SENADOR AFIRMA QUE ESQUERDA PROVOCOU O AI-5

Jarbas Passarinho

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 12 de dezembro de 1993

Fernando de Barros e Silva

Da Reportagem Local

O atual presidente da CPI do Orçamento, senador Jarbas Passarinho (PPR-PA), afirma que o AI-5, do qual foi um dos signatários na condição de ministro do Trabalho do governo Costa e Silva, foi "necessário". Segundo ele, o ato era a "única saída para combater a subversão de esquerda" da época.
Em entrevista à Folha, Passarinho diz que hoje as circunstâncias que provocaram o AI-5 estão superadas. O senador relata também detalhes da divisão interna das Forças Armadas durante o regime militar.

AS RAZÕES

Folha - Hoje o sr. ainda acredita que sem o AI-5 a esquerda e a guerrilha teriam tomado conta do país?
Passarinho - Muito provavelmente. O AI-5? Não foi um ato maniqueísta do mal contra o bem. Não. Continuo interpretando o AI-5 como uma resposta revolucionária aos que, para mim, sem sombra de dúvida, queriam derrubar a Revolução de 64.
Folha - O sr. continua defendendo a necessidade do AI-5?
Passarinho - Veja bem. A esquerda já falou muito sobre esse período. Só eles falaram, a única versão que veio a público é a deles. Acho que é a hora de desmistificar essa história. Veja só este livro ("A Esquerda Armada no Brasil", com vários depoimentos de líderes de esquerda). É só ler a cronologia. Foi feita por eles mesmos. Veja aqui. Em outubro de 1967, diz o livro, começam as primeiras ações armadas da guerrilha urbana em São Paulo, onde operam grupos das organizações ALN (Aliança Libertadora Nacional) e VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Em janeiro de 68, há o primeiro assalto a um banco com finalidade de expropriação financeira para a subversão. Em fevereiro, uma bomba contra o consulado norte-americano em São Paulo. A cronologia segue. Carros-bomba, assaltos, assassinatos, que eles chamam de justiçamento, do capitão do exército norte-americano Charles Chandler etc. Por aí, você vê que vivíamos uma guerra civil não-declarada. A guerrilha estava nas ruas. Não havia outra saída. Hoje as circunstâncias que levaram ao AI-5 estão superadas.
Folha - Segundo o sr., a esquerda teria então provocado o AI-5?
Passarinho - Sem dúvida nenhuma. Vou dizer uma coisa ainda mais audaciosa. A esquerda prolongou o regime de exceção no Brasil. Refiro-me a essa esquerda armada.
Folha - O estopim da crise que deflagrou o AI-5 foi um discurso do deputado Márcio Moreira Alves, em que atacava oficiais do Exército e a própria instituição. Qual o peso real desse discurso na decretação do AI-5?
Passarinho - Nós tínhamos diante dos olhos uma contra-revolução perfeitamente montada. Foi nesse quadro que surgiu esse discurso inexpressivo do Márcio Moreira Alves na Câmara, feito durante o "pinga-fogo". São os 30 minutos iniciais de toda sessão na Câmara. Ninguém liga, ninguém dá bola, aquilo não tinha a menor importância. Mas os militares não sabiam da desimportância do "pinga-fogo" e ficaram indignados com as palavras do jovem deputado.
Folha - Tempestade em copo d'água?
Passarinho - Sim e não. Por que ele dizia aquilo? A resposta está num livro que ele mesmo escreveu em 1973, já no exílio ("Um Grão de Mostarda - o Despertar da Revolução Brasileira"). Ele diz: "Todas as minhs atividades parlamentares haviam sido uma longa e concatenada provocação (...) As ligações que tínhamos com os movimentos de esquerda eram as mais diversas, mas ligavá-nos um ódio comum ao regime e ao papel de bobo da corte que nos havia sido reservado (...). Sentíamos que um confronto armado acabaria por ser imposto aos que desejassem mudar as estruturas sociais do Brasil (...) Daí a necessidade de destruir as estruturas legais utilizadas pelo regime (...). A violência é uma escolha que fazemos quando todas as outras desaparecem". Está dito por ele, o Márcio Moreira Alves. Você vê como eu tinha razão.

