádio, que não é um fenômeno recente. As ondas curtas são responsáveis, talvez, pela integração nacional, pela manutenção de uma língua comum.

David Vidal - (diretor do "The New York Tomes" no Brasil) - Na falta de governo, quando há movimento, que são aplastados, é claro que o governo tem que tomar parte. Aí se forma alguma idéia de governo e qual será essa idéia?


João Ubaldo Ribeiro - Bom, eu não sei precisamente se atualmente se forma uma idéia de governo ou não. Mas a visão do mundo, do homem rural nordestino, não pode deixar de ser uma visão imediatista. Então governo pra ele...

Josué - Mas são as condições que lhe deram, né?


João Ubaldo Ribeiro - É claro. O governo prá ele é uma coisa representada pela figura que pode falar com o secretário, que pode falar com o governador e essa a razão por que a Arena ganha sempre, é claro, porque você não vai viver a vida toda sem nem ao menos aparecer um diretor de repartição na cidadezinha dele. Então, na realidade, a idéia de Brasilidade é uma idéia que realmente só existe na cabeça da gente, não existe na cabeça do cidadão nordestino do campo. O nordestino do campo se vê vagamente como brasileiro. Claro, ele sabe que é brasileiro, mas ele não sabe se a América fica pra lá do Rio de Janeiro ou se fica pra cá da África. Ele não tem a menor idéia. Ele quer é comer e parte das tensões, e parte do sucesso que o Brasil tem tido em relação ao controle das tensões sociais se deve: 1.º) à extrema miséria desse povo; 2.º) ao fato de que assim mesmo é possível a sobrevivência, através de um relacionamento muito primitivo e pouco exigente com a terra e com o ambiente. Então é possível comer de alguma maneira e 3.º) porque você não sabe, realmente, do que ocorre, quer dizer, você não sabe realmente o que está acontecendo com quem luta, você não sabe. Tudo pode ser mentira e tudo pode ser verdade. Tudo o que lhe contam pode ser mentira ou verdade, mas você não sabe.

Josué - Outra coisa Ubaldo, com relação a seu último romance.


João Ubaldo Ribeiro - Este que eu estou escrevendo?

Josué - Não.


João Ubaldo Ribeiro - Ao Sargento?

Josué - Não, não.


João Ubaldo Ribeiro - Cavalos não é romance, são cinco novelas.

Josué - São novelas, exato. A essas novelas desses Cavalos.


João Ubaldo Ribeiro - O que é que tem?

Josué - Essas histórias de onde saíram? Também da mesma época?


João Ubaldo Ribeiro - Essas histórias do Ventos Cavalos foram frutos de uma espécie de irritação minha, que eu sinto. Eu sou uma pessoa muito humilde, embora talvez até extremamente arrogante (risos) talvez aqui, mas o Ventos Cavalos saiu como uma espécie de fruto de irritação, como aconteceu com o "Sargento Getúlio". Mas foi um livro que agradou pelas razões erradas. Não que eu queira dizer assim "não, eu sei o que é bom no meu livro, não". Claro que o livro é independente e assume a sua própria identidade e não tem nada a ver com isso. Mas eu fiquei muito irritado com o pitoresquismo, que eu chamo assim, brasileiro que atacou o Sargento Getúlio, quando saiu, porque ler o Sargento Getúlio é uma experiência tão fascinante, tão estimulante, quanto você assistir um samba de roda, uma puxada de Charéu...

Josué - Folclórico.


João Ubaldo Ribeiro - É. Vivem esta vida. É meio folclórico e tal, que não é nada daquilo, então eu pensei em escrever um livro, cheguei a escrever o título "O Filho do Sargento Getúlio" (risos).

Josué - O preso era outro?


João Ubaldo Ribeiro - Não era preso nenhum, ia fazer "O Filho do Sargento Getúlio".

Tarso - Ia ser você mesmo, né?


