FAZ 50 ANOS QUE O TRADUTOR E ENSAÍSTA CHEGOU AO BRASIL

Paulo Rónai

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 27 de abril de 1991

Nelson Ascher
Da equipe de articulistas

Alcino Leite Neto
Editor de "Letras"

No dia 3 de março, fez 50 anos que Paulo Rónai, nascido na Hungria, chegou ao Brasil. Em 13 deste mês, comemorou 84 anos de vida. Nenhuma das datas foi pretexto para que se ausentasse do sítio Pois é, em Nova Friburgo (RJ), onde mora desde 77, com a mulher Nora, cercado das obras da Brilhoteca (como um dos netos chamava os seus dois andares e livros).
Naturalizado brasileiro desde 1945, tradutor, ensaísta e professor, Rónai é uma das principais figuras inteligentes do Brasil no pós-guerra. Na entrevista a seguir, ele recorda sua vida na Hungria, sua prisão em um campo de concentração como descobriu a língua portuguesa, a sua amizade com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Guimarães Rosa, Ribeiro Couto e seu incansável trabalho de divulgador da cultura mundial - o trabalho de um apaixonado das línguas e das literaturas. Sempre no plural.

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Folha - O senhor tinha sete anos quando começou a Primeira Guerra Mundial. Como a guerra afetou a vida de sua família na Hungria?
Rónai - O meu pai foi convocado, apesar de ter seis filhos. Passou três anos longe da família. Eu me lembro de diversas privações que nós tivemos. Havia pouca comida. Minha mãe sozinha dirigia a livraria que meu pai possuía. Era uma livraria sobretudo didática, num bairro onde havia muitas escolas. Mas a vida idílica que eu presenciei até os sete anos, num país muito tranquilo, a Hungria, parte da monarquia austro-húngara, acabou em 1914 e nunca mais a reencontrei.
Folha - Quando começou seu interesse por Balzac?
Rónai - Depois de meus primeiros estudos em Budapeste, ganhei uma bolsa do governo francês para frequentar a Sorbonne. Foi lá que comecei a estudar Balzac. Ele me acompanha desde 1929. Defendi tese sobre as suas obras juvenis na Universidade de Budapeste em 1930.
Folha - Sua carreira de tradutor data da mesma época?
Rónai - Sim, junto da de professor. Dei aulas em vários ginásios de Budapeste, por último no ginásio israelita, e ao mesmo tempo já começava a escrever. A minha atividade literária tinha várias partes. Eu traduzia do húngaro em francês para uma revista que se chamava "Nouvelle Revue de Hongrie". Traduzida também poetas de várias línguas, sobretudo de latim, mas também do francês, do espanhol, e tinha um capricho, que era apresentar a literatura brasileira ao público húngaro.
Folha - Mas como surgiu seu interesse pelo português?
Rónai - Quando estava em Paris, vi uma série de "As Cem Melhores Poesias da Língua Italiana", "... da Língua Francesa", e assim por diante, e encomendei "As Cem Melhores Poesias da Língua Portuguesa". No dia em que recebi a antologia, encontrei nela um poema de Antero de Quental, que compreendi e traduzi no mesmo dia. Levei a um jornal onde aceitaram publicá-lo. Quer dizer, no mesmo dia em que vi pela primeira vez um livro português já comecei a traduzir.
Folha - Junto da antologia veio também uma gramática?
Rónai - Não, veio só um dicionário. Um dia, numa das minhas aulas de italiano no colégio israelita, vi que um dos meus alunos não prestava atenção. Ele estava lendo um livro. Perguntei que livro era. Era uma gramática portuguesa. Perguntei a ele por que estava lendo esta gramática nas aulas de italiano. Ele respondeu: "Porque vamos imigrar para o Brasil". Eu pedi a ele a gramática, publicada por uma livraria húngara de São Paulo e anotei o endereço. Escrevi a essa livraria, que era muito pequena, pedindo que me mandassem uma antologia da poesia brasileira e eu mandaria livros húngaros em troca.
Folha - E a livraria paulista respondeu?
