UMA IMPORTANTE ENTREVISTA COM TROTSKY

Publicado na Folha da Noite, São Paulo, segunda-feira, 5 de abril de 1932.

Neste texto foi mantida a grafia original


ISTAMBUL, março - A United Press teve a opportunidade de entrevistar Trotsky na cabine da barca em que elle viajava de Prinkipo a Istambul, aonde vae periodicamente consultar o seu medico. Trotsky não dá de todo a impressão de invalido. O seu rosto oval e pontudo, com os bigodes e barbicha ligeiramente grisalhos, mostra boa apparencia, clara e corada, com a mesma vivacidade dos olhos azues, que brilham atraz dos oculos de aros de tartaruga. Trotsky, falando ora em inglez ora em francez, deu as suas impressões sobre a situação do Extremo Oriente:
"A acção do Japão na China está se desenvolvendo segundo o andamento de uma espiral, que se vae alargando de mez a mez. O systema apresenta vantagens politicas e diplomaticas; arrasta paulatinamente á guerra, primeiro o seu proprio povo e depois o inimigo, collocando o resto do mundo em face de uma successão de factos consummados. Isso prova que a classe militar se vê presentemente obrigada a vencer obstaculos não só externos, como internos. Do ponto de vista militar, essa acção, para os pequenos resultados, é em si mesma uma desvantagem; mas, á vista da fraqueza da China e das insoluveis contradicções que reinam no campo inimigo, entendem os japonezes que se podem permitir uma perda de tempo com essa acção em espiral".
Na opinião de Trotsky, a segunda phase, a phase de verdadeira guerra, virá. E qual é nella o objectivo politico do Japão? Ninguem acredita que se trate de simples medidas policiaes. O objectivo japonez é colonizar a China, plano grandioso realmente, mas que não está dentro das forças do Japão. O momento não é mais para isso. Quando a Grã-Bretanha se está preparando para perder a India, não é crivel que o Japão consiga transformar a China em uma nova India. É possivel que o Japão vise tambem desferir um golpe contra a União dos Soviets Russos, ponderou Trotsky. Mas não seria um plano de primeira ordem. O Japão não poderia empreender uma aggressão contra os Soviets sem primeiro garantir a sua posição na China e na Mandchuria.
Ora, a acção em que o Japão se empenhou na China é uma empresa gigantesca, que terá consequencias encalculaveis. Terá successos parciaes, militares e diplomaticos, mas serão transitorios, ao passo que as difficuldades serão permanentes e sempre crescentes.
Na Coréa o Japão tem a sua Irlanda. Na China está tentando criar a sua India. Só os generaes inteiramente estupidos, do typo feudal, podem encarar com desdem o movimento nacional chinez. Uma immensa nação de 450.000.000 de habitantes, cuja consciencia começa a despertar, não póde ser guardada por aeroplanos".
"Do lado dos Soviets —accrescentou Trotsky não se póde pensar em provocar tal guerra, que importaria num golpe tremendo no 'Plano Economico', em que esta empenhado todo o futuro da Russia. Ha, actualmente, na Russia, centenas de milhares de fabricas em construção. A guerra viria transformal-as em capital morto.
Certos jornaes francezes, os mais reaccionarios de toda a imprensa mundial, disse Trotsky, vaticinam que o bolchevismo succumbirá mas estepes da Siberia. As estepes e as florestas da Siberia são bastante vastas para engulir muita coisa... (e aqui Trotsky sorriu maliciosamente), mas será assim tão certo que será o bolchevismo que irá succumbir ali? Num caso de guerra com o Japão os Soviets não lutarão sós. A China está prompta para combater pela sua existencia. Não falta nella o material humano, e os technicos militares russos conhecem a fundo o methodo de improvisar tropas aguerridas com um material humano excitado e consciente dos seus direitos. Não tendo duvida de que no prazo de 12 a 18 mezes seria possivel mobilizar, equipar, armar e exercitar o primeiro milhão de combatentes, e o segundo estaria igualmente prompto, dentro de mais seis mezes".
"Para só falar na China. Mas ha ainda as colossaes reservas do exercito vermelho. Não (sorriu novamente Trotsky), o jornaes francezes estão com muita pressa de enterrar os Soviets nos estepes da Siberia; o odio cego é mau conselheiro, particularmente quando se trata de predicção historica."
"Além disso, —concluiui Trotsky, o mundo não consiste só no Extremo Oriente. A chave da situação mundial não está em Mukden, mas em Berlim. O advento de Hitler ao poder representaria para os Soviets um perigo infinitamente mais directo do que as manobras da oligarchia militar de Tokio."
A barca já encostava na ponte de Galata. A multidão desembarcava. Depois de esperar que ella se escoasse, o ex-commissario da Guerra dos Soviets enterrou na cabeça o chapéo de feltro e perdeu-se na turba, acompanhado de seus secretarios a caminho de Pera.



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