Nelson Ascher
Da equipe de articulistas
Alcino
Leite Neto
Editor de "Letras"
No
dia 3 de março, fez 50 anos que Paulo Rónai, nascido
na Hungria, chegou ao Brasil. Em 13 deste mês, comemorou 84
anos de vida. Nenhuma das datas foi pretexto para que se ausentasse
do sítio Pois é, em Nova Friburgo (RJ), onde mora
desde 77, com a mulher Nora, cercado das obras da Brilhoteca (como
um dos netos chamava os seus dois andares e livros).
Naturalizado brasileiro desde 1945, tradutor, ensaísta e
professor, Rónai é uma das principais figuras inteligentes
do Brasil no pós-guerra. Na entrevista a seguir, ele recorda
sua vida na Hungria, sua prisão em um campo de concentração
como descobriu a língua portuguesa, a sua amizade com Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira, Guimarães Rosa, Ribeiro Couto
e seu incansável trabalho de divulgador da cultura mundial
- o trabalho de um apaixonado das línguas e das literaturas.
Sempre no plural.
*
Folha - O senhor tinha sete anos quando começou a Primeira
Guerra Mundial. Como a guerra afetou a vida de sua família
na Hungria?
Rónai - O meu pai foi convocado, apesar de ter seis
filhos. Passou três anos longe da família. Eu me lembro
de diversas privações que nós tivemos. Havia
pouca comida. Minha mãe sozinha dirigia a livraria que meu
pai possuía. Era uma livraria sobretudo didática,
num bairro onde havia muitas escolas. Mas a vida idílica
que eu presenciei até os sete anos, num país muito
tranquilo, a Hungria, parte da monarquia austro-húngara,
acabou em 1914 e nunca mais a reencontrei.
Folha - Quando começou seu interesse por Balzac?
Rónai - Depois de meus primeiros estudos em Budapeste,
ganhei uma bolsa do governo francês para frequentar a Sorbonne.
Foi lá que comecei a estudar Balzac. Ele me acompanha desde
1929. Defendi tese sobre as suas obras juvenis na Universidade de
Budapeste em 1930.
Folha - Sua carreira de tradutor data da mesma época?
Rónai - Sim, junto da de professor. Dei aulas em vários
ginásios de Budapeste, por último no ginásio
israelita, e ao mesmo tempo já começava a escrever.
A minha atividade literária tinha várias partes. Eu
traduzia do húngaro em francês para uma revista que
se chamava "Nouvelle Revue de Hongrie". Traduzida também
poetas de várias línguas, sobretudo de latim, mas
também do francês, do espanhol, e tinha um capricho,
que era apresentar a literatura brasileira ao público húngaro.
Folha - Mas como surgiu seu interesse pelo português?
Rónai - Quando estava em Paris, vi uma série
de "As Cem Melhores Poesias da Língua Italiana",
"... da Língua Francesa", e assim por diante, e
encomendei "As Cem Melhores Poesias da Língua Portuguesa".
No dia em que recebi a antologia, encontrei nela um poema de Antero
de Quental, que compreendi e traduzi no mesmo dia. Levei a um jornal
onde aceitaram publicá-lo. Quer dizer, no mesmo dia em que
vi pela primeira vez um livro português já comecei
a traduzir.
Folha - Junto da antologia veio também uma gramática?
Rónai - Não, veio só um dicionário.
Um dia, numa das minhas aulas de italiano no colégio israelita,
vi que um dos meus alunos não prestava atenção.
Ele estava lendo um livro. Perguntei que livro era. Era uma gramática
portuguesa. Perguntei a ele por que estava lendo esta gramática
nas aulas de italiano. Ele respondeu: "Porque vamos imigrar
para o Brasil". Eu pedi a ele a gramática, publicada
por uma livraria húngara de São Paulo e anotei o endereço.
Escrevi a essa livraria, que era muito pequena, pedindo que me mandassem
uma antologia da poesia brasileira e eu mandaria livros húngaros
em troca.
Folha - E a livraria paulista respondeu?
Rónai - Respondeu. Recebi uma antologia da poesia
paulista e lá encontrei poemas de Ribeiro Couto e outros
poetas, que comecei a traduzir. A primeira poesia que traduzi da
antologia paulista foi "A Moça da Estaçãozinha
Pobre", de Ribeiro Couto. Quando já tinha traduzido
um certo número de poesias, comecei a recitá-las.