João Ubaldo Ribeiro - Não. Ia fazer aqueles filhos, que ele fala no livro, que ele vai ter e tal. E eu escrevi um prefácio onde eu julgava que ia dizer verdades insuspeitadas a "inteligentzia" nacional, não disse coisa nenhuma; olhei o prefácio, achei que era um prefácio longo, umas trintas laudas datilografadas. Achei que não tinha sentido eu fazer, tirei o prefácio e botei o título, o título de um livro, de uma das novelas, que era a "Guerra dos Paranaguás", mas o editor mudou. Mas esse livro surgiu disso, surgiu assim de uma necessidade de desmistificar, porque não existe nada de heróico em você - quer dizer, existe, é claro - mas não é heróico, é o mesmo tipo de heroísmo que existe na cidade, nas grandes cidades, quer dizer, do homem que ganha salário-mínimo.

Josué - Sobrevivência.


João Ubaldo Ribeiro - É. Que parte prá batalhar, então não existe nada de romântico, nem de lindo, nem de eleito no protagonista. É o destino na vida do nordestino. Aquilo é somente uma maneira de se lidar com uma realidade hostil, agreste, inóspita, Sargento Getúlio, na realidade, é tão herói quanto qualquer tomador de ônibus aqui na Bahia, que mora em Castelo Branco, trabalha na Liberdade e tem que receber o dinheiro no centro Administrativo, é a mesma coisa. Ele enfrenta o mesmo tipo de dilema.

Tarso - Agora me diga uma coisa, dentro dessas coisas que você coloca, vamos dizer, Salvador, em si é uma deformação dessa região então?


João Ubaldo Ribeiro - De certa maneira sim. Salvador é uma cidade extremamente alienada de certos aspectos, durante muito tempo, eu era menino, e você não podia dizer que Salvador era Norte, Salvador era Sul, inclusive, era um pouco insultoso declarar-se a uma baiana. Você vinha aqui, era difícil namorar as moças da terra e tudo isso, há, vamos supor, uns 30 anos atrás, então você falava a respeito, você, sulista, - podia ser de São Paulo, do Rio Grande ou do Rio - você dizia assim, "não, aqui do Norte", alguns baianos se insultavam, eles não eram nordestinos, eles eram do sul.

Tarso - Do sul.


João Ubaldo Ribeiro - Eles eram do sul (risos), como o sotaque baiano é mestiço até hoje, é um sotaque meio... nós não falamos como sergipano, nem falamos como sulista, não falamos como paulista, nem como carioca, vivemos no meio do caminho. Na Bahia, sempre houve essa aura de uma civilização alienada, afastada de tudo e tal, coisa que hoje, talvez, não, hoje certamente, é compreendida... Salvador, hoje, pelas pessoas melhor pensantes, é compreendida como uma Capital nordestina, uma Capital estranha, diferente, que incorporou todo um patrimônio negro à sua cultura, que incorporou toda uma série de valores que não existem fora do Brasil, hoje se compreende mais ou menos isso, mas, a Bahia não, a Bahia sempre foi, realmente, uma Capital de privilegiados. Salvador tem um milhão de pessoas, a área da Grande Salvador tem um milhão e cem mil habitantes, mais ou menos, por aí.

Tarso - Fora os baianos...


João Ubaldo Ribeiro - Hoje, aqui, você tem 600 mil pessoas abaixo de uma existência econômica estatística significativa. Você querer calcular o faturamento do Shopping Center Iguatemi, por exemplo, aqui de Salvador, em termos do número de habitantes, isso é maluquice, você não tem isso. Você tem uma população que em grande parte é excluída, 600 mil talvez, pessoas que não existem economicamente, que vivem ao nível de subsistência, que não têm... são como os "masai" lá do Quênia, quer dizer, cuja atividade nômade não é produtiva. Eles sobrevivem, como os catadores de mariscos nos alagados; como os badameros, ou badameras, vocês já ouviram falar, é o pessoal que têm Carteira da Prefeitura pra catar o lixo. Aqui a Prefeitura dá carteira. Você tem uma carteira de catador de lixo (risos), vai lá, cata o lixo e tal, uma profissão como outra qualquer, não é uma profissão remunerada.

Josué - Não remunerada?


João Ubaldo Ribeiro - Não. É uma profissão de livre agente, "free agent".

Josué - Um profissional liberal?


João Ubaldo Ribeiro - Exato. Um profissional liberal (risos), catador de lixo. Exatamente. Exatamente, profissional liberal. Então, na realidade, você tem uma população economicamente significante em Salvador, de 100 mil pessoas, se você tiver. Se tiver.