Rónai - Respondeu. Recebi uma antologia da poesia paulista e lá encontrei poemas de Ribeiro Couto e outros poetas, que comecei a traduzir. A primeira poesia que traduzi da antologia paulista foi "A Moça da Estaçãozinha Pobre", de Ribeiro Couto. Quando já tinha traduzido um certo número de poesias, comecei a recitá-las. Em 1939, publiquei uma antologia de poesia brasileira, "Mensagem do Brasil", que saiu no primeiro dia da Segunda Guerra. A Embaixada brasileira se interessou e mandou um pequeno relatório ao Brasil, cujo resultado foi um tópico no "Correio da Manhã", que dizia assim: "Enquanto a guerra se aproxima, a cada espaço na Hungria, um maluco de Budapeste, está traduzindo poesia brasileira".
Folha - Era um artigo sobre sua tradução?
Rónai - Era um tópico que tinha 20 linhas mas despertou o interesse de uns 50 poetas brasileiros, moços, jovens, a maioria sem nunca ter publicado nada, e comecei a receber livros de poesia. Fui à Embaixada a e pedi alguns textos brasileiros. Na Embaixada só tinham o número de um Boletim Comercial da Embaixada do Brasil no Japão. Encontrei lá o nome de Ribeiro Couto, cônsul do Brasil na Holanda, que dava parabéns aos diretores do jornal. Escrevi para ele, em Haia, perguntando se era parente do poeta. Ele respondeu que ele mesmo era o poeta. A partir daí comecei a me corresponder com ele.
Folha - Do que tratavam nessa correspondência?
Rónai - Muitas vezes eles respondia as minhas perguntas, várias delas esquisitas. Por exemplo, eu perguntava a ele o que era "morro". Ele me desenhou um morro para explicar. Mas isso eu tinha encontrado no dicionário. O que o dicionário não explica é que morro era favela, porque em Budapeste as colinas são as partes mais nobres da cidade, mais elegante. Ficamos amigos e foi Ribeiro Couto que me adquiriu um visto de entrada no Brasil. Quando recebi esse convite, já estava num campo de concentração, onde passei seis meses. Deixei na Hungria a minha noiva, que foi morta pelos nazistas.
Folha - Como o senhor escapou do campo de concentração?
Rónai - Nessa primeira fase foi uma convocação do governo húngaro pró-hitlerista. Deixaram-nos sair durante o inverno, depois convocaram de novo e, então, os que foram para lá nunca mais saíram. Fui convocado como trabalhador escravo. Passei seis meses numa ilha do Danúbio, onde nosso trabalho consistia em derrubar um edifício e construir um outro exatamente igual no lugar, sem ferramentas. Éramos pessoas de todas as profissões, em condições sub-humanas. Morria muita gente nos campos, de tifo e outras causas. Depois foram assassinados, mas nessa primeira fase ainda dependia de acaso. Quando nos deixaram sair durante o inverno, eu aproveitei a brecha e saí de lá. Deixei a Hungria em 28 de dezembro de 1940.
Folha - Como foi sua chegada no Brasil?
Rónai - Cheguei em 3 de março de 1941. Logo depois, comecei a ensinar em vários colégios. Dei muitas aulas. Até que apanhei uma doença muito desagradável, uma desinteria amebiana, que forçou a me hospitalizar. E aproveitei o tempo passado no hospital, onde estava completamente sozinho, para escrever uma série de livros de latim, que me permitiu, depois de ter saído de lá, abandonar um dos colégios e viver da renda do livro. Os dois primeiros ainda estão em uso hoje, apesar da reforma do ensino. Só que o "Gradus Primus", que era destinado à primeira série ginasial, é livro de estudo do primeiro ano de faculdade.
Folha - O senhor voltou a ter contato com sua família, na Hungria?
Rónai - A minha família sofreu os horrores da guerra na Europa. Perdi uma parte dela, minha mulher, minha sogra. Digo minha mulher porque eu contratei casamento por correspondência, por procuração em 43, quando já estava no Brasil. Nem isso conseguiu salvá-la da morte. Em 46, os membros da família que sobreviveram, sete pessoas, inclusive minha mãe, vieram para o Brasil e os ajudei a recomeçar a vida. Nesse momento eu já estava escrevendo com muita frequência em jornais. Foi quando conheci minha mulher Nora, arquiteta e professora, que ilustrou vários de meus livros. Nora foi o fato mais importante da minha vida, junto de minhas filhas Cora e Laura.