Em 1939, publiquei uma antologia de poesia brasileira, "Mensagem
do Brasil", que saiu no primeiro dia da Segunda Guerra. A Embaixada
brasileira se interessou e mandou um pequeno relatório ao
Brasil, cujo resultado foi um tópico no "Correio da
Manhã", que dizia assim: "Enquanto a guerra se
aproxima, a cada espaço na Hungria, um maluco de Budapeste,
está traduzindo poesia brasileira".
Folha - Era um artigo sobre sua tradução?
Rónai - Era um tópico que tinha 20 linhas mas
despertou o interesse de uns 50 poetas brasileiros, moços,
jovens, a maioria sem nunca ter publicado nada, e comecei a receber
livros de poesia. Fui à Embaixada a e pedi alguns textos
brasileiros. Na Embaixada só tinham o número de um
Boletim Comercial da Embaixada do Brasil no Japão. Encontrei
lá o nome de Ribeiro Couto, cônsul do Brasil na Holanda,
que dava parabéns aos diretores do jornal. Escrevi para ele,
em Haia, perguntando se era parente do poeta. Ele respondeu que
ele mesmo era o poeta. A partir daí comecei a me corresponder
com ele.
Folha - Do que tratavam nessa correspondência?
Rónai - Muitas vezes eles respondia as minhas perguntas,
várias delas esquisitas. Por exemplo, eu perguntava a ele
o que era "morro". Ele me desenhou um morro para explicar.
Mas isso eu tinha encontrado no dicionário. O que o dicionário
não explica é que morro era favela, porque em Budapeste
as colinas são as partes mais nobres da cidade, mais elegante.
Ficamos amigos e foi Ribeiro Couto que me adquiriu um visto de entrada
no Brasil. Quando recebi esse convite, já estava num campo
de concentração, onde passei seis meses. Deixei na
Hungria a minha noiva, que foi morta pelos nazistas.
Folha - Como o senhor escapou do campo de concentração?
Rónai - Nessa primeira fase foi uma convocação
do governo húngaro pró-hitlerista. Deixaram-nos sair
durante o inverno, depois convocaram de novo e, então, os
que foram para lá nunca mais saíram. Fui convocado
como trabalhador escravo. Passei seis meses numa ilha do Danúbio,
onde nosso trabalho consistia em derrubar um edifício e construir
um outro exatamente igual no lugar, sem ferramentas. Éramos
pessoas de todas as profissões, em condições
sub-humanas. Morria muita gente nos campos, de tifo e outras causas.
Depois foram assassinados, mas nessa primeira fase ainda dependia
de acaso. Quando nos deixaram sair durante o inverno, eu aproveitei
a brecha e saí de lá. Deixei a Hungria em 28 de dezembro
de 1940.
Folha - Como foi sua chegada no Brasil?
Rónai - Cheguei em 3 de março de 1941. Logo
depois, comecei a ensinar em vários colégios. Dei
muitas aulas. Até que apanhei uma doença muito desagradável,
uma desinteria amebiana, que forçou a me hospitalizar. E
aproveitei o tempo passado no hospital, onde estava completamente
sozinho, para escrever uma série de livros de latim, que
me permitiu, depois de ter saído de lá, abandonar
um dos colégios e viver da renda do livro. Os dois primeiros
ainda estão em uso hoje, apesar da reforma do ensino. Só
que o "Gradus Primus", que era destinado à primeira
série ginasial, é livro de estudo do primeiro ano
de faculdade.
Folha - O senhor voltou a ter contato com sua família,
na Hungria?
Rónai - A minha família sofreu os horrores
da guerra na Europa. Perdi uma parte dela, minha mulher, minha sogra.
Digo minha mulher porque eu contratei casamento por correspondência,
por procuração em 43, quando já estava no Brasil.
Nem isso conseguiu salvá-la da morte. Em 46, os membros da
família que sobreviveram, sete pessoas, inclusive minha mãe,
vieram para o Brasil e os ajudei a recomeçar a vida. Nesse
momento eu já estava escrevendo com muita frequência
em jornais. Foi quando conheci minha mulher Nora, arquiteta e professora,
que ilustrou vários de meus livros. Nora foi o fato mais
importante da minha vida, junto de minhas filhas Cora e Laura.
Folha - Seu primeiro amigo no Brasil foi Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira?
