JORGE
AMADO
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Publicado
na Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 6 de julho
de 1991.
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O autor de "Gabriela" fala sobre os dois livros que está escrevendo
e recorda seu tempo de militante comunista
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Marilene
Felinto Da
equipe de articulistas
Alcino Leite Neto Editor
de Letras
Em
1992, o escritor Jorge Amado completa 80 anos. "Espero estar vivo,
porque quero receber João Ubaldo Ribeiro na Academia Brasileira",
ele brinca. Enquanto João Ubaldo não chega, é Dias Gomes que o
escritor vai saudar no próximo dia 16, quando o dramaturgo e telenovelista
toma posse entre os acadêmicos. Jorge Amado prefere não divulgar
seu discurso, mas trata-se de uma profissão-de-fé socialista,
feita por este que é um dos mais célebres comunistas do país e
o escritor brasileiro mais conhecido internacionalmente. Todas
as suas preocupações parecem voltar-se atualmente para aí: o futuro
do socialismo. Também sua memória parece ocupada com as recordações
dos tempos heróicos do comunismo no Brasil. Na entrevista a seguir
à Folha, é principalmente destes tempos que o ex-militante Jorge
Amado fala. Mas também conta sobre os livros que está escrevendo,
suas aventuras no cinema e um de seus maiores amigos, Graciliano
Ramos.
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Folha O que o sr. está escrevendo no momento?
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Jorge
Amado Posso te adiantar que comecei um livro que
espero publicar no ano que vem. É um livro não de memórias, mas
um livro de notas de memórias que eu não escreverei jamais. Vai
se chamar "Navegação de Cabotagem".
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Folha Qual a primeira "nota" deste livro?
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Amado
A primeira nota é uma conversa com o escritor Ilya
Erenburg, na dacha dele, em Nova Jerusalém, no interior da Rússia.
No inverno, em que ele me dizia: "Jorge, nós somos escritores sem
memória. Nunca poderemos escrever livros de memória, porque as coisas
que nós sabemos não podemos contar". Mas quando veio Khruschev e
aquela primeira abertura, ele escreveu sete livros de memórias.
E vou contar... vivi, por exemplo, uma vida de partido longa, onde
uma série de circunstâncias me fizeram tomar conhecimento de coisas
porque eu merecia a confiança do partido. Mas não me acho no direito
de sair hoje contando o que aconteceu... Ao mesmo tempo, estou escrevendo
um romance chamado "Boris, o Vermelho".
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Folha É o mesmo livro que o sr. dizia estar fazendo em 84?
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Amado
É. Tentei escrever o desgraçado deste livro pela primeira
vez em 83. Mas ele não estava maduro na minha cabeça. Voltei a tentar
mais duas vezes. Estou fazendo a quarta tentativa.
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Folha O que é que está impedindo o sr. de terminar?
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Amado
É o seguinte: este livro tem uma data que é o
ano de 1970. Qual é o meu projeto? É uma coisa que eu vivi muito,
não por mim mas por meus filhos, que foi o tempo dos hippies, o
tempo em que Arembepe, na Bahia, era a capital dos hippies da América
Latina. Pensei em fazer um retrato de um jovem brasileiro naquela
época. Só e exclusivamente um jovem brasileiro, sem nenhuma idéia
política na cabeça, e que as circunstâncias da vida nacional levam
a fazer uma série de coisas que eu ainda não sei quais serão.
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Folha De onde vem o nome "Boris, o Vermelho"?
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Amado
Tudo o que por enquanto sei da história, é que
a mãe dele é uma costureira de famílias ricas, que lê aqueles folhetins
e se apaixona pela vida na corte imperial dos czares e põe nele
o nome de Boris. E o vermelho porque ele é mulato sarará. Quando
acontecem as coisas que eu não sei ainda quais são, um general diz:
"Boris, o Vermelho o nome diz tudo". Então, ele é vítima
deste nome. Toda vez que eu tentei fazer este livro, a não ser esta
última, a tendência era contar o processo da ditadura. Hoje isto
não tem interesse de jeito nenhum. Então, eu quero fazer um pequeno
livro que seja o perfil de um jovem e sobre a incongruência das
coisas em que ele se vê de repente metido, como bandido e herói.
