DÉCIO
DE ALMEIDA PRADO
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Publicado
na Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 25 de maio
de 1991.
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O crítico de teatro e ensaísta fala sobre a época áurea da dramaturgia
brasileira e conta se organizou o grupo "Clima"
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Nelson
de Sá (Da
Reportagem Local)
Alcino Leite Neto (Editor
de Letras)
Décio
de Almeida Prado, ele mesmo diz, foi um privilegiado. Assistiu
e viveu a fase maior do teatro brasileiro. Crítico de 1940 a 44
na revista "Clima" e de 1946 a 68 no jornal "O Estado de S. Paulo",
ele viu tudo. Desde a revolução com "Vestido de Noive", de Nelson
Rodrigues, dirigida por Ziembinsky, até o último suspiro com "O
Rei da Vela", de Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez
Correa. O crítico fazia parte de um grupo de intelectuais que
Oswald de Andrade chamava de "chato boys". Na verdade era uma
"turma divertida", para Décio. Quase todos críticos e jovens,
nos anos 40 e 50, essa "turma" incluía Antonio Candido (literatura)
e Paulo Emilio Salles Gomes (cinema). Eram amigos, alguns de ginásio,
outros de escola de Filosofia, que segundo Décio ajudaram a integrar
universidade e produção cultural. Daí os "chato boys" de Oswald.
Nascido em São Paulo há 73 anos, Décio já está há mais de 20 fora
da crítica. Nesse tempo cuidou de livros e aulas, e de ir ao Morumbi
assistir o São Paulo. Não se anima mais a sair para uma peça de
teatro, a não ser em casos raros. Não gostou de Gerald Thomas.
Prefere ficar lendo em casa, por "hábito". Está preparando uma
história do teatro brasileiro, dos primórdios até 1908. A parte
relativa aos três primeiros séculos já está pronta e deve ser
lançada ainda este ano, numa coletânea de estudos a ser publicada
pelo Memorial da América Latina.
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Folha O sr. não tem vontade de voltar à crítica?
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Décio
de Almeida Prado Eu me dediquei à crítica por
22 anos. É um tempo suficiente. Escrevi num período feliz, que é
o do TBC, do Arena, do Oficina. Continuo com o mesmo entusiasmo,
mas já me desligando progressivamente do teatro atual e me dedicando
ao dos séculos anteriores.
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Folha O que aconteceu que, de repente, o teatro brasileiro
começou a existir na década de 40?
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Décio
Foi influência do modernismo, com algum atraso. Na
poesia o modernismo entra na década de 20. No romance entra um pouco
na década de 20, mas sobretudo na década de 30. No teatro o modernismo
só vai entrar com Nelson Rodrigues, com "Vestido de Noiva", que
é de 43. São 20 anos de atraso em relação à Semana de Arte Moderna.
Para isso foi muito importante a presença dos encenadores italianos,
trazidos pelo TBC. Teatro tem o lado técnico, como a música. Um
poeta pode se formar lendo poesias. O teatro precisa de técnica
de palco.
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Folha A carpintaria.
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Décio
É. Na construção da peça e também ao passar a peça
para o palco. Eu fiz teatro como diretor amador. Eu sabia vagamente
o que queria, mas não tinha os recursos para chegar lá. Aí vieram
o Ziembinsky e os diretores italianos, como o Adolfo Celi.
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Folha O que o Ziembinsky trouxe?
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Décio
Ele trouxe o que foi chamado, na época, de expressionismo.
Chegou com mais de dez anos de teatro profissional nas costas. Como
o teatro da Polônia estava entre o alemão e o russo, e como nesses
dois houve uma influência forte do expressionismo, nós deduzimos
que o teatro dele era expressionista. E era realmente, eu acho.
Expressionista no sentido de fugir do realismo. O Ziembinsky foi
o primeiro, com "Vestido de Noiva", a fazer os atores representarem
de uma maneira não-realista. Para a minha geração foi esse choque
duplo: primeiro de ver um espetáculo não-realista, e segundo de
ver que isso era feito sobre um texto nacional. Deu uma sensação
muito grande de avanço.
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Folha O sr. lembra a repercussão da peça na época?