Rónai - Sim, foi o grande acontecimento do meu primeiro
ano no Brasil. Naquele momento, o Aurélio ainda não
era conhecido como grande dicionarista. Ele secretariava a "Revista
do Brasil", onde eu fui levar um artigo, talvez no décimo
dia da minha estada. O artigo intitulava-se "Viajantes Húngaros
no Brasil", cujo material havia trazido da Hungria.
Folha - Como foi o seu primeiro encontro com Aurélio?
Rónai - Foi muito curioso e característico
dele. Ele estava sentado a sua mesa de revisor e secretário
da revista e nem levantou os olhos do livro que corrigia quando
eu me apresentei. Disse que tinha trazido um artigo que talvez interessasse
à revista. Ele pegou o artigo e me pediu que voltasse daqui
a uma semana. Voltei e ele me disse que tinham gostado muito obrigado,
mas era preciso que eu o traduzisse em português. O artigo
estava em francês. Foi minha primeira tradução
para o português. Nunca tinha escrito uma palavra na língua.
Folha - A tradução foi aprovada pela revista?
Rónai - Foi. Mas quando cheguei lá, o Aurélio
me recebeu na mesma atitude. Ele vivia sempre corrigido textos.
Era a atitude natural dele. Ele começou a ler o artigo e
com um lápis vermelho corrigiu logo dez erros, nas primeiras
linhas. Depois disse: "Mas esta tradução está
horrível. Quem fez?" Eu disse que tinha sido eu.
Folha - Vocês conversavam em português?
Rónai - Sim, mas um português muito fraco da
minha parte. Ele, então, perguntou?: "Há quanto
tempo o senhor está o Brasil?". Respondi: "Há
quinze dias". E ele disse: "Ah, então a tradução
está magnífica. Vou lhe mostrar o que há de
errado". E aí começou a explicar os meus erros.
Assim é que ele abandonou a revisão e começou
a conversar comigo. Então me propôs: "O senhor
quer me dar aulas de latim? Nós poderíamos trocar
aulas. Eu lhe daria de português". Eu disse: "Isso
seria uma grande felicidade para mim, mas eu não posso dar
aula de graça, não tenho nenhum trabalho". Ele
disse: "Muito bem, então eu pago as aulas de latim ao
senhor". E parte deste programa se realizou porque o Aurélio
durante mais de 40 anos corrigiu todos os artigos e todos os livros,
tudo o que eu escrevi, sem nunca receber um tostão por isso.
Mas a aulas de latim eu não cheguei a dar, porque ele não
teve tempo. Foi o meu grande amigo, o meu irmão brasileiro.
Folha - Fora seus livros de latim, como ocorreram os seus primeiros
contatos para publicação e organização
de livros e antologias no Brasil?
Rónai - O primeiro projeto importante que organizei
foi "A Comédia Humana", de Balzac. Estávamos
em guerra e os livros franceses não chegavam ao país.
A editoria Globo tinha muitos tradutores e queria dar trabalho a
eles. Resolveu, então, traduzir a "Comédia Humana",
que é um imenso conjunto de 89 romances, novelas e contos.
Quando me mandaram o material já pronto, verifiquei que era
preciso uma certa unificação, porque os tradutores
não receberam instruções e a uniformidade dos
trabalhos não estava assegurada. Então, propus a revisão
de todo o texto e fazermos notas e incluir ensaios de outros escritores
sobre Balzac. A editora aceitou. O trabalho durou mais do que pensava.
O primeiro volume saiu em 45 e o último em 55. Mas a editora
aguentou e publicou até o fim. Agora está sendo reeditada,
estou relendo e preparando o 17º volume em português.
É provável que eu termine.
Folha - Sua tradução de "Memórias de
um Sargento de Milícias" foi encomendada ou foi iniciativa
sua?
Rónai - Foi iniciativa minha, para uma firma francesa
que existiu aqui durante muito tempo e que chegou a publicar mais
um livro de Machado de Assis. Eu achei muito interessante as "Memórias",
um livro encantador, leve, simpático. Um dos primeiros romances
brasileiros, por assim dizer. Agora, para traduzir esse livro precisava
de alguns conhecimentos topográficos do antigo Rio. Foi um
dos meus amigos, Astrojildo Pereira, secretário do Partido
Comunista, um grande literato, que me levou ao morro que é
o cenário deste romance. Demos vários passeios, seguindo
as pegadas do Sargento de Milícias.
Folha - O senhor chegou a conviver com Otto Maria Carpeaux?