Na minha concepção, tem um pouco a ver com o mundo atual que vivemos
após a queda do muro de Berlim. Tenho 25 páginas de um livro que
imagino deva ter cem páginas.
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Folha O sr. esteve em Moscou recentemente? O que achou das
reformas?
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Amado
Estive em Moscou pela última vez em 1989. Vi duas
coisas terríveis. Uma, que podia haver uma volta para trás. Outra,
que poderia haver uma guerra civil. Tive um trauma com isto. Minha
pálpebra do olho esquerdo caiu. Voltei de Moscou correndo porque
estava certo que tinha um tumor no cérebro. E aí vi que não era
nada disso. Vi que era a União Soviética, o Muro de Berlim, aquilo
tudo caindo na minha cabeça.
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Folha Ao contrário do personagem de seu próximo livro, Boris,
o sr. se envolveu voluntariamente na militância comunista e chegou
mesmo a participar da Constituinte de 1946, eleito pelo PCB...
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Amado
Em realidade, nós não fomos eleitos para uma Assembléia
Constituinte. Foi eleito um Senado e uma Câmara de deputados. Quando
em janeiro nos reunimos para tomar posse, resolveu-se transformar
deputados e senadores em constituintes. O partido tinha feito 16
deputados. O único senador era o Luís Carlos Prestes.
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Folha O sr. se adaptou bem ao Congresso?
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Amado
Eu fui deputado contra a minha vontade, porque
nunca tive vocação parlamentar. O partido me colocou na lista porque
eu já era conhecido e iria trazer votos. Aceitei com a condição
de que não exerceria, que renunciaria.
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Folha E o partido aceitou?
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Amado
Eu me lembro que houve uma reunião no Rio e me
esculhambaram muito porque diziam que militante não tinha direito
de fazer exigência... Mas Prestes interveio e então eles aceitaram.
Eu fui eleito e, quando terminou, escrevi minha carta de renúncia.
Eu e Zélia, que estávamos juntos desde o meio do ano, viajamos em
lua-de-mel. Fomos ao Rio Grande do Sul, a Montevidéu e íamos a Buenos
Aires. Quando estava em Montevidéu, em dezembro de 1945, recebi
um telegrama de Prestes, pedindo que eu voltasse imediatamente.
Voltamos, e Prestes mais a direção do partido pediram que eu assumisse
em 3 de janeiro.
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Folha Houve algum atrito?
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Amado
Eu aleguei que havia um compromisso e eles me
disseram: "Você teve uma votação grande em São Paulo, e uma votação
não-comunista grande pelo fato de ser escritor, e para o partido
vai ficar muito feio se você não assumir, vão dizer que foi exploração
de seu nome". Finalmente ficou acordado que eu assumiria por três
meses. Quando entrei, passei a exercer um papel de certa importância
em relação à bancada, porque eu me dava com todo mundo. Essa Assembléia
Constituinte de 1946 tinha uns 20 escritores, eleitos pelos diversos
partidos e Estados.
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Folha Na Constituinte, o sr. se empenhou numa lei que garante
a liberdade de culto, não foi?
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Amado
Sim. Foi um dos parágrafos de minha autoria. Resolvi
fazê-lo porque a perseguição religiosa no Brasil era brava. Hoje,
ser de outra religião que não a católica é um negócio ótimo, você
até pode ser proprietário de rede de televisão... Eu me lembro que,
numa viagem que fiz ao Ceará, o que vi de igreja protestante incendiada
era uma coisa séria. Se você falava então em candomblé, religião
de origem africana no Brasil, era uma porrada grossa, prisão.
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Folha O sr. chegou a militar com Oswald de Andrade?