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Décio
Houve uma repercussão fora até dos limites do
teatro. Uma repercussão no mundo literário todo. Gilberto Freyre,
Manuel Bandeira, todos os grandes escritores daquele momento escritores
que, naquela época, não eram nem jovens nem velhos, mas eram os
mais importantes escreveram ou se pronunciaram. Julgou-se
que estávamos entrando num período áureo do teatro brasileiro. De
fato, foi o começo de uma renovação.
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Folha Quantos anos o sr. tinha quando assistiu a peça?
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Décio
Em 43? Tinha 26 anos.
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Folha Já fazia crítica de teatro?
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Décio
Não fazia em jornal. Quer dizer, quando da estréia
no Rio eu não fazia.
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Folha Mas o "Clima" já existia.
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Décio
Já. No "Clima" o meu primeiro artigo foi sobre
a companhia de Louis Jouvet, que estava aqui e ficou dois anos por
causa da guerra. Ela teve uma grande influência teórica sobre mim.
O primeiro livro de teoria teatral que eu li foi do Jouvet, para
poder escrever sobre a temporada dele.
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Folha E a sua companhia?
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Décio
Em 43 eu tinha um grupo de teatro amador, que
fez alguns espetáculos. Eu até recebi do Clóvis Graciano, que era
pintor e cenógrafo no Rio, uma cópia do "Vestido de Noiva", para
ver a possibilidade do meu grupo fazer essa peça. Mas logo eu li
em jornais que ela estava sendo ensaiada no Rio. Eu já tinha sentido,
lendo o texto, que era muito difícil montar a peça. Eu não tinha
preparo e o Ziembinsky tinha. Quando vi o espetáculo do Ziembinsky,
dei graças a Deus de não ter feito, porque era incomparável. .
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Folha Como se chamava a sua companhia?
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Décio
Grupo Universitário de Teatro, GUT.
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Folha Foi fundada por você?
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Décio
Foi, relativamente. Eu fiz a Faculdade de Filosofia
entre 36 e 38, e saí em 39. Nesse período, junto com o Lourival
Gomes Machado, meu colega de turma, tentei várias vezes criar um
teatro universitário. Conversava-se muito, planejava-se muito, mas
não saiu nada de prático. Depois, em 43, surgiu a oportunidade de
receber um certo auxílio para montagem.
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Folha Com sua companhia de teatro, que peças o sr. montou?
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Décio
Fiz três peças de comicidade popular. Uma de Gil
Vicente e uma de Martins Pena. Para a terceira eu queria alguém
que escrevesse no mesmo gênero. Aí o Mário de Andrade, com quem
o nosso grupo se dava, indicou o Mário Leme, redator do "O Estado
de S. Paulo", que escreveu "Pequenos Serviços em Casa de Casal".
Funcionou. Havia naquele momento o desejo de fazer um repertório
só nacional.
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Folha E a Cacilda Becker?
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Décio
Ela trabalhou, nessa época, no GUT. Já tinha feito
algum teatro amador no Rio, também um pouco de teatro profissional.
Naquele momento estava fazendo rádio-teatro. Ela então aceitou trabalhar
e fez conosco esses dois espetáculos, o das três peças e o segundo,
uma adaptação minha de duas peças de Gil Vicente.
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Folha Como foi esse segundo espetáculo?
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Décio
Tinha, novamente, o Gil Vicente.
E tinha uma peça do Carlos Lacerda. Ele havia feito rádio-teatro
no Gazeta, quando morou em São Paulo. Ficou bastante amigo do nosso
grupo. Pedi uma peça e ele escreveu "Amapá", sobre a base americana
na guerra. Eu não gostei, mas tinha aquela obrigação de fazer peças
brasileira modernas. Fui ao Rio, fiz uma série de críticas e ele,
rindo, disse: "Olha Décio se você não gosta, não precisa fazer não."
Mas eu fiz "Amapá", também como espetáculo, saiu bom.
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Folha Houve mais montagens?
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Décio
Na terceira eu desisti de montar autor nacional
moderno, porque não havia. Aí eu fiz uma peça de Jean Anouilh, "O
Baile dos Ladrões", uma espécie de comédia-balé. Fiz já no TBC,
que tinha começado. Com isso encerrei minha carreira de encenador.
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Folha Como foi a passagem para o TBC?
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Décio
O TBC foi criado para abrigar as companhias amadoras.