Rónai - Pouco. Eu gostava muito dele, morávamos
muito perto mas éramos muito ocupados. Mas ele era amigo
do Aurélio, que reviu também os escritos dele durante
muito tempo, bem como de vários outros autores. O Aurélio,
aliás, não escreveu mais por causa destas revisões.
Muitos editores vinham pedir a ele, assim como os escritores. O
papel dele é imenso sob esse ponto de vista.
Folha - Foi sua a primeira tradução feita para
qualquer idioma do poema "No Meio do Caminho", de Drummond?
Quando foi que o senhor se encontrou com ele?
Rónai - Logo após a minha chegada. Nós
já mantínhamos correspondência. Eu mandei a
ele a antologia dos poetas e ficamos muito amigos. Ele, depois,
foi padrinho de uma minhas filhas e todos os anos, no dia do aniversário
dela, mandava uma poesia. Fez isso durante 25 anos. Outra grande
amiga foi Cecília Meireles que frequentávamos muito.
Folha - O senhor também se correspondia com ela anteriormente?
Rónai - Também. Tinha traduzido um de seus
poemas. Cecília era uma personalidade completamente irreal.
Era uma mulher muito bonita, uma rara presença, ao mesmo
tempo tinha alguma coisa - eu não sei - de mágico.
A minha mulher, Nora, me dizia: "Preciso telefonar à
Cecília" e, no mesmo instante, tocava o telefone, era
Cecília que estava telefonando. Ela tinha um grande culto
da beleza. Tinha uma coleção inesquecível de
bonecas e ao mesmo tempo era um trabalhador literário de
extraordinária honestidade e precisão. Mais tarde
me aconteceu de dar trabalho a ela e ela fez questão de fazer
da melhor maneira possível.
Folha - O senhor também foi um dos primeiros a escrever
sobre Guimarães Rosa e depois da morte dele, tornou-se uma
espécie de executor literário de Rosa, organizou boa
parte do...
Rónai - Dois volumes, sim. Mas quem primeiro escreveu
sobre ele, foi Álvaro Lins e não eu. Meu encontro
com Guimarães foi muito interessante. Durante a guerra, tinha
pedido vistos de entrada no Brasil para minha mãe e minhas
irmãs. Quando acabou a guerra, fui chamado ao Itamaraty para
falar com o conselheiro Guimarães. Encontrei esse conselheiro
que me recebeu muito rispidamente e me mandou embora. E eu não
entendi porque me chamaram. Aí alguém disse: "Você
deve ter falado com o Guimarães errado. O secretário
do ministro é Guimarães Rosa, que é uma pessoa
muito cortês". Aí eu voltei e efetivamente fui
recebido com muita cortesia. Meu pedido foi atendido, a minha família
pôde entrar no Brasil. E assim tive os primeiros contatos
com o Rosa, que eram meramente funcionais.
Folha - E os contatos literários como se deram?
Rónai - Ele tinha lido artigos meus e um dia me disse:
"Você sabe que eu também sou escritor?" Eu
não sabia. Nesses dias, saiu "Sagarana" e fiquei
naturalmente surpreendido, maravilhado com esse livro. Ficamos grandes
amigos. Pedi a ele que escrevesse o prefácio para a "Antologia
do Conto Húngaro" e ele fez um ensaio de 24 páginas,
onde fala da língua e da história húngara.
Ele era um homem de muitos conhecimentos, extraordinários.
Vivia completamente na literatura. Era também um funcionário
modelar, tão modelar que quando ele trabalhava no Brasil,
no Itamaraty, aonde ia de bonde todos os dias, muitas vezes aos
sábados e domingos pegava o bonde e ia ao Itamaraty para
matar as saudades. Mas ao mesmo tempo ele se identificava completamente
com o que escrevia. Uma vez ele me encontra na rua e me grita: "Tenho
uma boa novidade: 'Grande Sertão' vai ser traduzido para
o iugoslavo". Ele sabia que era uma grande novidade também
para mim. Muitas vezes, quando ia visitá-lo no Itamaraty,
me mostrava o último conto. Certa vez, eu o encontrei enquanto
escrevia uma carta à tradutora norte-americana. Ele me disse:
"Esta senhora me pede respostas a várias centenas de
perguntas. Quando escrevi esta história, se eu soubesse que
iam traduzir, eu teria escrito na linguagem de todo mundo".