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Amado
O Oswald de Andrade estava brigado com o partido
na época da eleição. Ele tinha brigado comigo, inclusive.
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Folha Brigaram por quê?
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Amado
Oswald tinha entrado no partido, o que foi um
absurdo. Quando ele entrou, eu lhe disse: "Estás fazendo uma tolice".
A disciplina do partido era muito dura naquela ocasião e eu disse
que seria difícil ele aguentar. Quando houve as eleições, o Oswald
queria ser candidato. Lutei muito para que isto acontecesse, mas
a direção do partido não o colocou na lista. Fomos escolhidos eu,
Caio Prado Jr., que não ganhou, e José Geraldo Vieira, que era "soi
disant" católico. O partido explorava muito o fato de ele, católico,
ser membro. Também não ganhou. Monteiro Lobato foi candidato e deixou
que usassem o seu nome até certo momento. Um pouco antes da eleição,
retirou sua candidatura. O Oswald, então, por intrigas de outras
pessoas, achou que eu tinha impedido que ele fosse candidato. Mas
foi o contrário.
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Folha O sr. escreveu alguma coisa nesta época?
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Amado
Escrevi "Seara Vermelha". Foi o
único livro que estava pronto na minha cabeça. Escrevia pela manhã.
Morava numa pequena chácara no Estado do Rio, não vivia na capital.
Fazia todos os dias uma hora de viagem para ir, uma hora para voltar.
Não sei se no meu tempo de deputado eu faltei a dez sessões. Naquele
tempo, nós ganhavamos nove mil cruzeiros - seis mil de ordenado
e cem cruzeiros por sessão. Se você não ia, descontavam. E eu pagava
casa, comida, tudo, tudo. Não tinha mordomia de espécie alguma.
Além disso, o partido tomava meu dinheiro todo. Como o partido considerava
que eu tinha do que viver, pois era escritor, tinha direitos e tal,
me tomava os nove mil cruzeiros menos dois, me tomava sete mil.
Com os dois que me sobravam, eu pagava a condução.
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Folha E o sr. realmente tinha dinheiro?
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Amado
Não tinha e foi a única em minha vida que eu fiquei
devendo a editor. Quando fomos expulsos do Congresso em janeiro
de 48, eu devia ao Martins, que foi meu editor por 30 anos, 90 mil
cruzeiros. Ele tinha me financiado, todo mês me pagava. Mas como
eu só fiz o "Seara Vermelha", só tive direitos deste livro. Eu paguei
a ele antes de viajar para a Europa, no fim de janeiro. O partido
me mandou para a França, porque se esperava uma perseguição muito
grande e tal. Fiquei em Paris até 1950, quando fui expulso da França.
Depois, fui para Praga.
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Folha Qual foi o motivo de sua expulsão da França?
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Amado
Não foi só eu. Também Neruda, Carlos Scliar, o
pintor... Eu era um representante do partido e atuava em duas frentes.
Sobretudo fui um dos dirigentes mundiais do Movimento dos Partidários
da paz, que era um instrumento da União Soviética na Guerra Fria.
O motivo da expulsão foi minha atuação política. Nessa época não
escrevia. Sempre estava lutando para voltar a escrever. Mas o partido
ia adiando, adiando. Eu era um elemento disciplinado, sentia que
minha atuação tinha algum valor. Quando eu voltei ao Brasil em 1952,
comecei a pressionar o partido.
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Folha Pressionar como?
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Amado
Dizia: "Quero voltar a ser escritor etc." Eles
sempre respondiam: "Você espera um pouco". Eu sou incapaz de fazer
duas coisas ao mesmo tempo. Além de gostar de uma mulher e escrever,
uma terceira coisa eu não consigo, não consegui nunca em minha vida,
compreende? Eu devo ser muito limitado em todas as coisas. Para
fazer uma coisa que não me diverte tenho que fazer um esforço muito
grande. De forma que só em 1952 eu comecei arranjar de escrever
e fiz um imenso romance, "Os Subterrâneos da Liberdade", diretamente
influenciado pela minha atividade política.