A principal era a do Alfredo Mesquita. Havia depois a minha e, pouco
antes do TBC surgir, apareceu um terceiro grupo. O TBC pegou os
atores dos três. Aí verificou-se que não era possível manter um
teatro. Era uma coisa que não tinha cunho comercial. O Franco Zampari,
que era empresário, tinha outro espírito. Queria fazer espetáculos
que se sustentassem. Isso não era possível com ator amador e diretor
amador. Aí é que veio da Itália o Adolfo Celi, muito jovem mas que
já tinha um certo nome. Nesse momento eu passei apenas a ensinar
na Escola de Arte Dramática, criada em 48 pelo Alfredo Mesquita,
e continuei como crítico do "O Estado", o que eu já era desde 46.
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Folha O sr. falou que o teatro entrou no modernismo 20 anos
depois. E as peças do Oswaldo de Andrade?
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Décio
Elas não eram representadas. Quando eu fiz a adaptação
do Gil Vicente, sobre a qual o Oswald escreveu uma crítica extremamente
elogiosa, ele mandou uma pessoa perguntar se eu não queria "O Rei
da Vela". Primeiro, a censura não deixaria. Segundo, eu não gostava
da peça. Nós achávamos que aquele modernismo de 20 já era uma coisa
ultrapassada. Parecia que aquelas peças tinham correspondido ao
primeiro momento de choque, de destruição. Nós achávamos que "O
Rei da vela" -não tanto no conteúdo, mas nos seus métodos- era ultrapassada.
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Folha Foi o Oswald que cunhou a expressão "chato boys"?
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Décio
Para nós?
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Folha É.
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Décio
É verdade.
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Folha Como é que surgiu essa expressão?
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Décio
"Boys", eu acho, porque nós éramos crianças quando
fizemos o "Clima". Criança relativamente. Tínhamos 21, 22 anos.
Ele era da geração do meu pai, portanto... Nós nos dávamos muito
bem. Íamos todos os domingos à casa dele. Então, isso explica "boys".
Agora, "chato" é porque ele achava a revista séria demais, porque
pela primeira vez estava entrando na literatura o espírito da universidade,
que é mais chato. O modernismo era uma coisa muito mais livre.
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Folha Oswald chegou a publicar esta expressão?
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Décio
Não me lembro mais. Oswald era engraçado. Naquele
momento ele não tinha tanto prestígio literário, mas tinha um grande
prestígio como autor de frases. Em São Paulo todo mundo conhecia
e repetia. E, realmente, algumas dessas frases dele... muito maldosas,
não é?
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Folha Houve reação?
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Décio
Era uma frase do Oswald. Não tinha esse sentido
agressivo. Ele era amigo, sobretudo do Paulo Emílio, desde 35. Nesse
ano o Paulo Emílio fez uma revista, "Movimento", que teve só um
número. Eu era co-diretor, mas o Paulo Emílio fez tudo sozinho.
E ele se aproximou do Mario de Andrade, do Oswald. Quando nós fizemos
o "Clima", já nos dávamos com o Oswald, tínhamos até bastante intimidade.
Ele costumava receber aos domingos na casa dele e era muito divertido.
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Folha Havia reverência?
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Décio
Não, havia uma irreverência, que partia dele.
Ele nos deixava muito à vontade. Uma ocasião, nós assistimos o Oswald
dar uma gafe tremenda. Fomos à casa dele com o Ungaretti, um dos
maiores poetas italianos e da Europa, e o Oswald disse que tinha
lido um poema dele, que tinha gostado muito e começou recitar em
italiano. O Ungaretti parou Oswald no meio e falou: "Mas isso é
uma paródia." Seria chato, mas não foi porque o Oswald caiu na risada,
o Ungaretti caiu na risada, nós todos rimos bastante e se tocou
para diante.
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Folha Quem teve a idéia de fundar o "Clima"?
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Décio
Foi o Alfredo Mesquita, que era uns dez anos mais
velho do que nós. Ele colaborou pouco, mas foi ele quem teve a idéia
e distribuiu as seções para as pessoas. O Antonio Candido fazia
livros, o Lourival artes plásticas, eu teatro, o Paulo Emílio cinema...
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Folha Como foi feita a divisão?