Tarso - Agora, me diz uma coisa, aí nesse troço não tem você e o Glauber estudaram juntos, aí né?


João Ubaldo Ribeiro - Estudamos.

Tarso - Então, me parece, com tudo isso que você está me falando, que o Glauber faz um cinema realista, no fundo, né? de estremo realismo.


João Ubaldo Ribeiro - Ah, muito, muito. Não, o que ele faz de realismo, não, o problema todo de uma, quer dizer, eu não gosto de falar essas coisas, porque eu não sou assim um intelectual.

Tarso - Mas não existe isso no Brasil, pode falar à vontade (risos).


João Ubaldo Ribeiro - Mas na realidade, porque Glauber, interessante, eu gosto muito de Glauber, é um amigo, talvez um amigo primordial meu, assim, um amigo irmanado através de muito tempo, mas eu normalmente não gosto dos filmes de Glauber. Aí você vira assim, "você é um reacionário, um louco". Não. Eu não gosto porque Glauber é vítima também de uma porção de coisas, que talvez prá mim seja mais fácil superar, do que prá ele, que é a construção - me perdoem a colocação pernóstica da coisa - a construção de uma estética do Novo Mundo, de uma estética nossa, porque nós nos sentimos inferiorizados porque não conhecemos marcas de vinho, porque não conhecemos, não sabemos nos portar na mesas, não sabemos, ou seja, abdicamos. A Bahia hoje é uma cultura esculhambada. Você vai num restaurante da Bahia você encontra guardanapos e, assim, uma carta de vinhos, prum povo que se relacionou com seu mundo, em termos de moringa na janela, em termos de tirar da terra as coisas que podia tirar prá comer e viver. Na Bahia, se nós tivéssemos uma população de 100 mil habitantes, você poderia ir nas encostas catar ataioba prá fazer "fó", catar língua de vaca, prá fazer "fó", catar quiabo, que cresce feito mato por aí, e viver. Na Bahia, até hoje, existe uma festa prá cada dia do ano, - hoje, não existe mais - quer dizer, existe só nominalmente. Então, o desenvolvimento de uma estética nacional, como o Glauber está fazendo, assim, uma maneira de ver nacional, é um negócio muito problemático, porque você tem que inventar em cima de um negócio que você não, você não tem um Aristóteles por trás de você, você não tem uma cultura européia toda por trás de você. Você tem uma frescura orientalista, claro, negócio de uns caras metidos a hindu, que é uma babaquice, e tem uma série de outros movimentos bem intencionados, africanismos e tropicalismo, e etc, e tal, que são no fundo extertores do desespero da construção de uma cultura que nós não temos condições de reconstituir, porque a cultura só pode vir fundada em lastro econômico. Nós, então, não temos nem potência prá impor nosso tipo de beleza. Nós temos que ter vergonha de que Marta Rocha tenha duas polegadas a mais, porque as mulheres inglesas não têm b..., pois é. Então, todo um processo de subordinação cultural fica agora vislumbrado por gente como Glauber - me perdoem modestamente me colocar no meio - , eu e outros caras que não sabem como vencer esse tipo de... não sabem como construir esta novidade dentro do mundo, que seria uma maneira de ver o mundo daqui. Aí é que ele se dá mal, diante da crítica careta, subordinada e satélite.

Tarso - Sim, mais aí é que eu digo, quer dizer a crítica brasileira de todos os setores de teatro, a língua, cinema, não se o quê, só tem contribuído negativamente para a cultura do povo.


João Ubaldo Ribeiro - De forma extremamente negativa e, aliás, eu enfatizo "extremamente negativa", porque você vê...

Tarso - Porque é um movimento elitista.


João Ubaldo Ribeiro - Exatamente. Nós estamos aqui sentados no Othon Palace de Salvador, tomando Bucanas.

Tarso - Não se registre isso (risos).


João Ubaldo Ribeiro - Pois é, mas é verdade, nós estamos tomando Bucanas, mas, não temos idéia da nossa própria individualidade. Nós somos eu, você, Tarso, Josué e David, David é americano, vamos deixar David de lado, não vale; mas, nós todos aqui, nós, por exemplo, eu estou tomando Bucanas, que é uma coisa que prá maioria dos crioulos do Mercado Modelo, eles prefeririam tomar cachaça a tomar Bucanas. Então, você diz: "mas esses caras não têm o gosto desenvolvidos". Não têm? De fato é verdade. Mas, de que você estava tomando dez garrafas ontem?

