DÉCIO DE ALMEIDA PRADO

Publicado na Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 25 de maio de 1991.


O crítico de teatro e ensaísta fala sobre a época áurea da dramaturgia brasileira e conta se organizou o grupo "Clima"

Nelson de Sá (Da Reportagem Local)
Alcino Leite Neto
(Editor de Letras)

Décio de Almeida Prado, ele mesmo diz, foi um privilegiado. Assistiu e viveu a fase maior do teatro brasileiro. Crítico de 1940 a 44 na revista "Clima" e de 1946 a 68 no jornal "O Estado de S. Paulo", ele viu tudo. Desde a revolução com "Vestido de Noive", de Nelson Rodrigues, dirigida por Ziembinsky, até o último suspiro com "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade, dirigida por José Celso Martinez Correa. O crítico fazia parte de um grupo de intelectuais que Oswald de Andrade chamava de "chato boys". Na verdade era uma "turma divertida", para Décio. Quase todos críticos e jovens, nos anos 40 e 50, essa "turma" incluía Antonio Candido (literatura) e Paulo Emilio Salles Gomes (cinema). Eram amigos, alguns de ginásio, outros de escola de Filosofia, que segundo Décio ajudaram a integrar universidade e produção cultural. Daí os "chato boys" de Oswald.
Nascido em São Paulo há 73 anos, Décio já está há mais de 20 fora da crítica. Nesse tempo cuidou de livros e aulas, e de ir ao Morumbi assistir o São Paulo. Não se anima mais a sair para uma peça de teatro, a não ser em casos raros. Não gostou de Gerald Thomas. Prefere ficar lendo em casa, por "hábito". Está preparando uma história do teatro brasileiro, dos primórdios até 1908. A parte relativa aos três primeiros séculos já está pronta e deve ser lançada ainda este ano, numa coletânea de estudos a ser publicada pelo Memorial da América Latina.


Folha — O sr. não tem vontade de voltar à crítica?


Décio de Almeida Prado Eu me dediquei à crítica por 22 anos. É um tempo suficiente. Escrevi num período feliz, que é o do TBC, do Arena, do Oficina. Continuo com o mesmo entusiasmo, mas já me desligando progressivamente do teatro atual e me dedicando ao dos séculos anteriores.

Folha — O que aconteceu que, de repente, o teatro brasileiro começou a existir na década de 40?


Décio Foi influência do modernismo, com algum atraso. Na poesia o modernismo entra na década de 20. No romance entra um pouco na década de 20, mas sobretudo na década de 30. No teatro o modernismo só vai entrar com Nelson Rodrigues, com "Vestido de Noiva", que é de 43. São 20 anos de atraso em relação à Semana de Arte Moderna. Para isso foi muito importante a presença dos encenadores italianos, trazidos pelo TBC. Teatro tem o lado técnico, como a música. Um poeta pode se formar lendo poesias. O teatro precisa de técnica de palco.

Folha — A carpintaria.


Décio É. Na construção da peça e também ao passar a peça para o palco. Eu fiz teatro como diretor amador. Eu sabia vagamente o que queria, mas não tinha os recursos para chegar lá. Aí vieram o Ziembinsky e os diretores italianos, como o Adolfo Celi.

Folha — O que o Ziembinsky trouxe?


Décio Ele trouxe o que foi chamado, na época, de expressionismo. Chegou com mais de dez anos de teatro profissional nas costas. Como o teatro da Polônia estava entre o alemão e o russo, e como nesses dois houve uma influência forte do expressionismo, nós deduzimos que o teatro dele era expressionista. E era realmente, eu acho. Expressionista no sentido de fugir do realismo. O Ziembinsky foi o primeiro, com "Vestido de Noiva", a fazer os atores representarem de uma maneira não-realista. Para a minha geração foi esse choque duplo: primeiro de ver um espetáculo não-realista, e segundo de ver que isso era feito sobre um texto nacional. Deu uma sensação muito grande de avanço.

Folha — O sr. lembra a repercussão da peça na época?