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Décio
Foi um pouco por causa das atividades anteriores
nossas. O Paulo Emilio tinha estado na França de 37 até a guerra,
e tinha visto as fitas clássicas, tinha um interesse cinematográfico
muito maior. O Antonio Candido porque lia muito e tal e todo mundo
achava ele muito inteligente. Eu, porque já tinha representado numa
peça do Alfredo Mesquita, uma vez só, mas, enfim, tinha representado.
Além disso, eu fiquei uns dois ou três meses em Paris, onde assisti
espetáculos dos encenadores mais importantes. Mas realmente o meu
preparo era muito relativo.
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Folha Então começaram o "Clima".
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Décio
Aqui a gente faz as coisas um pouco a cara e a
coragem. Quando nos formamos na Faculdade de Filosofia, muito jovens,
a gente tinha essa preocupação: "Agora vou ter que ensinar filosofia.
Mas não estou preparado." Aí nós resolvemos: "Tem que começar, de
qualquer maneira." E foi assim que aconteceu. O Antonio Candido
depois foi convidado para fazer um artigo semanal na Folha, e logo
foi considerado um dos melhores críticos brasileiros. Eu também
comecei a fazer crítica para o "Estado de S. Paulo" e, por falta
de concorrência, também logo eu me destaquei.
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Folha Não houve uma brincadeira do Paulo Emilio, de que ele
foi fazer cinema porque em literatura já havia o Antonio Candido?
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Décio
Não, quer dizer, isso é um pouco verdade porque
o que todos tinham de início era a literatura. A gente começa com
literatura. Eu e o Paulo Emilio, que éramos colegas no Rio Branco,
no ginásio, nosso interesse era por literatura. O ídolo dele era
Eça de Queiroz, o meu era Machado de Assis. Paulo Emilio tinha uma
série de bustos de Eça de Queiroz. Depois ele se interessou também
por cinema.
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Folha Vocês tinham um projeto?
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Décio
No fundo o nosso projeto ainda era o modernismo.
Nós achávamos que as obras de 20 já tinham sido ultrapassadas, mas
o projeto modernista continuava. A gente tinha uma grande admiração
pelo Mário de Andrade e pelo Oswald. Pelo Mario, então, aí havia
aquele sentimento de reverência. Com o Mario nós nos dávamos através
da Gilda de Mello e Souza, hoje em dia casada com o Antonio Candido.
Ela morava na casa do Mario. Ele era como um tio mais velho dela.
E orientava ela, é claro. Mas orientava relativamente.
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Folha As reuniões com o Mario eram diferentes das reuniões
com o Oswald?
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Décio
Completamente diferentes. Com o Mario nós nos
sentíamos mais intimidados. Ele tinha uma biblioteca muito grande.
O Mario era uma pessoa curiosa, porque ele era um sujeito metódico,
como se fosse um professor universitário, e ao mesmo tempo era um
boêmio e um escritor de ficção extremamente livre. O Oswald só tinha
essa segunda parte.
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Folha Quando o "Clima" foi fundado, houve pressupostos de
atuação política ou metodológica?
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Décio
Não. No Estado Novo a censura era absoluta. Nós
todos tínhamos uma certa tendência de esquerda, mas isso ainda não
muito marcado. Nos últimos números nós tivemos uma posição política
mais definida, capitaneada pelo Paulo Emilio, que tinha sido comunista
em 35 passou o ano todo de 36 preso. Depois foi para a Europa e
teve um contato muito grande com gente de primeira ordem como Victor
Serge. E ele exerceu uma certa liderança sobre o grupo. Fizemos
um manifesto numa posição de esquerda que não era nem stalinista
e nem trotskista.
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Folha O sr. foi da primeira turma da escola de Filosofia?
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Décio
Não, da terceira. Mas em certas áreas se reuniam
a primeira, a segunda e a terceira turmas. O Antonio Candido é posterior.
Entrou quando eu saí. Mas depois de formados nós continuávamos assistindo
as aulas. Em 39 a turma do Antonio Candido, do Rui Coelho e de muitos
outros - era uma turma grande, muito boa - entrou e nós íamos lá
assistir. Nós de turmas anteriores nos associamos e começamos a
sair juntos. Podemos contar 17 pessoas, pelo menos, nesse grupo
de amigos. Era gente que gostava de conversar toda tarde. Daí saiu
o grupo do "Clima".
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Folha O Paulo Emilio o sr. já conhecia.