Folha - Alguns dos autores incluídos em sua "Antologia
do Conto Húngaro" eram seus amigos. Quais foram os mais
próximos?
Rónai - Antal Szerb e Ender Geléri eram meus
grandes amigos. Szerb tinha uma bolsa de estudos para Londres, quando
eu tinha minha bolsa para Paris. Ele, de vez em quando vinha de
Londres para Paris e nós nos encontrávamos na Biblioteca
Nacional e nos sentávamos um de frente ao outro, não
para conversar, porque era proibido na biblioteca, mas para nos
ver. Szerb pedia às vezes explicações do sentido
mais profundo das coisas que traduzia para o francês. Geléri
era mais moço do que eu. Traduzi contos dele para o francês
e para ele era uma ajuda imensa porque tinha pessimos empregos.
Levava uma vida miserável. Uma vez eu perguntei: "O
que o seu emprego tem de tão ruim?" ele disse: "Você
imagina, o meu deus é Leon Tolstoi, mas se eu tivesse que
ficar sentado oito horas por dia em frente a Leon Tolstoi fazendo
contas, eu o acabaria odiando".
Folha - O senhor vive no sítio Pois é desde 77,
quando se aposentou. Como é sua vida aqui?
Rónai - Vou poucas vezes ao Rio e quando o faço,
vou muito melancolicamente. Minhas filhas moram lá. Não
faço outra coisa a não ser trabalhar, sempre trabalhei.
Acordo muito cedo e trabalho algumas cinco, seis horas, até
os olhos aguentarem. Atualmente, estou cuidando da reedição
da "Comédia Humana". Gostaria de rever vários
dos meus livros. Por exemplo, tenho muito material para a enciclopédia
de citações, e gostaria de ver saindo a segunda edição
do meu dicionário de francês. Mas coisa nova não
sonho mais em fazer.
Folha - O senhor tem acompanhado as mudanças na Europa
Central, sobretudo as políticas?
Rónai - Naturalmente eu acompanho. Não posso
não acompanhar. Recebo muitas revistas e jornais húngaros.
Acho que as mudanças, em geral, foram boas, mas os problemas
econômicos são tão grandes que toda a Europa
Oriental e a Hungria também estão numa situação
muito difícil. Aumentou a liberdade, mas as dificuldades
da vida prática também aumentaram. As grandes esperanças
talvez não perdurem por causa dessas dificuldades da vida
diária.
Folha - O senhor chegou a ter simpatias pelo comunismo?
Rónai - Nem tudo era ruim no comunismo húngaro.
Por exemplo, a parte editorial, a de leitura, publicou-se muitos
livros na Hungria, criaram-se muitas livrarias, porque também
a leitura é um dos divertimentos mais baratos, cultivou-se
muito. E o húngaro continua uma raça muito talentosa.
Mas durante muito tempo, os defeitos do sistema eram os mesmos que
o dos outros países comunistas: o autoritarismo total, a
burocratização, os processos inventados etc. Isso
a gente não podia estar de acordo.
Folha - O senhor, que tem uma longa carreira de professor no
Brasil, acha que houve decadência do ensino brasileiro?
Rónai - Sim, sobretudo por causa do grande número.
Há um número extraordinário de alunos e há
poucos professores preparados. E a carreira de professor é
uma das piores. É um circulo vicioso, difícil de a
gente saber como melhorar. Acho uma catástrofe as muitas
greves de professores que acontecem. Mas outra catástrofe
é a situação dos professores. A falta de cultura
geral é um sintoma grande.
Folha - O senhor acha que a cultura humanista, a cultura do livro,
também vive no momento a sua decadência?
Rónai - Também. O número de leitores
não aumentou. Aumentou efetivamente, mas não em números
relativos. Os meios de comunicação não são
necessariamente meios de transmissão de cultura. E não
vejo muita tendência a se recuperar esta cultura que se está
perdendo. Vejo uma tendência à uniformização.
Todo mundo vê a mesma televisão, nas mesmas horas,
ouve as mesmas piadas, dá as mesmas risadas e é difícil
fazer alguma coisa contra isso. Esses meios de comunicação
são muito poderosos. Estou pessimista em relação
ao futuro do homem em geral e ao da cultura mais ainda
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Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989).- Dicionarista, ensaísta,
escritor e tradutor, Aurélio participou pela primeira vez
da elaboração de um dicionário em 38, por indicações
de seu amigo Manuel Bandeira. Em 75, publicou o "Novo Dicionário
da Língua Portuguesa", um dos mais abrangentes registros
da língua falada no Brasil e um sucesso de vendas (é
o best-seller da editora Nova Fronteira). Além das traduções
reunidas na coleção "Mar de Histórias",
traduziu poemas em prosa de Charles Baudelaire.