Décio Houve uma repercussão fora até dos limites do teatro. Uma repercussão no mundo literário todo. Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, todos os grandes escritores daquele momento escritores que, naquela época, não eram nem jovens nem velhos, mas eram os mais importantes escreveram ou se pronunciaram. Julgou-se que estávamos entrando num período áureo do teatro brasileiro. De fato, foi o começo de uma renovação.

Folha — Quantos anos o sr. tinha quando assistiu a peça?


Décio Em 43? Tinha 26 anos.

Folha — Já fazia crítica de teatro?


Décio Não fazia em jornal. Quer dizer, quando da estréia no Rio eu não fazia.

Folha — Mas o "Clima" já existia.


Décio Já. No "Clima" o meu primeiro artigo foi sobre a companhia de Louis Jouvet, que estava aqui e ficou dois anos por causa da guerra. Ela teve uma grande influência teórica sobre mim. O primeiro livro de teoria teatral que eu li foi do Jouvet, para poder escrever sobre a temporada dele.

Folha — E a sua companhia?


Décio Em 43 eu tinha um grupo de teatro amador, que fez alguns espetáculos. Eu até recebi do Clóvis Graciano, que era pintor e cenógrafo no Rio, uma cópia do "Vestido de Noiva", para ver a possibilidade do meu grupo fazer essa peça. Mas logo eu li em jornais que ela estava sendo ensaiada no Rio. Eu já tinha sentido, lendo o texto, que era muito difícil montar a peça. Eu não tinha preparo e o Ziembinsky tinha. Quando vi o espetáculo do Ziembinsky, dei graças a Deus de não ter feito, porque era incomparável. .

Folha — Como se chamava a sua companhia?


Décio Grupo Universitário de Teatro, GUT.

Folha — Foi fundada por você?


Décio Foi, relativamente. Eu fiz a Faculdade de Filosofia entre 36 e 38, e saí em 39. Nesse período, junto com o Lourival Gomes Machado, meu colega de turma, tentei várias vezes criar um teatro universitário. Conversava-se muito, planejava-se muito, mas não saiu nada de prático. Depois, em 43, surgiu a oportunidade de receber um certo auxílio para montagem.

Folha — Com sua companhia de teatro, que peças o sr. montou?


Décio Fiz três peças de comicidade popular. Uma de Gil Vicente e uma de Martins Pena. Para a terceira eu queria alguém que escrevesse no mesmo gênero. Aí o Mário de Andrade, com quem o nosso grupo se dava, indicou o Mário Leme, redator do "O Estado de S. Paulo", que escreveu "Pequenos Serviços em Casa de Casal". Funcionou. Havia naquele momento o desejo de fazer um repertório só nacional.

Folha — E a Cacilda Becker?


Décio Ela trabalhou, nessa época, no GUT. Já tinha feito algum teatro amador no Rio, também um pouco de teatro profissional. Naquele momento estava fazendo rádio-teatro. Ela então aceitou trabalhar e fez conosco esses dois espetáculos, o das três peças e o segundo, uma adaptação minha de duas peças de Gil Vicente.

Folha — Como foi esse segundo espetáculo?


Décio Tinha, novamente, o Gil Vicente. E tinha uma peça do Carlos Lacerda. Ele havia feito rádio-teatro no Gazeta, quando morou em São Paulo. Ficou bastante amigo do nosso grupo. Pedi uma peça e ele escreveu "Amapá", sobre a base americana na guerra. Eu não gostei, mas tinha aquela obrigação de fazer peças brasileira modernas. Fui ao Rio, fiz uma série de críticas e ele, rindo, disse: "Olha Décio se você não gosta, não precisa fazer não." Mas eu fiz "Amapá", também como espetáculo, saiu bom.

Folha — Houve mais montagens?


Décio Na terceira eu desisti de montar autor nacional moderno, porque não havia. Aí eu fiz uma peça de Jean Anouilh, "O Baile dos Ladrões", uma espécie de comédia-balé. Fiz já no TBC, que tinha começado. Com isso encerrei minha carreira de encenador.

Folha — Como foi a passagem para o TBC?