Tarso - O David.


João Ubaldo Ribeiro - O David (risos), pois é, você tem que ter um gosto desenvolvido pra isso. Então, como é que você desenvolve esse gosto? Através do estreitamento de oportunidades, certo? Então, a maioria das pessoas, a esmagadora maioria das pessoas pode sair e sentir o sol baiano, então, vamos dizer que esse seja o maior denominador comum. Todo o mundo pode ter sua sensibilidade dirigida ao sol da Bahia.

Tarso - Nós tomamos providências com relação a isso (risos).


João Ubaldo Ribeiro - Exatamente. Exatamente. Então essa coisa vai se estreitando, vai se estreitando, então esse veto elitista na literatura, na arte brasileira é um negócio inegável, quer dizer, você detesta o escritor popular, não porque seja popular, pelo contrário, há até uma certa contradição que perturba as pessoas: "não, eu gosto que ele seja popular", comunica um pouco, mas ele é muito chato, ele é um Waldick Soriano, ele é isso. Não, é porque, na medida em que a faixa de sensibilidade - explorada por um escritor, por um artista qualquer - é aberta a mais gente, ela tira a exclusividade daquilo. Então, na medida em que você pode escrever um livro prá que você tenha que educar o gosto, um livro prá tomador de Bucanas, você faz de uma maneira que o livro melhora de qualidade, e a literatura brasileira até hoje é feita assim.

Tarso - Sim, mas há aí também uma participação do criador, no seguinte sentido: há uma tendência de também dar uma colher de chá, quer dizer de se identificar com o leitor.


João Ubaldo Ribeiro - Exato, o sujeito chega e diz assim, não o Guimarães Rosa é melhor escritor do que o Jorge Amado. Por que? Na realidade não é. É exatamente o oposto. Mas, de qualquer forma prá você curtir o que Guimarães Rosa quis fazer, você precisa ter, você precisa pertencer àquele clube cada vez menor, mais restrito, que é o clube dos que têm, dispõem da sensibilidade treinada, prá desfrutar daquela coisa. Onde todo o mundo desfruta, então, aquilo desvaloriza. Então, na realidade, nós escritores brasileiros, nós escritores, principalmente os críticos, os homens que fazem artigos em revistas, eles são responsáveis por uma malversação dos recursos brasileiros, por uma subversão de valores, que é gravíssimo, me parece, prá nacionalidade. Você não acha não?

Josué - Perfeito. A colocação está perfeita, é exatamente isso. Agora, o problema é que o Brasil também não tem crítica, não é?


João Ubaldo Ribeiro - Não, não tem. Não tem.

Josué - Você disse muito bem, não tem crítica.

Tarso - Agora me diga uma coisa. Dentro de toda essa visão aí que você coloca de nordeste. Bahia, de tudo, onde é que você situa o trabalho do Jorge Amado?


João Ubaldo Ribeiro - Onde é que eu situo como, em que sentido?

Tarso - Quer dizer, o que é que reflete Jorge Amado, é mais uma coisa de Salvador, é mais uma coisa da Bahia?


João Ubaldo Ribeiro - Não. Eu acho uma coisa profundamente brasileira.

Tarso - Não, eu digo, a partir do ponto-de-vista, de você que está na Bahia, por exemplo. Eu não estou falando da minha visão, eu estou falando da visão daqui, você como homem?


João Ubaldo Ribeiro - Não, daqui não se sabe. Daqui talvez seja até mais prejudicado nessa visão, do que você que está morando em São Paulo...

Tarso - Rio.


João Ubaldo Ribeiro - Ou Rio. Está morando no Rio? Você não mora em São Paulo?

Tarso - Você está querendo me desmoralizar, pô (risos).