Folha - Seu primeiro amigo no Brasil foi Aurélio Buarque de Holanda Ferreira?
Rónai - Sim, foi o grande acontecimento do meu primeiro ano no Brasil. Naquele momento, o Aurélio ainda não era conhecido como grande dicionarista. Ele secretariava a "Revista do Brasil", onde eu fui levar um artigo, talvez no décimo dia da minha estada. O artigo intitulava-se "Viajantes Húngaros no Brasil", cujo material havia trazido da Hungria.
Folha - Como foi o seu primeiro encontro com Aurélio?
Rónai - Foi muito curioso e característico dele. Ele estava sentado a sua mesa de revisor e secretário da revista e nem levantou os olhos do livro que corrigia quando eu me apresentei. Disse que tinha trazido um artigo que talvez interessasse à revista. Ele pegou o artigo e me pediu que voltasse daqui a uma semana. Voltei e ele me disse que tinham gostado muito obrigado, mas era preciso que eu o traduzisse em português. O artigo estava em francês. Foi minha primeira tradução para o português. Nunca tinha escrito uma palavra na língua.
Folha - A tradução foi aprovada pela revista?
Rónai - Foi. Mas quando cheguei lá, o Aurélio me recebeu na mesma atitude. Ele vivia sempre corrigido textos. Era a atitude natural dele. Ele começou a ler o artigo e com um lápis vermelho corrigiu logo dez erros, nas primeiras linhas. Depois disse: "Mas esta tradução está horrível. Quem fez?" Eu disse que tinha sido eu.
Folha - Vocês conversavam em português?
Rónai - Sim, mas um português muito fraco da minha parte. Ele, então, perguntou?: "Há quanto tempo o senhor está o Brasil?". Respondi: "Há quinze dias". E ele disse: "Ah, então a tradução está magnífica. Vou lhe mostrar o que há de errado". E aí começou a explicar os meus erros. Assim é que ele abandonou a revisão e começou a conversar comigo. Então me propôs: "O senhor quer me dar aulas de latim? Nós poderíamos trocar aulas. Eu lhe daria de português". Eu disse: "Isso seria uma grande felicidade para mim, mas eu não posso dar aula de graça, não tenho nenhum trabalho". Ele disse: "Muito bem, então eu pago as aulas de latim ao senhor". E parte deste programa se realizou porque o Aurélio durante mais de 40 anos corrigiu todos os artigos e todos os livros, tudo o que eu escrevi, sem nunca receber um tostão por isso. Mas a aulas de latim eu não cheguei a dar, porque ele não teve tempo. Foi o meu grande amigo, o meu irmão brasileiro.
Folha - Fora seus livros de latim, como ocorreram os seus primeiros contatos para publicação e organização de livros e antologias no Brasil?
Rónai - O primeiro projeto importante que organizei foi "A Comédia Humana", de Balzac. Estávamos em guerra e os livros franceses não chegavam ao país. A editoria Globo tinha muitos tradutores e queria dar trabalho a eles. Resolveu, então, traduzir a "Comédia Humana", que é um imenso conjunto de 89 romances, novelas e contos. Quando me mandaram o material já pronto, verifiquei que era preciso uma certa unificação, porque os tradutores não receberam instruções e a uniformidade dos trabalhos não estava assegurada. Então, propus a revisão de todo o texto e fazermos notas e incluir ensaios de outros escritores sobre Balzac. A editora aceitou. O trabalho durou mais do que pensava. O primeiro volume saiu em 45 e o último em 55. Mas a editora aguentou e publicou até o fim. Agora está sendo reeditada, estou relendo e preparando o 17º volume em português. É provável que eu termine.
Folha - Sua tradução de "Memórias de um Sargento de Milícias" foi encomendada ou foi iniciativa sua?
Rónai - Foi iniciativa minha, para uma firma francesa que existiu aqui durante muito tempo e que chegou a publicar mais um livro de Machado de Assis. Eu achei muito interessante as "Memórias", um livro encantador, leve, simpático. Um dos primeiros romances brasileiros, por assim dizer. Agora, para traduzir esse livro precisava de alguns conhecimentos topográficos do antigo Rio. Foi um dos meus amigos, Astrojildo Pereira, secretário do Partido Comunista, um grande literato, que me levou ao morro que é o cenário deste romance. Demos vários passeios, seguindo as pegadas do Sargento de Milícias.