Décio O TBC foi criado para abrigar as companhias amadoras. A principal era a do Alfredo Mesquita. Havia depois a minha e, pouco antes do TBC surgir, apareceu um terceiro grupo. O TBC pegou os atores dos três. Aí verificou-se que não era possível manter um teatro. Era uma coisa que não tinha cunho comercial. O Franco Zampari, que era empresário, tinha outro espírito. Queria fazer espetáculos que se sustentassem. Isso não era possível com ator amador e diretor amador. Aí é que veio da Itália o Adolfo Celi, muito jovem mas que já tinha um certo nome. Nesse momento eu passei apenas a ensinar na Escola de Arte Dramática, criada em 48 pelo Alfredo Mesquita, e continuei como crítico do "O Estado", o que eu já era desde 46.

Folha — O sr. falou que o teatro entrou no modernismo 20 anos depois. E as peças do Oswaldo de Andrade?


Décio Elas não eram representadas. Quando eu fiz a adaptação do Gil Vicente, sobre a qual o Oswald escreveu uma crítica extremamente elogiosa, ele mandou uma pessoa perguntar se eu não queria "O Rei da Vela". Primeiro, a censura não deixaria. Segundo, eu não gostava da peça. Nós achávamos que aquele modernismo de 20 já era uma coisa ultrapassada. Parecia que aquelas peças tinham correspondido ao primeiro momento de choque, de destruição. Nós achávamos que "O Rei da vela" -não tanto no conteúdo, mas nos seus métodos- era ultrapassada.

Folha — Foi o Oswald que cunhou a expressão "chato boys"?


Décio Para nós?

Folha — É.


Décio É verdade.

Folha — Como é que surgiu essa expressão?


Décio "Boys", eu acho, porque nós éramos crianças quando fizemos o "Clima". Criança relativamente. Tínhamos 21, 22 anos. Ele era da geração do meu pai, portanto... Nós nos dávamos muito bem. Íamos todos os domingos à casa dele. Então, isso explica "boys". Agora, "chato" é porque ele achava a revista séria demais, porque pela primeira vez estava entrando na literatura o espírito da universidade, que é mais chato. O modernismo era uma coisa muito mais livre.

Folha —Oswald chegou a publicar esta expressão?


Décio Não me lembro mais. Oswald era engraçado. Naquele momento ele não tinha tanto prestígio literário, mas tinha um grande prestígio como autor de frases. Em São Paulo todo mundo conhecia e repetia. E, realmente, algumas dessas frases dele... muito maldosas, não é?

Folha — Houve reação?


Décio Era uma frase do Oswald. Não tinha esse sentido agressivo. Ele era amigo, sobretudo do Paulo Emílio, desde 35. Nesse ano o Paulo Emílio fez uma revista, "Movimento", que teve só um número. Eu era co-diretor, mas o Paulo Emílio fez tudo sozinho. E ele se aproximou do Mario de Andrade, do Oswald. Quando nós fizemos o "Clima", já nos dávamos com o Oswald, tínhamos até bastante intimidade. Ele costumava receber aos domingos na casa dele e era muito divertido.

Folha — Havia reverência?


Décio Não, havia uma irreverência, que partia dele. Ele nos deixava muito à vontade. Uma ocasião, nós assistimos o Oswald dar uma gafe tremenda. Fomos à casa dele com o Ungaretti, um dos maiores poetas italianos e da Europa, e o Oswald disse que tinha lido um poema dele, que tinha gostado muito e começou recitar em italiano. O Ungaretti parou Oswald no meio e falou: "Mas isso é uma paródia." Seria chato, mas não foi porque o Oswald caiu na risada, o Ungaretti caiu na risada, nós todos rimos bastante e se tocou para diante.

Folha — Quem teve a idéia de fundar o "Clima"?


Décio Foi o Alfredo Mesquita, que era uns dez anos mais velho do que nós. Ele colaborou pouco, mas foi ele quem teve a idéia e distribuiu as seções para as pessoas. O Antonio Candido fazia livros, o Lourival artes plásticas, eu teatro, o Paulo Emílio cinema...

Folha — Como foi feita a divisão?