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Folha Foi depois de sua volta que o sr. trabalhou para o
cinema no Brasil?
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Amado
Não, foi antes de eu ir para a França. Como eu
contei, estava devendo para o Martins. O partido me disse: "Você
vai para a França". Mas não me deu um tostão. Tive que me virar.
Fiz de tudo. Eu sempre tive uma ligação muito grande com o pessoal
de cinema. Escrevi muito diálogo para chanchadas. Nunca assinei.
Fiz os diálogos para um filme sobre Castro Alves com roteiro de
Joracy Camargo e dirigido por Leitão de Barros. Fiz o argumento
de um filme chamado "Estrela da Manhã", que tinha o Dorival Caymmi
fazendo um pescador.
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Folha O sr. chegou também a trabalhar como ator?
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Amado
Uma única vez. Foi num documentário de 1937 sobre
Itapuã, feito pelo Ruy Santos. Naquele tempo, você ia a Itapuã de
barco, não havia estrada. Era realmente uma povoação de pescadores.
Creio que se chamava "Itapuã". Fiz o argumento do filme. Tem uma
cena em que o Ruy filma um pescador puxando um jumento. Este pescador
sou eu. Minha relação com o cinema vem desde 1933, quando a Carmen
Santos quis filmar "Cacau" e eu fiquei amigo do pessoal de cinema.
Mais tarde, ela quis filmar meu livro sobre Castro Alves com o menino
do "Limite".
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Folha O Mário Peixoto?
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Amado
Ele. Trabalhamos juntos, pusemos o roteiro de
pé, tudo isso.
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Folha Como foi esse trabalho?
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Amado
A Carmem me chamou, me pagou um dinheiro. Já era
o começo do meu mandato de deputado e todo dinheiro era útil. Nós
fizemos o roteiro, mas a Carmen não levou adiante. Eu conheci muito
pouco o Mário Peixoto. Trabalhamos bem. Era um homem muito gentil,
muito educado, muito fino. Muitos anos depois eu pude ser útil a
ele para a publicação de seu romance. Mário começou como romancista.
Quando voltou a escrever, falou comigo e eu falei com o Alfredo
Machado (editor da Record), que publicou seu livro "O Inútil de
Cada Um". Era um homem encantador.
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Folha Você conheceu Graciliano através da militância?
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Amado
Não. Eu o conheci em 1933. Ele tinha sido prefeito
de uma cidade chamada Palmeira dos Índios e escreveu uma coisa que
ficou muito célebre, um relatório de prefeito que tinha esta frase:
"Enterrei cem mil réis no cemitério". O José Américo de Almeida
foi quem trouxe este relatório para o Rio, eu acho. O José Américo
foi um homem muito importante no Brasil, infelizmente esquecido,
uma espécie de vice-rei do Nordeste após a revolução de 30.
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Folha O relatório então tornou Graciliano conhecido no Rio...
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Amado
Sim. O poeta Augusto Frederico Schmidt, chamado
gordinho sinistro, dono de uma editora de importância fundamental,
ao saber que ele tinha um romance pronto mandou um telegrama para
Graciliano pedindo o livro. Depois mudaram a história. Disseram
que quando o Schmidt soube do tal relatório teria dito: "Este homem
deve ter um romance". É mentira. Ele soube da existência do romance
no mesmo momento que eu soube por José Américo. Levou dois anos
e tanto para publicar. E publicou porque eu, Santa Rosa, e Alberto
Guimarães lutamos tanto, que o "Caetés" é dedicado a nós. O Schmidt
era apoiado financeiramente por alguns homens importantes: Tristão
de Ataíde, que era um homem rico, Hamilton Nogueira, Tristão da
Cunha... Eu era estudante de direito no Rio, vagabundo, e sub-literato.
Então, um dia na gaveta do Schmidt eu vejo os originais de "Caetés",
em 32. E me apaixonei pelo livro, gosto até hoje.
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Folha Você chegou a escrever sobre "Caetés"?