Folha - O senhor chegou a conviver com Otto Maria Carpeaux?
Rónai - Pouco. Eu gostava muito dele, morávamos muito perto mas éramos muito ocupados. Mas ele era amigo do Aurélio, que reviu também os escritos dele durante muito tempo, bem como de vários outros autores. O Aurélio, aliás, não escreveu mais por causa destas revisões. Muitos editores vinham pedir a ele, assim como os escritores. O papel dele é imenso sob esse ponto de vista.
Folha - Foi sua a primeira tradução feita para qualquer idioma do poema "No Meio do Caminho", de Drummond? Quando foi que o senhor se encontrou com ele?
Rónai - Logo após a minha chegada. Nós já mantínhamos correspondência. Eu mandei a ele a antologia dos poetas e ficamos muito amigos. Ele, depois, foi padrinho de uma minhas filhas e todos os anos, no dia do aniversário dela, mandava uma poesia. Fez isso durante 25 anos. Outra grande amiga foi Cecília Meireles que frequentávamos muito.
Folha - O senhor também se correspondia com ela anteriormente?
Rónai - Também. Tinha traduzido um de seus poemas. Cecília era uma personalidade completamente irreal. Era uma mulher muito bonita, uma rara presença, ao mesmo tempo tinha alguma coisa - eu não sei - de mágico. A minha mulher, Nora, me dizia: "Preciso telefonar à Cecília" e, no mesmo instante, tocava o telefone, era Cecília que estava telefonando. Ela tinha um grande culto da beleza. Tinha uma coleção inesquecível de bonecas e ao mesmo tempo era um trabalhador literário de extraordinária honestidade e precisão. Mais tarde me aconteceu de dar trabalho a ela e ela fez questão de fazer da melhor maneira possível.
Folha - O senhor também foi um dos primeiros a escrever sobre Guimarães Rosa e depois da morte dele, tornou-se uma espécie de executor literário de Rosa, organizou boa parte do...
Rónai - Dois volumes, sim. Mas quem primeiro escreveu sobre ele, foi Álvaro Lins e não eu. Meu encontro com Guimarães foi muito interessante. Durante a guerra, tinha pedido vistos de entrada no Brasil para minha mãe e minhas irmãs. Quando acabou a guerra, fui chamado ao Itamaraty para falar com o conselheiro Guimarães. Encontrei esse conselheiro que me recebeu muito rispidamente e me mandou embora. E eu não entendi porque me chamaram. Aí alguém disse: "Você deve ter falado com o Guimarães errado. O secretário do ministro é Guimarães Rosa, que é uma pessoa muito cortês". Aí eu voltei e efetivamente fui recebido com muita cortesia. Meu pedido foi atendido, a minha família pôde entrar no Brasil. E assim tive os primeiros contatos com o Rosa, que eram meramente funcionais.
Folha - E os contatos literários como se deram?
Rónai - Ele tinha lido artigos meus e um dia me disse: "Você sabe que eu também sou escritor?" Eu não sabia. Nesses dias, saiu "Sagarana" e fiquei naturalmente surpreendido, maravilhado com esse livro. Ficamos grandes amigos. Pedi a ele que escrevesse o prefácio para a "Antologia do Conto Húngaro" e ele fez um ensaio de 24 páginas, onde fala da língua e da história húngara. Ele era um homem de muitos conhecimentos, extraordinários. Vivia completamente na literatura. Era também um funcionário modelar, tão modelar que quando ele trabalhava no Brasil, no Itamaraty, aonde ia de bonde todos os dias, muitas vezes aos sábados e domingos pegava o bonde e ia ao Itamaraty para matar as saudades. Mas ao mesmo tempo ele se identificava completamente com o que escrevia. Uma vez ele me encontra na rua e me grita: "Tenho uma boa novidade: 'Grande Sertão' vai ser traduzido para o iugoslavo". Ele sabia que era uma grande novidade também para mim. Muitas vezes, quando ia visitá-lo no Itamaraty, me mostrava o último conto. Certa vez, eu o encontrei enquanto escrevia uma carta à tradutora norte-americana. Ele me disse: "Esta senhora me pede respostas a várias centenas de perguntas. Quando escrevi esta história, se eu soubesse que iam traduzir, eu teria escrito na linguagem de todo mundo".