Décio Foi um pouco por causa das atividades anteriores nossas. O Paulo Emilio tinha estado na França de 37 até a guerra, e tinha visto as fitas clássicas, tinha um interesse cinematográfico muito maior. O Antonio Candido porque lia muito e tal e todo mundo achava ele muito inteligente. Eu, porque já tinha representado numa peça do Alfredo Mesquita, uma vez só, mas, enfim, tinha representado. Além disso, eu fiquei uns dois ou três meses em Paris, onde assisti espetáculos dos encenadores mais importantes. Mas realmente o meu preparo era muito relativo.

Folha — Então começaram o "Clima".


Décio Aqui a gente faz as coisas um pouco a cara e a coragem. Quando nos formamos na Faculdade de Filosofia, muito jovens, a gente tinha essa preocupação: "Agora vou ter que ensinar filosofia. Mas não estou preparado." Aí nós resolvemos: "Tem que começar, de qualquer maneira." E foi assim que aconteceu. O Antonio Candido depois foi convidado para fazer um artigo semanal na Folha, e logo foi considerado um dos melhores críticos brasileiros. Eu também comecei a fazer crítica para o "Estado de S. Paulo" e, por falta de concorrência, também logo eu me destaquei.

Folha — Não houve uma brincadeira do Paulo Emilio, de que ele foi fazer cinema porque em literatura já havia o Antonio Candido?


Décio Não, quer dizer, isso é um pouco verdade porque o que todos tinham de início era a literatura. A gente começa com literatura. Eu e o Paulo Emilio, que éramos colegas no Rio Branco, no ginásio, nosso interesse era por literatura. O ídolo dele era Eça de Queiroz, o meu era Machado de Assis. Paulo Emilio tinha uma série de bustos de Eça de Queiroz. Depois ele se interessou também por cinema.

Folha — Vocês tinham um projeto?


Décio No fundo o nosso projeto ainda era o modernismo. Nós achávamos que as obras de 20 já tinham sido ultrapassadas, mas o projeto modernista continuava. A gente tinha uma grande admiração pelo Mário de Andrade e pelo Oswald. Pelo Mario, então, aí havia aquele sentimento de reverência. Com o Mario nós nos dávamos através da Gilda de Mello e Souza, hoje em dia casada com o Antonio Candido. Ela morava na casa do Mario. Ele era como um tio mais velho dela. E orientava ela, é claro. Mas orientava relativamente.

Folha — As reuniões com o Mario eram diferentes das reuniões com o Oswald?


Décio Completamente diferentes. Com o Mario nós nos sentíamos mais intimidados. Ele tinha uma biblioteca muito grande. O Mario era uma pessoa curiosa, porque ele era um sujeito metódico, como se fosse um professor universitário, e ao mesmo tempo era um boêmio e um escritor de ficção extremamente livre. O Oswald só tinha essa segunda parte.

Folha — Quando o "Clima" foi fundado, houve pressupostos de atuação política ou metodológica?


Décio Não. No Estado Novo a censura era absoluta. Nós todos tínhamos uma certa tendência de esquerda, mas isso ainda não muito marcado. Nos últimos números nós tivemos uma posição política mais definida, capitaneada pelo Paulo Emilio, que tinha sido comunista em 35 passou o ano todo de 36 preso. Depois foi para a Europa e teve um contato muito grande com gente de primeira ordem como Victor Serge. E ele exerceu uma certa liderança sobre o grupo. Fizemos um manifesto numa posição de esquerda que não era nem stalinista e nem trotskista.

Folha — O sr. foi da primeira turma da escola de Filosofia?


Décio Não, da terceira. Mas em certas áreas se reuniam a primeira, a segunda e a terceira turmas. O Antonio Candido é posterior. Entrou quando eu saí. Mas depois de formados nós continuávamos assistindo as aulas. Em 39 a turma do Antonio Candido, do Rui Coelho e de muitos outros - era uma turma grande, muito boa - entrou e nós íamos lá assistir. Nós de turmas anteriores nos associamos e começamos a sair juntos. Podemos contar 17 pessoas, pelo menos, nesse grupo de amigos. Era gente que gostava de conversar toda tarde. Daí saiu o grupo do "Clima".

Folha — O Paulo Emilio o sr. já conhecia.


