Pepe
Escobar
Nelson Ascher
O
simpático húngaro István Mészáros,
53 anos, ensaísta e professor de filosofia na Universidade
de Sussex, Inglaterra, é um praticante do ceticismo com exercício
de desfascinação. Seu objetivo é saber desmontar
o mecanismo de tudo, pois tudo é mecanismo, conjunto de artifícios,
truques, operações. Trabalhar como relojoeiro, ver
dentro, deixar de estar enganado, isto é o que conta a seus
olhos. Mészáros está interessado no despedaçamento
intelectual do objeto do pensamento. A dissecação
pode ser amarga ou regojizada. O principal é esta tarefa
de desmistificação.
Mészáros esteve cerca de duas semanas no Brasil para
uma série de palestras. Participou do "1° Seminário
de Filosofia no Nordeste", sob o tema "Marx - Uma Avaliação
Contemporânea". Em João Pessoa foi uma loucura:
Mészáros ficou uma hora e meia no ar, em rádio,
discutindo Marx, com tradução simultânea. Mas
seu assunto não é apenas filosofia e análise
do marxismo. Mészáros, antes de sair da Hungria em
56, por causa da invasão dos camaradas da URSS, e se exilar
na Itália e depois Inglaterra, já havia publicado
dois livros: "Sátira e Realidade" e um ensaio sobre
o poeta Attila Jozsef. E mais: foi íntimo colaborador e amigo
de Georg Lukács - o homem que fez um raio-X da cabeça
de Marx.
Nesta entrevista exclusiva concedida por Mészáros
à "Folha", há portanto dois assuntos
predominantes: seu envolvimento direto com Lukács - incluindo
ecos das polêmicas estético-políticos que envolveram
Brecht e a Escola de Frankfurt, e Atila Joszef. Este é sem
dúvida um dos maiores poetas do século. Suicidou-se
em novembro de 37, aos anos 32 anos, jogando-se sob um trem. Influenciado
por Villon, Baudelaire e Whitman, construiu um estilo autônomo
e progressivo, paralelo a uma vida de militância e clandestinidade.
Joszef foi incapaz de suportar o mundo, como Kleist; incapaz de
suportar a obscuridade, como Rimbaud; incapaz de suportar o fascismo,
como Benjamim. É imperdoável o fato de não
ter sido editado no Brasil.
Nelson Ascher é um dos raríssimos conhecedores brasileiros
de Jozsef, do qual já publicou ensaios e traduções
de poemas. Atualmente trabalha em uma dissertação
de mestrado sobre o poeta. Nada mais natural que também participasse
desta entrevista.
Folha Quem foi Attila Jozsef? Qual era sua verdadeira
posição política? Ele era um social-democrata?
Ou simpatizava com a esquerda na URSS?
István Mészáros Foi um grande poeta
enquanto viveu. De 1902 a 1937, ano do seu suicídio, foi
um dos maiores poetas da época. Sempre uma figura controversa
- expulso da Universidade, excluído dos círculos oficiais
do Partido. É difícil no seu caso separar a lenda
dos fatos. Nos anos 20, quando estava na Hungria e Arthur Koestler
em Viena, promoveram uma íntima associação.
Foi expulso da Universidade por subversão, como Sócrates.
Representava os valores da juventude e da arrogância, em luta
contra as moralidades tradicionais. Sobre sua expulsão da
Universidade, compôs estas linhas (jogo de palavras em húngaro,
traduzido por Nelson Ascher): "Pois ensinando a toda gente/
fora da escola, certamente/ venci no / ensino".
Depois dessa época, Jozsef passou algum tempo em Viena, onde
conheceu Koestler. Também conheceu Lukács. Este foi
o primeiro a elogiá-lo, recomendando sua poesia já
nos anos 20. Jozsef sempre foi muito ligado a Lukács.
Folha Jozsef estava trabalhando a poesia na linha
da Lukács em "História e Consciência de
Classe?
Mészáros Lukács, como sempre, enfrentava
problemas dentro do partido - dominado pela linha de Bela Kun, stalinista.
Há mitologias contraditórias a respeito. Os escritores
dentro da Hungria próximos ao partido representavam uma vertente
literária de segunda categoria. Jozsef estava contra isso,
pensava por si próprio. Era a perfeita unidade entre a paixão
e um homem de intelecto.
Folha Os poetas mais transgressivos geralmente expressam
pontos de vista revolucionários?
Mészáros Jozsef, além de grande
poeta, era um revolucionário pensador político. Neste
sentido, pode-se dizer que é quase único na literatura
do século 20.