Folha - Alguns dos autores incluídos em sua "Antologia do Conto Húngaro" eram seus amigos. Quais foram os mais próximos?
Rónai - Antal Szerb e Ender Geléri eram meus grandes amigos. Szerb tinha uma bolsa de estudos para Londres, quando eu tinha minha bolsa para Paris. Ele, de vez em quando vinha de Londres para Paris e nós nos encontrávamos na Biblioteca Nacional e nos sentávamos um de frente ao outro, não para conversar, porque era proibido na biblioteca, mas para nos ver. Szerb pedia às vezes explicações do sentido mais profundo das coisas que traduzia para o francês. Geléri era mais moço do que eu. Traduzi contos dele para o francês e para ele era uma ajuda imensa porque tinha pessimos empregos. Levava uma vida miserável. Uma vez eu perguntei: "O que o seu emprego tem de tão ruim?" ele disse: "Você imagina, o meu deus é Leon Tolstoi, mas se eu tivesse que ficar sentado oito horas por dia em frente a Leon Tolstoi fazendo contas, eu o acabaria odiando".
Folha - O senhor vive no sítio Pois é desde 77, quando se aposentou. Como é sua vida aqui?
Rónai - Vou poucas vezes ao Rio e quando o faço, vou muito melancolicamente. Minhas filhas moram lá. Não faço outra coisa a não ser trabalhar, sempre trabalhei. Acordo muito cedo e trabalho algumas cinco, seis horas, até os olhos aguentarem. Atualmente, estou cuidando da reedição da "Comédia Humana". Gostaria de rever vários dos meus livros. Por exemplo, tenho muito material para a enciclopédia de citações, e gostaria de ver saindo a segunda edição do meu dicionário de francês. Mas coisa nova não sonho mais em fazer.
Folha - O senhor tem acompanhado as mudanças na Europa Central, sobretudo as políticas?
Rónai - Naturalmente eu acompanho. Não posso não acompanhar. Recebo muitas revistas e jornais húngaros. Acho que as mudanças, em geral, foram boas, mas os problemas econômicos são tão grandes que toda a Europa Oriental e a Hungria também estão numa situação muito difícil. Aumentou a liberdade, mas as dificuldades da vida prática também aumentaram. As grandes esperanças talvez não perdurem por causa dessas dificuldades da vida diária.
Folha - O senhor chegou a ter simpatias pelo comunismo?
Rónai - Nem tudo era ruim no comunismo húngaro. Por exemplo, a parte editorial, a de leitura, publicou-se muitos livros na Hungria, criaram-se muitas livrarias, porque também a leitura é um dos divertimentos mais baratos, cultivou-se muito. E o húngaro continua uma raça muito talentosa. Mas durante muito tempo, os defeitos do sistema eram os mesmos que o dos outros países comunistas: o autoritarismo total, a burocratização, os processos inventados etc. Isso a gente não podia estar de acordo.
Folha - O senhor, que tem uma longa carreira de professor no Brasil, acha que houve decadência do ensino brasileiro?
Rónai - Sim, sobretudo por causa do grande número. Há um número extraordinário de alunos e há poucos professores preparados. E a carreira de professor é uma das piores. É um circulo vicioso, difícil de a gente saber como melhorar. Acho uma catástrofe as muitas greves de professores que acontecem. Mas outra catástrofe é a situação dos professores. A falta de cultura geral é um sintoma grande.
Folha - O senhor acha que a cultura humanista, a cultura do livro, também vive no momento a sua decadência?
Rónai - Também. O número de leitores não aumentou. Aumentou efetivamente, mas não em números relativos. Os meios de comunicação não são necessariamente meios de transmissão de cultura. E não vejo muita tendência a se recuperar esta cultura que se está perdendo. Vejo uma tendência à uniformização. Todo mundo vê a mesma televisão, nas mesmas horas, ouve as mesmas piadas, dá as mesmas risadas e é difícil fazer alguma coisa contra isso. Esses meios de comunicação são muito poderosos. Estou pessimista em relação ao futuro do homem em geral e ao da cultura mais ainda