OS BASTIDORES

Folha - O AI-5, segundo historiadores, foi também uma medida para resolver a disputa interna de poder no meio militar. O sr. concorda?
Passarinho - Não. Eu não colocaria o AI-5 nisso. A sucessão do Castello sim, foi uma luta de dois grupos. Mas há histórias que muita gente não sabe. Ainda me lembro de uma ocasião, quando houve um início de insubordinação entre os oficiais da Vila Militar, lá no Rio, durante o governo Castello. O Costa e Silva, fiel a Castello, foi enfrentar o pessoal da Vila. O Andreazza me contou que chegou ao local e viu o Costa pondo as seis balas no revólver dele para segurar o pessoal da Vila. Tudo acabou bem, mas o Costa foi acusado injustamente de ter insuflado aquilo contra o Castello para se colocar como seu sucessor. A partir daí foi aparecendo a luta entre os castellistas e o pessoal do Costa.
Folha - Qual o papel do general Golbery do Couto e Silva nessa disputa interna?
Passarinho - É enorme. O Médici não suportava o Golbery. Quando o Médici assumiu o SNI, no governo Costa e Silva, o Golbery, que era o chefe do SNI no governo Castello, não passou o serviço, omitiu tudo. O Médici chega no SNI e tudo que encontra é uma chave, as gavetas vazias e uma secretária, a dona Lourdes, que depois trabalhou comigo no Ministério do Trabalho. Isso deixou o Médici louco da vida.
Folha - O sr. presenciou alguma briga entre Costa e Silva e Castello Branco?
Passarinho - Não, o Castello era amigo do Costa. Mas ele receava que a dona Yolanda, mulher do Costa, fosse exercer uma influência negativa sobre o marido no governo. O Castello tinha lá suas razões.
Folha - Quais razões?
Passarinho - Ela era muito atuante, sempre procurava intervir. Não sei se você sabe, mas ela só me cumprimentava assim, com a pontinha da mão. Ela não gostava muito de mim, não.
Folha - Por quê?
Passarinho - Um dia eu mandei chamar um sobrinho do Costa, que era médico e havia sido nomeado para coordenador do Inamps. Tomei conhecimento que o camarada, que era anestesiologista, começou a fazer fortuna. Só a equipe de anestesia dele é que funcionava. Mandei apurar, verifiquei que era verdade e chamei. Como é que você justifica essa subida exponencial no seu patrimônio? Ele veio com histórias e eu disse o seguinte: eu só devo uma lealdade ao presidente, que é ser ministro dele. Você deve duas, a lealdade do sangue e a lealdade da função de confiança. Você não honra nen uma nem a outra. Pode escolher, ou você se demite ou eu demito você. Ele disse que era sobrinho do Costa e eu falei: olha aqui, quem pediu para pôr você nesse cargo nem foi o presidente, foi a dona Yolanda. Demiti o sujeito. Passados uns dias, me telefona a dona Yolanda. Com a voz dura disse a mim: fiquei sabendo que o fulano de tal foi vítima de uma arbitrariedade. Eu respondi: dona Yolanda, não houve arbitrariedade nenhuma, eu demiti porque ele traiu o presidente. Ela então bateu o telefone na minha cara.

O DIA 13

Folha - No livro do Zuenir Ventura, "1968, O Ano Que Não Terminou", há uma frase que o sr. teria dito durante a reunião do Conselho de Segurança Nacional, mandando "às favas todos os escrúpulos de consciência" já que era inevitável "enveredar pelo caminho da ditadura".
Passarinho - Essa é minha frase final, que está gravada na fita que registrou a reunião. Ela saiu fora de contexto no livro. Eu queria que essa fita, com a gravação da reunião, viesse a público hoje. Seria muito bom que a fita aparecesse. Eu falei em ditadura e o Pedro Aleixo falou em ditadura. Os outros foram dizendo só "sim, sim, sim" ao presidente.

O ANO DE 69

Folha - O sr. era muito ligado ao Costa e Silva. O que ele lhe falava reservadamente sobre o AI-5?
Passarinho - "Eu marcho sobre baionetas", ele me dizia sempre essa frase. Numa ocasião, eu disse num programa de televisão que o poder incontrastável deve ser o poder civil, ao qual todos os outros se subordinam. O Costa me chamou e disse: "Olha Passarinho, eu penso como você, mas não diga isso porque os generais não aceitam que você, um coronel, diga coisas assim". Ele queria acabar com o AI-5 ainda em 69.
Folha - Por que não conseguiu?
Passarinho - Ele me chamou em meados de 69 no Alvorada. Quando entramos na biblioteca, ele disse: "Passarinho, basta de AI-5, chega de cassações." Disse a mim que já havia providenciado ao Pedro Aleixo e outros juristas uma nova Constituição e que precisava de mim como líder do governo no Congresso, em substituição ao Daniel Krieger. Ele queria que eu articulasse a sucessão dele. A doença em agosto e a morte do Costa interromperam esse projeto.

CORRUPÇÃO

Folha - O regime conseguiu destruir a guerrilha. Mas, desde 64, os militares se propunham também combater a corrupção. Esse projeto foi bem sucedido?
Passarinho - Foi até um determinado momento. No governo Médici você teve o caso do Leon Perez, governador do Paraná demitido pelo AI-5 por corrupção. Um grupo do SNI gravou uma conversa entre ele e esse Cecílio Almeida, combinando uma propina na praia. Demitimos e ninguém mais fala nele. Agora, corrupção eu não vou dizer que não havia. A corrupção nasceu com Adão, implementou-se com Eva e só termina quando o último homem sair da face da terra.
Folha - O sr. já criticou os ministros que se disseram arrependidos pelo fato de ter assinado o AI-5. O sr. continua pensando assim?
Passarinho - Não mudo. As madalenas arrependidas participaram daquilo tudo, como dona Marinalva (ex-mulher do deputado Manoel Moreira). Ela se serviu daquilo tudo, das ilhas gregas e não sei o que mais. Tudo era ótimo, subitamente não presta mais e agora ela é puritana, o marido é que não presta. Isso não faço.
(Fernando de Barros e Silva)

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