João Ubaldo Ribeiro - Jorge sofre disso, do fato de ser gostado por muita gente. Mas, não é um problema simples, inclusive, você pode gostar de Jorge Amado, por exemplo, sendo um elitista, gostar, curtindo valores, que você sabe que aquele povão não curte, eles gostam, só que em outras circunstâncias, pelas razões erradas, mas você é que tem sensibilidade para receber aquilo tudo. Então, Jorge sofre muito desse tipo de fenômeno e sofre ainda mais, a classe média, que normalmente não gostaria daquelas coisas que agradam a um crioulo e que o crioulo entende, mas que começa a perceber que Tarso de Castro e Josué Guimarães gostam também, então já passa a ser um modo de ascensão social por vias travessas, uma loucura. O cara diz, não, eles gostam. Mas eles não gostam do popular pelo popular, eles gostam porque o popular agrada a elite.

Tarso - Agora me diga uma coisa, você teve um tempo aí há uns 10 ou 12 anos atrás de jovem rebelde e você tinha uma posição reserva com Jorge, não tinha?


João Ubaldo Ribeiro - Não. Não. Eu, na realidade, não tive uma posição de reserva com o Jorge, não.

Tarso - Eu sei que você é muito amigo dele, tudo bem, mas quer dizer, houve uma época que você criticava, quer dizer, havia uma...


João Ubaldo Ribeiro - Houve uma época, não, não é exatamente que eu criticava não, existe uma época em que eu agredi Jorge, por insensatez e burrice juvenil.

Tarso - Que todos nós temos.


João Ubaldo Ribeiro - É, que ninguém está livre disso. Mas agredi muito pouco, muito pouco, era uma coisa assim mais eventual, mais perfunctória, assim um negócio que não era realmente.

Tarso - Mas isso, isso, eu quero chegar ao seguinte ponto, isso talvez não terá sido um reflexo de toda uma coisa improdutiva que há de repente, que passa...


João Ubaldo Ribeiro - Claro, o pior mal, o pior mal para a esquerda é a esquerda, me parece, porque a esquerda erige valores de tal forma radicais, que a esquerda ataca mais radicalmente o problema, a esquerdinha ataca muito mais radicalmente o Jorge Amado, do que ataca qualquer fascista.

Tarso - E vira moda, inclusive... vamos dar um pau nesse cara.


João Ubaldo Ribeiro - É. Vira moda, e durante algum tempo em certas circunstâncias você consegue mobilizar o ódio de um comuna maoista, muito mais contra outro comuna moscovita, muito mais do que você consegue mobilizar o ódio dele contra um fascista, um opressor, um criminoso, um ditador, porque eles passam o tempo numa crise patentemente pequeno burguesa, numa - como se diz aqui na Bahia - numa negrinhagem (risos), evidentemente pequeno burguesa a brigar uns com os outros e tal, e sabe por quê? Porque ninguém quer fazer coisa nenhuma. É claro. Porque essa classe não é comprometida. Nós aqui não somos comprometidos com coisa nenhuma.

TRECHOS DO ROMANCE "SARGENTO GETÚLIO"


O chefe disse: me traga esse homem vivo, seu Getúlio. Quero o bicho vivão aqui; pulando. O homem era valente, quis combate, mas a subaqueira dele anganchou a arma, de sorte que foi o fim dele. Uma parabelada no focinho, passarinhou aqui e ali e parou. Foi manso, manso de beiço quebrado. Tárcio queria logo passar uma máquina zero no cabelo dele, mas não pôde ser. Era só questão de dar umas porretadas de ensinamento, não era como quando fomos quebrar o jornal comunista. Essa quebra ninguém mandou, mas o jornal aporrinhava o Chefe, de sorte que um dia foi queimado e faltou água para os bombeiros. Não sobrou nada e tinha um comunista chorando na porta. Cabra frouxíssimo. Sem dúvidas baiano. Magro, sem sustança, devia de chorar assim de fraqueza. Todos casos, queimou está queimado, não sobrou nem tição para acender meu liberti. Foi o fim dos udenistas comunistas. O gente mofina só é comunista, embora estime a perturbação. Na hora que arrocha, se vão-se todos para cacha-prego. Levei diversos. Luiz Carlos Preste, Luiz Carlos Preste. Fazia mitingue na praça Pinheiro Machado gritando isso e uma vez perturbaram toda a rua da Frente, não deixaram ninguém passar. Não teve gueguê nem gagá. Seu Getúlio, me compreenda uma coisa, me desça o pau nessa corja. Eles lá muito monarcas no distúrbio e nós destaboquemos pela praça Fausto Cardoso e casquemos a lenha. Cambada de cachorro, não acha vosmecê. Não teve essa de cabeça boa, na hora do derrame de cavalaria, que ficasse livre da bordoada.