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Décio
Ele estava na Europa ainda. As moças brincavam,
aquele amigo de que eu falava e tal. Aí chegou o Paulo Emilio. Ele
vinha de Paris, daquele meio muito mais intelectualizado e vanguardista.
No começo ele achou nosso grupo um pouco burguês, que gostava de
dar risada, de conversar. Mas depois ele acabou também ligado. Ele
era até mais extrovertido do que nós. Éramos extrovertidos em grupo.
Era uma turma alegre.
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Folha Havia mulheres nessa turma?
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Décio
Tinha a Gilda Mello e Souza, tinha a minha mulher,
Ruth, que nunca escreveu nada, mas fazia parte. Naquela época estávamos
namorando. A nossa turma, o que era uma certa novidade na cidade,
era feita por rapazes e moças, que frequentavam a Faculdade de Filosofia.
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Folha Como surgiu a idéia de se fazer um suplemento literário
em "O Estado de S.Paulo"?
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Décio
Foi em 56. O suplemento nasceu porque o Julio
Mesquita Filho tinha muito interesse por cultura. Ele é o criador
da Faculdade de Filosofia. Ele chamou o Antonio Candido, que era
uma pessoa já naquele momento de prestígio enorme. Eu ia sempre
à casa dele e conversávamos sobre o projeto. Um dia ele perguntou:
"Você gostaria de ser diretor?" Eu demorei um pouco mas aceitei.
Economicamente era uma coisa muito boa, porque eu vivia como professor
de colégio e não ganhava muito. Ensinava filosofia no terceiro ano
do clássico. Era crítico do "Estado", mas também não ganhava muito,
porque não era uma atividade constante. Além disso, o suplemento
sofreu influência do "Clima". O grupo em parte se manteve. Eu fiquei
como diretor, o Paulo Emilio fazia cinema, o Lourival artes plásticas.
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Folha O momento em que o sr. pára de fazer crítica coincide
com a devolução do prêmio "Saci", em 68.
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Décio
Houve uma espécie de briga entre a classe teatral
e o "O Estado de S. Paulo", que concedia o prêmio. Estava se discutindo
a censura e eu tinha me manifestado contra. Mas o "Estado" deu uma
nota em Notas e Informações, não propriamente favorável à censura,
mas criticando o teor de certas peças, que seriam muito fortes,
com palavrão. A classe teatral resolveu devolver o "Saci", os prêmios
todos que tinham sido dados desde 51 pelo "Estado". Aí eu larguei,
porque achei que era uma situação muito difícil para o crítico ficar
entre o jornal e a classe teatral.
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Folha Quem capitaneou esse movimento?
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Décio
O Walmor Chagas e o Bráulio Pedroso. O Bráulio
tinha sido demitido do "Estado", e eu acho que isso contribuiu um
pouco. É o lado chato da coisa.
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Folha Como o sr. vê a primazia do diretor no final da década
de 60?
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Décio
Isso já começa com o nosso movimento moderno,
de valorização do encenador. Mas naquele momento havia grande respeito
ao texto. Depois a parte do encenador foi aumentado. O Zé Celso
no Oficina já criava muito mais do que um Celi. Nas peças do Oswald,
ele pegava trechos de outras, enxertava e assim por diante. Os encenadores
começaram a querer ser autores. É o caso do Gerald Thomas, de um
teatro visual. Isso não é bem verdade. "Carmem" tinha um texto grande,
só que de autoria do próprio encenador. Eu acho ele interessante
como encenador, mas não como autor.
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Folha O seu distanciamento do teatro está ligado a isso?
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Décio
Não. Primeiro é pela idade. Este ano eu faço 74.
Saio menos de noite, acostumei ficar em casa. Fico lendo e minha
mulher também. É hábito. Perdi aquele hábito e de sair toda noite,
de participar.
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Folha Quais são os seus princípios, o que o sr. acha essencial
no teatro?
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Décio
Bom, aí eu precisaria fazer uma reflexão estética.
Eu sei que não é Gerald Thomas, porque não é o espetáculo que me
dá mais prazer.
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Folha É o texto?
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Décio
Eu ainda dou muita força ao texto. Tenho uma formação
literária. Não acho que as minhas idéias sejam originais. São as
idéias daquele momento: valor do texto, papel do encenador, a criação
em conjunto.