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Amado
Não, foi muito mais importante: eu peguei um navio,
em 33 e fui para Maceió, onde ele estava morando. Naquele momento
Maceió era um centro literário importante. Estavam José Lins do
Rego, paraibano, Rachel de Queirós, que era cearense, Santa Rosa,
muito esquecido hoje, um grande desenhista e ilustrador, que fez
a revolução das capas dos livros. Morava aí o Aurélio Buarque de
Hollanda, que era um rapaz bonito. Mas não fui lá para vê-los. Fui
para ver Graciliano. E ficamos amigos. Nos encontramos pela primeira
vez em um café. Graciliano sempre tomava café numa xícara grande,
enquanto os outros usavam a pequena.
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Folha A sua amizade com Graciliano terá influenciado no fato
de ele se aproximar do partido?
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Amado
Absolutamente. Depois deste encontro só revi Graciliano
quando ele saiu da cadeia, em 1946. Porque veio o negócio de 1935
e ele foi denunciado por inimigos políticos como comunista. Ele
nem era comunista ainda. Eu estive preso nesta ocasião, mas nunca
coincidiu estarmos na mesma prisão. Eu estive preso em 1936 na Polícia
Central do Rio quase três meses e Graciliano estava na Casa de Correção.
O Rubem Braga tinha conseguido fugir. O Moacyr Werneck de Castro
também escapou. Mas eu tinha um pijama de listas que tinha levado
para a cadeia. Quando saí, estava preso um rapaz, Isnard Teixeira,
que agora figurou muito nos jornais num Congresso do PCB, um ortodoxo,
e dei a ele o meu pijama. O rapaz foi para a Casa de Correção e
correu a notícia que eu estava lá, por causa do pijama. Dizem que
Graciliano foi ver. Fomos amigos fraternos a vida toda. Eu vi Graciliano
morrer. Foi na mesma época em que me mandaram vir às pressas do
Chile, onde estava para um congresso de cultura, porque tinha morrido
Stalin. O partido ia mandar uma delegação a Moscou para o enterro
mas não deu tempo, porque enterraram Stalin rapidamente para evitar...
Quando eu vim, Graciliano estava morrendo. Foi um amigo muito querido.
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Folha O que você tem lido ultimamente?
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Amado
Atualmente eu releio mais do que leio, porque
é natural. Quando a gente chega em certa idade, você tem o desejo
de reler livros que te disseram alguma coisa. E, por outro lado,
o tempo de leitura diminuiu muito. Hoje sou um homem muito mais
ocupado do que era antes.
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Folha Quem você relê?
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Amado
Mark Twain eu releio todo o tempo. Releio Charles
Dickens, Maupassant, Zola, Gógol, Rabelais, Cervantes. Não estou
dizendo para ser pretensioso, mas porque são coisas que me tocaram,
a quem eu devo alguma coisa como romancista. Tem literatura demais
no mundo. Eu passo a maior parte do meu tempo na Europa e de repente
você descobre que há escritores da maior importância que nem sabia
que existia.
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Folha Você acompanha a produção literária brasileira atual?
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Amado
Não me aflijo para ler imediatamente. Porque às
vezes eu leio e não é bom. Posso dizer que busco acompanhar, porque
a literatura brasileira me interessa acima de qualquer outra. Mas
não é fácil porque há muita coisa. Eu ficou esperando. Quando a
coisa se assenta mesmo, aí eu leio. Algo que eu acho muito positivo,
primeiro, é o fato de que uma literatura, para que ela se afirme,
tem que ter um grande número de autores. Segundo, é esta tendência
à profissionalização, que parece que se acentua no Brasil. Houve
um tempo em que os dois escritores que viviam disso no Brasil eram
só eu e o Érico Veríssimo. Érico, por sinal, está muito esquecido.
É uma grande pena. Quando você morre em um país sem memória, imediatamente
eles te esquecem. Quando eu morrer, vou passar uns 20 anos esquecido.
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