Folha O conceito de Lukács no Brasil é muito
baixo. Ele é visto no máximo como um humanista tedioso,
enquanto Brecht é o intelectual revolucionário e figura
de culto. Existe também uma tentativa de se reduzir Brecht
à "literatura de vanguarda".
Mészáros Alguns dos maiores ensaios de
Lukács são sobre poetas - O "Fausto" de
Goethe, por exemplo. No século 20, ele escreveu sobre Jozsef
- que recusou a sua fase parisiense de vanguarda. Mas seu principal
interesse era drama e romance. O ensaio sobre Kafka foi um de seus
últimos trabalhos. Ele não queria trabalhar em particulares.
Seu interesse era como uma obra podia ser inserida na conformação
geral da cultura.
"Não se pode desmerecer Lessing porque ele não
foi Hegel". Hegel escreveu um enorme volume sobre fenômenos
artísticos e literários. Nem uma palavra sobre uma
obra em particular. Lukács não podia se concentrar
em uma obra determinada: colocava-a em um contexto mais amplo. Em
termos de estudo de filosofia, seu ensaio sobre Kafka é incomparável.
A contraposição com Thomas Mann é outra coisa.
Folha Como foi seu relacionamento pessoal com Lukács?
Mészáros Trabalhamos juntos muitos anos,
de 49 a 56. Em uma longa entrevista que será publicada na
revista "Escrita", conto vários detalhes. Um dia
ele me deu suas velhas cópias das obras de Brecht. Disse
que na sua última visita à Alemanha, Brecht lhe havia
oferecido uma edição de suas obras completas, com
dedicatória. As esposas de Brecht e Lukács também
se davam muito bem. As diferenças no passado haviam sido
fundamentalmente estéticas, ligadas ao tema da agitação
política direta. Lukács acreditava que o trabalho
literário era uma forma de atividade mediada, no que discordava
totalmente de Brecht. Para Lukács, "a literatura só
pode ser uma tendência". Ele era contra a versificação
de slogans políticos. Em relação a Brecht,
seus julgamentos estéticos eram bastante razoáveis.
Lukács era muito menos obstinado do que Brecht.
Folha Pode-se dizer que existe uma "Escola de Budapest"
no pensamento moderno, com a inclusão, entre outros, de Agnes
Heller e François Fejto?
Mészáros Eu não acredito em escolas.
Elas geralmente são mitologias posteriores. Há uma
ótima definição de escola de Frankfurt: "Um
mercador de grãos no seu leito de morte, sentindo-se extremamente
culpado, lega sua fortuna para uma instituição analisar
as razões do sofrimento e da exploração na
humanidade, ou seja, ele mesmo". Hoje, no Ocidente, Benjamin
é o mais cotado. Ele era o maior amigo de Brecht. Marcuse
nunca se identificou realmente com qualquer tipo de escola. E a
afinidade de pensamento entre Adorno e Horkheimer foi apenas no
início. Uma vez Marcuse disse para um amigo meu - o historiador
Hauser -, em uma conferência: "Adorno é muito
profundo para mim". Toda esta mitologia é desnecessária.
Walter Benjamin deve ser julgado pelos seus escritos, não
por suas associações.
Adorno elogiava Lukács até este cometer o incomensurável
horror de publicar suas obras na Alemanha Ocidental. Mas ele não
podia mais ser publicado no Leste. Adorno usou Lukács em
interesse próprio. Benjamin foi muito influenciado por Lukács
- até o fim da vida. Estes são exemplos de desmistificação.
Benjamin também se afeiçoava a Adorno. Seu suicídio
sem dúvida tem a ver com a maneira pela qual foi tratado
por esta entidade, a Escola de Frankfurt.
Folha Como vê a cultura atualmente no Leste europeu,
e quais são seus próximos projetos?
Mészáros Não
consigo encontrar alguma coisa de interesse na produção
cultural atual do Leste europeu. Sei que os intelectuais húngaros
têm maior margem de manobra do que seus colegas de países
vizinhos. Acompanho alguns filmes e ouço sempre falar de
uma forte tradição teatral. Agora, estou trabalhando
em conceitos para a teoria da transição - as relações
Leste-Oeste e a superação da atual crise econômica
e política. No próximo ano, será publicado
"Ideologia e Ciência Social". também escrevi
um livro sobre Sartre. Sua poesia está nos seus escritos
filosóficos. É algo que infelizmente não se
encontra todo dia.
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