Décio Ele estava na Europa ainda. As moças brincavam, aquele amigo de que eu falava e tal. Aí chegou o Paulo Emilio. Ele vinha de Paris, daquele meio muito mais intelectualizado e vanguardista. No começo ele achou nosso grupo um pouco burguês, que gostava de dar risada, de conversar. Mas depois ele acabou também ligado. Ele era até mais extrovertido do que nós. Éramos extrovertidos em grupo. Era uma turma alegre.

Folha — Havia mulheres nessa turma?


Décio Tinha a Gilda Mello e Souza, tinha a minha mulher, Ruth, que nunca escreveu nada, mas fazia parte. Naquela época estávamos namorando. A nossa turma, o que era uma certa novidade na cidade, era feita por rapazes e moças, que frequentavam a Faculdade de Filosofia.

Folha — Como surgiu a idéia de se fazer um suplemento literário em "O Estado de S.Paulo"?


Décio Foi em 56. O suplemento nasceu porque o Julio Mesquita Filho tinha muito interesse por cultura. Ele é o criador da Faculdade de Filosofia. Ele chamou o Antonio Candido, que era uma pessoa já naquele momento de prestígio enorme. Eu ia sempre à casa dele e conversávamos sobre o projeto. Um dia ele perguntou: "Você gostaria de ser diretor?" Eu demorei um pouco mas aceitei. Economicamente era uma coisa muito boa, porque eu vivia como professor de colégio e não ganhava muito. Ensinava filosofia no terceiro ano do clássico. Era crítico do "Estado", mas também não ganhava muito, porque não era uma atividade constante. Além disso, o suplemento sofreu influência do "Clima". O grupo em parte se manteve. Eu fiquei como diretor, o Paulo Emilio fazia cinema, o Lourival artes plásticas.

Folha — O momento em que o sr. pára de fazer crítica coincide com a devolução do prêmio "Saci", em 68.


Décio Houve uma espécie de briga entre a classe teatral e o "O Estado de S. Paulo", que concedia o prêmio. Estava se discutindo a censura e eu tinha me manifestado contra. Mas o "Estado" deu uma nota em Notas e Informações, não propriamente favorável à censura, mas criticando o teor de certas peças, que seriam muito fortes, com palavrão. A classe teatral resolveu devolver o "Saci", os prêmios todos que tinham sido dados desde 51 pelo "Estado". Aí eu larguei, porque achei que era uma situação muito difícil para o crítico ficar entre o jornal e a classe teatral.

Folha — Quem capitaneou esse movimento?


Décio O Walmor Chagas e o Bráulio Pedroso. O Bráulio tinha sido demitido do "Estado", e eu acho que isso contribuiu um pouco. É o lado chato da coisa.

Folha — Como o sr. vê a primazia do diretor no final da década de 60?


Décio Isso já começa com o nosso movimento moderno, de valorização do encenador. Mas naquele momento havia grande respeito ao texto. Depois a parte do encenador foi aumentado. O Zé Celso no Oficina já criava muito mais do que um Celi. Nas peças do Oswald, ele pegava trechos de outras, enxertava e assim por diante. Os encenadores começaram a querer ser autores. É o caso do Gerald Thomas, de um teatro visual. Isso não é bem verdade. "Carmem" tinha um texto grande, só que de autoria do próprio encenador. Eu acho ele interessante como encenador, mas não como autor.

Folha — O seu distanciamento do teatro está ligado a isso?


Décio Não. Primeiro é pela idade. Este ano eu faço 74. Saio menos de noite, acostumei ficar em casa. Fico lendo e minha mulher também. É hábito. Perdi aquele hábito e de sair toda noite, de participar.

Folha — Quais são os seus princípios, o que o sr. acha essencial no teatro?


Décio Bom, aí eu precisaria fazer uma reflexão estética. Eu sei que não é Gerald Thomas, porque não é o espetáculo que me dá mais prazer.

Folha — É o texto?


Décio Eu ainda dou muita força ao texto. Tenho uma formação literária. Não acho que as minhas idéias sejam originais. São as idéias daquele momento: valor do texto, papel do encenador, a criação em conjunto.

Folha — No momento, os principais diretores montam clássicos, estão de volta ao texto. O sr. vê um movimento similar ao dos anos 40 e 50?