O jornal, depois o Chefe botou no outro jornal que os integralistas era que tinha queimado. Prender os integralistas, seu Getúlio, que é para eles aprender a não queimar o jornal dos outros. Me traga essa gente toda, pelo amor de Deus. Fomos buscar e daqui a pouco estava assim de integralista na frente da gente. Bonita coisa queimar o jornal, bonita coisa queimar o jornal dos comunistas. Entrou tudo na chefatura, reclamando, reclamando, ah porque não foi eu que queimei o jornal, ah porque isso não pode, ah porque não sei o quê, ah porque o pai dele é importante e vai soltar ele e essas coisas. Marchou tudo para dentro, abriram inquérito. Por mim, estava tudo lá até hoje. Essa gente não presta. Chegaram na casa do chefe e avisaram, quer dizer, um caguete avisou que vamos pegar o homem em casa, se não tiver pegamos a mulher do homem, se não tiver pegamos o filho. Veio força armada da Bahia, botaram cachorro, escondemos o menino e se dispomos por baixo dos oitizeiros da praça, pela riba do palanque, em cima da piçarra.

Estava uma guerra. No alpendre, botemos eu e o Tárcio, segurando duas máquinas engraxadas, das tinindo, novas, novas. Era entrar, era ser varado, sem uma nem duas. E a gente estava pronto para passar uma piaçaba de bala naquela praça, ô festival, hem Amaro? Aquilo quando estava silêncio, chega se ouvia quase as armas respirar e um ar pesado, virgem. Amaro, viu, ih, estava lá se borrando nas calças, carregando um cano curto. O Amaro, revólver atira sem homem? Quem nasce em Muribeca é muribequense, hem amaro? Ah-ah. Muribequino ou muribequeiro? Êsse Amaro, ôi Amaro. Chofer bom está aí, a mão firme. É quem dirige o estudebêque do Chefe nas horas de maior precisão. Ele e Batista, mas de Batista não gosto, vosmecê conhece?

Pois a gente estava ali com os cotovelos no balaústre, assuntando se vinha a invasão, só que com a cabeça para dentro, que era fatível mandarem um balaço lá da rua do Cedro e ninguém semos passarinho para o outro vir atirar assim sem mais. Tárcio saída de vezem quando, com a cabeça para cima por causa do ôlho cego e ia pegar um salame na bodega de Zé Corda, às vezes bolacha de goma, que ele gostava, uma garrafinha de jade, coisa assim. Eu não. Plantado ali. Mas a udenê - veio vosmecê? assim veio ela. Sabia que o pecidê estava pronto para qualquer política que viesse e podia vir como viesse.

Isso em Aracaju, porque se fosse no interior a gente fazia com eles o que eles fizeram em Ribeirópolis, aliás sei que vosmecê tem parte nisso, quando eles até fogo em bezerro vivo tocaram e espalharam sal na terra e inda por cima arrancaram as portas e janelas das casas de famílias e botaram um homem em cada buraco, espiando para dentro. Isso êles não se alembram de contar. Mas ali não apareceram para o cêrco do mais danado da política, naquele aceso, ia ser uma mortandade. Tinha boas mãos e dispostas, uma roda de chumbo. Mas não apareceram. Aparecesse, chovia ferro. Cristiano Machado, o homem é Cristiano Machado. Brasileiro. Presidente é presidente. Udenista é udenista. Talvez possa ser melhor, em vez de Quina Petróleo, Brilhantina Glostora, porque gosto mais do cheiro. Se lembra do prêto Ramálio, Amaro? Esse vou dizer a vosmecê, êsse era ladrão, êsse não valia nada, teve sorte merecida. Amarraram atrás dum carro e arrastaram pelaí.

Os restos jogaram no apicum. Prêto ruim, baiano. Prêto e baiano não dá certo. Pois usava Glostora o infeliz, veja como era desassuntado. Vou aparar estas costeletas. Homem era Floriano. Dizem, nunca vi. Quantosanos tem não sei. Todo Peixoto é macho. Isso os antigos sabem. É Leite, é Sobral, é Prata, é importante, tem isso também. Vieira é que é um nome ruim.