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Folha No momento, os principais diretores montam clássicos,
estão de volta ao texto. O sr. vê um movimento similar ao dos anos
40 e 50?
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Décio
Em parte. Agora a maneira de fazer é diferente.
É uma certa volta ao TBC, mas não repetindo o TBC. Eles vão ter
uma margem de criação maior, porque naquele momento a idéia nova
era a do Jacques Copeau, que pregava isso: respeito ao texto. O
texto era aquele, a criação existia sobre aquele texto. Os diretores
agora eu vejo raramente criam com muito
mais liberdade.
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Folha O sr. vê isso como qualidade?
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Décio
Por um lado sim, mas por outro perdeu-se o consenso.
Cada encenador monta agora dentro dos seus parâmetros. Muda de dois
em dois anos, de três em três anos. As modas hoje são muito mais
passageiras. Há uma frase famosa: o que mudou mais no mundo moderno
foi o ritmo da mudança.
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O que foi "CLIMA"
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A idéia de fazer uma revista onde se pudesse organizar as idéias
que corriam no jovem meio intelectual paulista surgiu no fim da
década de 30, fruto de conversas entre Antonio Candido, Paulo Emilio
Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes, Machado e
Alfredo Mesquita. Em 1941, Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado
fundaram a revista "Clima", ainda sem um corpo editorial definido.
Antonio Candido escreveu ali pela primeira vez como crítico literário.
Paulo Emilio estreava na crítica de cinema e Décio de Almeida Prado
na de teatro. Ruy Coelho e Gilda de Mello e Souza também colaboravam.
Herdeiros críticos da Semana de 22 e chamados por Oswald
de Andrade de "chato boys", os "moços intelectuais",
como se auto-intitulavam, editaram os dez primeiros números da revista
sob uma "norma de abstenção política", ou seja, sob a censura do
Estado Novo. A política só passou a fazer parte dos assuntos de
"Clima" nos últimos seis números, com a entrada do Brasil na 2a.
Guerra Mundial.
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As Personalidades Citadas
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Paulo Emilio Salles Gomes (1916-77)
Critico de cinema, ensaísta e escritor, foi um dos fundadores da
Cinemateca Brasileira e do curso de cinema da ECA-USP. Escreveu,
entre outros, "Jean Vigo" e "Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento".
Antonio Candido de Mello e Souza
Professor aposentado de teoria literária e literatura comparada
na USP, o ensaísta Antonio Candido, 71, é um dos maiores nomes da
crítica literária brasileira. É autor de "Formação da Literatura
Brasileira", "Ficção e Confissão" e "A Educação Pela Noite", entre
outros.
Alfredo Mesquita (1908-86)
Professor e diretor de teatro, fundou a EAD (Escola de Arte Dramática)
em 1948. Ensinou durante 33 anos. Entre os professores e colaboradores
da escola, estavam nomes como Cacilda Becker e Guilherme de Almeida.
Procópio Ferreira (1898-79)
Dramaturgo diretor e ator teatral, foi um dos grandes nomes
do teatro brasileiro. Em sua carreira, iniciada em 1917 encenou
425 peças e fez mais de 15 mil apresentações.
Franco Zampari (1899-66)
Italiano naturalizado brasileiro, Zampari foi o criador e primeiro
diretor do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Foi um dos fundadores
da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que dirigiu por 26 anos.
Zibgniev Ziembinsky (1908-78)
Diretor e ator teatral, o polonês Ziembinski dedicou 35 anos de
sua carreira ao teatro brasileiro. Trabalhou também em cinema (Cia.
Vera Cruz) e na televisão (Rede Globo).
Adolfo Celi (1918-86)
Diretor e ator de teatro e cinema, o italiano Adolfo Celi viveu
no Brasil de 1949 a 1964. Foi diretor do TBC e criou a companhia
teatral CTCA, que dividia com Paulo Autran e Tônia Carrero, então
sua mulher.
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Obras do Crítico
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"Apresentação
do Teatro Brasileiro Moderno" (1955,
Livraria Martins Editora).
"Teatro
em Progresso" (1964,
Livraria Martins Editora).
"João Caetano e a Arte do Ator" (1984,
Ática).
"João Caetano: O Ator, O Empresário, O Repertório" (Perspectiva,
1972).
"Procópio Ferreira" (1987,
Brasiliense).
"Exercício Findo" (1987,
Perspectiva).
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