Décio Em parte. Agora a maneira de fazer é diferente. É uma certa volta ao TBC, mas não repetindo o TBC. Eles vão ter uma margem de criação maior, porque naquele momento a idéia nova era a do Jacques Copeau, que pregava isso: respeito ao texto. O texto era aquele, a criação existia sobre aquele texto. Os diretores agora eu vejo raramente criam com muito mais liberdade.

Folha — O sr. vê isso como qualidade?


Décio Por um lado sim, mas por outro perdeu-se o consenso. Cada encenador monta agora dentro dos seus parâmetros. Muda de dois em dois anos, de três em três anos. As modas hoje são muito mais passageiras. Há uma frase famosa: o que mudou mais no mundo moderno foi o ritmo da mudança.

O que foi "CLIMA"


A idéia de fazer uma revista onde se pudesse organizar as idéias que corriam no jovem meio intelectual paulista surgiu no fim da década de 30, fruto de conversas entre Antonio Candido, Paulo Emilio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes, Machado e Alfredo Mesquita. Em 1941, Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado fundaram a revista "Clima", ainda sem um corpo editorial definido. Antonio Candido escreveu ali pela primeira vez como crítico literário. Paulo Emilio estreava na crítica de cinema e Décio de Almeida Prado na de teatro. Ruy Coelho e Gilda de Mello e Souza também colaboravam. Herdeiros críticos da Semana de 22 e chamados por Oswald de Andrade de "chato boys", os "moços intelectuais", como se auto-intitulavam, editaram os dez primeiros números da revista sob uma "norma de abstenção política", ou seja, sob a censura do Estado Novo. A política só passou a fazer parte dos assuntos de "Clima" nos últimos seis números, com a entrada do Brasil na 2a. Guerra Mundial.

As Personalidades Citadas


Paulo Emilio Salles Gomes (1916-77)
Critico de cinema, ensaísta e escritor, foi um dos fundadores da Cinemateca Brasileira e do curso de cinema da ECA-USP. Escreveu, entre outros, "Jean Vigo" e "Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento".

Antonio Candido de Mello e Souza
Professor aposentado de teoria literária e literatura comparada na USP, o ensaísta Antonio Candido, 71, é um dos maiores nomes da crítica literária brasileira. É autor de "Formação da Literatura Brasileira", "Ficção e Confissão" e "A Educação Pela Noite", entre outros.

Alfredo Mesquita (1908-86)
Professor e diretor de teatro, fundou a EAD (Escola de Arte Dramática) em 1948. Ensinou durante 33 anos. Entre os professores e colaboradores da escola, estavam nomes como Cacilda Becker e Guilherme de Almeida.

Procópio Ferreira (1898-79)
Dramaturgo diretor e ator teatral, foi um dos grandes nomes do teatro brasileiro. Em sua carreira, iniciada em 1917 encenou 425 peças e fez mais de 15 mil apresentações.

Franco Zampari (1899-66)
Italiano naturalizado brasileiro, Zampari foi o criador e primeiro diretor do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia). Foi um dos fundadores da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que dirigiu por 26 anos.

Zibgniev Ziembinsky (1908-78)
Diretor e ator teatral, o polonês Ziembinski dedicou 35 anos de sua carreira ao teatro brasileiro. Trabalhou também em cinema (Cia. Vera Cruz) e na televisão (Rede Globo).

Adolfo Celi (1918-86)
Diretor e ator de teatro e cinema, o italiano Adolfo Celi viveu no Brasil de 1949 a 1964. Foi diretor do TBC e criou a companhia teatral CTCA, que dividia com Paulo Autran e Tônia Carrero, então sua mulher.


Obras do Crítico


"Apresentação do Teatro Brasileiro Moderno"
(1955, Livraria Martins Editora).

"Teatro em Progresso" (1964, Livraria Martins Editora).

"João Caetano e a Arte do Ator"
(1984, Ática).

"João Caetano: O Ator, O Empresário, O Repertório"
(Perspectiva, 1972).

"Procópio Ferreira"
(1987, Brasiliense).

"Exercício Findo" (1987, Perspectiva).

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