A minha cara de cinza, o meu cabelo de terra, a minha bota de couro, a minha arma de ferro, hem, coisa? não semos tudo o mesmo? agora não muito, porque eu sou eu, Getúlio Santos Bezerra e meu nome é um verso que vai ser sempre versado e se tem lua alumia e se tem sol queima a cara e se tem frio desaquece, ai dos bois de barro e uma caixa de fósforo e um garajau cheio de barro, aboio eu abóia tu, hem Amaro, ecô, ecô, nós que semos marinheiros larguemos a grande vela porisso que puxemos ferro, olerê, larguemos a grande vela, olhe aí, Amaro, eu sou maior do que o reis da Hungria, no dia dois de fevereiro tem uma festa em Capela, hem coisa, sabe onde Capela fica? sabe onde Capela fica, sabe onde Capela fica, e onde fica Capela? e onde fica Salgado e onde fica Largato? e onde fiquemos nós? ôi, lá vem êles, assunte, e tão devagar que não se sente, em casa tem todos uma mulher e um cuscus e uns inchadinhos, veja bem isso, cada dia se pare mais nessa terra, é assim uma fortaleza de gente aparecendo nesse mundo de meu Deus, para que isso, hem? e eu sendo eu, sendo eu, quando eu era menino eu comi barro e entrei por dentro do chão, comendo barro, e comendo de novo, oi coisa, olhe a vida, lá vem a força, em Jarapatuba tem umas canas e o canavial é louro, louro como uns portodafolhense e quem nasce em Muribeca é muribequeno ou muribequeiro, hem Amaro? quando eu entrei em Luzinete, entrei e fiquei, minha santa santinha, na lua, minha santa santinha e umas bombas de banana que jogou nos cabras, por que a gente não dá umas risadas, coisa? que é que esta vendo aí, coisa, o chão? isso tudo é um verdume só, coisa, quando chove e quando não chove é um amarelidão, mas vosmecê pode se jogar no chão que não tem perigo que ele lhe abraça, talvez até lhe coma e você vire um pé de pau ou tu vire um gaiamum ou vossa excelência vire numa pedra, isso pode crer é mesmo quente com a chuva esfumaçando, mesmo assim ele lhe abraça e pode ficar lá, porque onde é que vai ficar mesmo, tem que ficar no chão, já chorou uma certa feita, coisa? de fora para dentro não, mas de dentro para fora, nos repuxos e cavando lá de dentro? eu mesmo não, mas possa ser que eu chore agora, porque eu estou com um pouco de vontade de chorar agora, seu coisa, seu traste, seu trempe, possa ser que eu chore agora, visto que não é que eu tenho medo, eu não tenho medo nem de alma, mas eu posso chorar porque eu nunca falei com aquela força fraqueza nem vou falar e tem tanta coisa que eu não pude fazer porque eu não sabia e o mundo inteiro parou aqui, hem, Amaro? veja essa água e essa beiro de rio, com esse barulho aí de leve noite e dia, veja essa água e Aracaju e a ponte do imperador, veja esse povo vindo atravessando de barco atrás de nós e carregando as armas apontando para cima e aquele navio parado ali, nem sabe o que está se passando, tem uns homens lá jogando dominó e pensando na vida, mas porém o destino esta dando volta, hem Amaro? lá na lua e pode crer que eu estou vivo no inferno, lá na lua esta Luzinete e essa força se atira eu também atiro, ô minha lazarina, ô meu papo amarelo e um mandacaru de cabeça para cima eu vou morrer e nunca vou morrer eu nunca vou morrer Amaro eu nunca vou morrer um aboio e uma vida Amaro aaaaaaaaaaaaaaaahhheeeeeeeeeeeeeeeh aê aê aê aê aê aê aê aê aê aê ecô ecô aê aê aê aê eu nunca vou morrer Amaro e Luzi netena lua essas balas é como meu dedo longe e o lhelá Ara eu vou vejocaju e a águacor rendode vagar e sal gadaela éboa nun cavoumor rernun caeusoueu, ai um boi de barro, aiumboi aiumboide barroaê aê aê aiumgara jauchei de barro e vidaeu sou eu e vou e quem foi ai mi nhalaram jeiramur chaai ei eu vou e cumpro e faço e.

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