 

Quem são as personalidade citadas

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989).- Dicionarista, ensaísta, escritor e tradutor, Aurélio participou pela primeira vez da elaboração de um dicionário em 38, por indicações de seu amigo Manuel Bandeira. Em 75, publicou o "Novo Dicionário da Língua Portuguesa", um dos mais abrangentes registros da língua falada no Brasil e um sucesso de vendas (é o best-seller da editora Nova Fronteira). Além das traduções reunidas na coleção "Mar de Histórias", traduziu poemas em prosa de Charles Baudelaire.

Ribeiro Couto (1898-1963) - Poeta, jornalista e diplomata, Ribeiro Couto estreou na literatura com "O Jardim das Confidências" (1921). Participou da Semana de Arte Moderna declamando seus poemas. Sua poesia deriva do simbolismo, com uma forte influência de Paul Verlaine.

Cecília Meireles (1901-1964) - Poeta carioca, publicou seu primeiro livro, "Espectros", aos 18 anos. Uma de suas obras mais famosas é "Romanceiro da Inconfidência", inspirada na geração dos poetas mineiros do movimento inconfidente.

Guimarães Rosa (1908-1967) - Escritor, poeta, tradutor, ensaísta e diplomata, Guimarães Rosa escreveu, entre novelas, contos e romances, "Sagarana", "Grande Sertão: Veredas", "Corpo de Baile" e "Primeiras Estórias", obras capitas da literatura brasileira.

Astrojildo Pereira (1890-1965) - Crítico literário e militante comunista. Uma de suas principais obras é a coletânea de textos "Machado de Assis - Ensaios e Apontamentos Avulsos", recentemente reeditada pela Oficina de Livros. Foi o primeiro secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro.

Otto Maria Carpeaux (1900-1978) - O ensaísta e jornalista vienense Carpeaux imigrou para o Brasil aos 39 anos. Foi um dos críticos mais ativos e influentes da segunda metade do século no Brasil. Sua principal obra é a monumental "História da Literatura Ocidental", em oito volumes.

Gelléri Andor Endre (1908-1944) - Escritor húngaro, morreu assassinado pelos nazistas durante a 2ª Guerra. É autor, entre outros, de "Luz Amarga".

BIBLIOGRAFIA DE RÓNAI
"Balzac e A Comédia Humana" (1947), Livraria do Globo
"Escolas de Tradutores" (1952), Ed. Nova Fronteira
"Um Romance de Balzac: A Pele de Onagro" (1952), Ed. A Noite
"Como Aprendi o Português e Outras Aventuras" (1956), Instituto Nacional do Livro
"Homens Contra Babel" (1964), Zahar Editores
"Babel & Antibabel" (1970), ed. Perspectiva
"A Tradução Vivida" (1981), Nova Fronteira
"Teatro de Moliére" (1981), ed. da Universidade de Brasília
"Pois É" (1990), Nova Fronteira
"Curso Básico de Latim" (2 volumes), Cultrix
"Não Perca o Seu Latim", Nova Fronteira
"Guia Prático da Tradução Francesa", Nova Fronteira
"Dicionário Universal de Citações", Nova Fronteira
"Dicionário Francês - Português", Nova Fronteira

TRADUÇÕES
"Mémoires d'un Sergent de la Milice", de Manuel Antônio de Almeida (1944), Atlântica Editora
"Os Meninos da Russa Paulo", de Ferenc Molnár (1952, do húngaro), Edições de Ouro
"Cartas a Um Jovem Poeta", de Rainer Maria Rilke (1953, do alemão), Ed. Globo
"Amor e Psique", de Apuleio (1956, do latim, com Aurélio Buarque de Holanda), Civilização Brasileira
"Sete Lendas", de Gottfried Keller (1956, do alemão, com Aurélio Buarque de Holanda), Civilização Brasileira
"Servidão e Grandeza Militares", de Alfred de Vigny (1960, com Aurélio Buarque de Holanda). Biblioteca do Exército
"A Tragédia do Homem", de Imre Madách (1980, do húngaro, com Geir Campos), Editorial da UERJ

COLEÇÕES
"Antonio do Conto Húngaro" (1957), será reeditado pela Edusp
"Mar de Histórias Antologia do Conto Mundial" (com Aurélio Buarque de Holanda), Nova Fronteira,
"A Comédia Humana", de Honoré de Balzac (organização, introdução e notas), Ed. Globo, 17 volumes
"Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura" (1964-1974), Ed. Desta e Opera Mundi, 54 volumes.

 


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