Ribeiro
Couto (1898-1963) - Poeta, jornalista e diplomata, Ribeiro Couto
estreou na literatura com "O Jardim das Confidências"
(1921). Participou da Semana de Arte Moderna declamando seus poemas.
Sua poesia deriva do simbolismo, com uma forte influência
de Paul Verlaine.
Cecília
Meireles (1901-1964) - Poeta carioca, publicou seu primeiro
livro, "Espectros", aos 18 anos. Uma de suas obras mais
famosas é "Romanceiro da Inconfidência",
inspirada na geração dos poetas mineiros do movimento
inconfidente.
Guimarães
Rosa (1908-1967) - Escritor, poeta, tradutor, ensaísta
e diplomata, Guimarães Rosa escreveu, entre novelas, contos
e romances, "Sagarana", "Grande Sertão: Veredas",
"Corpo de Baile" e "Primeiras Estórias",
obras capitas da literatura brasileira.
Astrojildo
Pereira (1890-1965) - Crítico literário e militante
comunista. Uma de suas principais obras é a coletânea
de textos "Machado de Assis - Ensaios e Apontamentos Avulsos",
recentemente reeditada pela Oficina de Livros. Foi o primeiro secretário-geral
do Partido Comunista Brasileiro.
Otto
Maria Carpeaux (1900-1978) - O ensaísta e jornalista
vienense Carpeaux imigrou para o Brasil aos 39 anos. Foi um dos
críticos mais ativos e influentes da segunda metade do século
no Brasil. Sua principal obra é a monumental "História
da Literatura Ocidental", em oito volumes.
Gelléri
Andor Endre (1908-1944) - Escritor húngaro, morreu assassinado
pelos nazistas durante a 2ª Guerra. É autor, entre outros,
de "Luz Amarga".
BIBLIOGRAFIA DE RÓNAI
"Balzac e A Comédia Humana" (1947), Livraria do
Globo
"Escolas de Tradutores" (1952), Ed. Nova Fronteira
"Um Romance de Balzac: A Pele de Onagro" (1952), Ed. A
Noite
"Como Aprendi o Português e Outras Aventuras" (1956),
Instituto Nacional do Livro
"Homens Contra Babel" (1964), Zahar Editores
"Babel & Antibabel" (1970), ed. Perspectiva
"A Tradução Vivida" (1981), Nova Fronteira
"Teatro de Moliére" (1981), ed. da Universidade
de Brasília
"Pois É" (1990), Nova Fronteira
"Curso Básico de Latim" (2 volumes), Cultrix
"Não Perca o Seu Latim", Nova Fronteira
"Guia Prático da Tradução Francesa",
Nova Fronteira
"Dicionário Universal de Citações",
Nova Fronteira
"Dicionário Francês - Português", Nova
Fronteira
TRADUÇÕES
"Mémoires d'un Sergent de la Milice", de Manuel
Antônio de Almeida (1944), Atlântica Editora
"Os Meninos da Russa Paulo", de Ferenc Molnár (1952,
do húngaro), Edições de Ouro
"Cartas a Um Jovem Poeta", de Rainer Maria Rilke (1953,
do alemão), Ed. Globo
"Amor e Psique", de Apuleio (1956, do latim, com Aurélio
Buarque de Holanda), Civilização Brasileira
"Sete Lendas", de Gottfried Keller (1956, do alemão,
com Aurélio Buarque de Holanda), Civilização
Brasileira
"Servidão e Grandeza Militares", de Alfred de Vigny
(1960, com Aurélio Buarque de Holanda). Biblioteca do Exército
"A Tragédia do Homem", de Imre Madách (1980,
do húngaro, com Geir Campos), Editorial da UERJ
COLEÇÕES
"Antonio do Conto Húngaro" (1957), será
reeditado pela Edusp
"Mar de Histórias Antologia do Conto Mundial" (com
Aurélio Buarque de Holanda), Nova Fronteira,
"A Comédia Humana", de Honoré de Balzac
(organização, introdução e notas), Ed.
Globo, 17 volumes
"Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura"
(1964-1974), Ed. Desta e Opera Mundi, 54 volumes.
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