O jornalista italiano Alfredo Paniucci, de "Epoca", obteve em
fins do mês passado uma entrevista de Chaplin em sua vila
de Corsier-Vevey, Genebra
que pode ser considerada sensacional. Correra uma noticia, na
França e na Italia, que Chaplin, ao comemorar seu 65º aniversario,
no dia 16 ultimo, receberia os representantes da imprensa daqueles
dois paises para uma entrevista coletiva. Na realidade, tratava-se
de mero boato. O grande ator nada havia marcado e foram numerosos
os jornalistas que fizeram inutilmente a viagem, voltando apenas
com algumas fotos da residencia de Chaplin e no maximo de um ou
dois de seus filhos. Paniucci, entretanto, foi mais persistente.
Insistiu, junto ao mordomo, para ser recebido. Este, após tenaz
resistencia, comprometeu-se a falar com o criador de "Luzes da
Ribalta": se ele estivesse de bom humor, no dia seguinte, era
provavel que concederia a entrevista.
E o reporter italiano voltou, para conversar com Chaplin, dele
obtendo declarações que, se não são novas, não deixam de ser curiosas.
Depois de descrever o aspecto da vila, as particularidades que
pôde notar, na sala de espera, Paniucci, que é o primeiro jornalista
a ser recebido por Chaplin na sua vila suiça, diz que ele lhe
parece, em trajes esportivos, com um aspecto extraordinariamente
juvenil. Seus olhos azuis, sobretudo, são sorridentes como os
de um menino. Conduz o reporter a uma pequena colina nos fundos
de sua vila, depois de recusar o chapéu, que lhe oferece sua esposa:
"Não sou tão velho assim para necessitar de chapéu", diz. E sai,
quase correndo, acompanhado pelo reporter. Na colina, faz um gesto
amplo com os braços, parecendo querer alçar voo e diz: "Deste
ponto, domino o lago"Ambos regressam e Chaplin vai mostrar o quem
possui na sua vila. Aponta para um espelho, "puro estilo
Chippendale" e sobre uma escrivaninha o reporter observa
apontamentos que acredita serem de um "script". São
folhas divididas ao meio, escritas do lado direito, ao passo que
do esquerdo algumas notas apenas. Chaplin fala, mostrando suas
famosas porcelanas, mas a atenção do jornalista
é despertada por uns quadros abstracionistas.
Chaplin
pergunta: "Gosta?" E acrescenta : "Para mim são
profundamente antipaticos. Tenho-os na parede exclusivamente porque,
vendo-os, saio desta sala, de que não gosto." Mal
termina a frase e abre uma porta que dá para o estudio,
decorado de moveis austeros e escuros. As quatro paredes estão
recobertas de livros. Poucos discos sobre a vitrola, entre os
quais a "Nona" dirigida por Toscanini. Chaplin aponta
para os livros, denotando orgulho. São todos luxuosamente
encadernados. De uma estante tira uma edição de
Shakespeare, 1700, impressa em Londres. O jornalista vê,
nas estantes, obras de Thakerav, de Platão, Maupassant,
Plutarco, Balzac, Dickens, Poe e Thomas Payne. Num angulo, descobre
"Mein Kampf", de Hitler. Chaplin exclama, sorrindo:
"Não sou nazista, não. Li-o antes de realizar
"O Grande Ditador". Mac Carthy gostaria de possuir este
livro. Mas não o darei, jamais." E ante uma pergunta
do jornalista, diz, sempre sorrindo, os olhos azuis exprimindo
ironia: "A maior parte de meus livros são sobre psicologia.
Gosto muito de estudar o proximo; gosto das ciencias ocultas.
Ah! Se eu pudesse transformar-me em feiticeiro!"
Ambos
voltam para a outra sala, já acompanhados de Oona. Na porta
o jornalista quer dar passagem primeiro a Chaplin, mas este abre
caminho e diz: "É inutil você querer ver minhas
costas; não sou Marilyn Monroe." E ri, gostosamente.
Deixa-se cair numa poltrona e pergunta: "Nunca esteve em
Hollywood, na California? Não? Pois não vá
nunca para lá. Não vale a pena". Ergue-se,
põe a mão direita sobre o peito e levanta a esquerda,
para recitar: "Moi, moi seul et c'est assez." Inclina-se
e acrescenta: "De "Medéia", de Corneille".
Oana sorri e Chaplin, ao observá-la, continua: "Minha
mulher quer voltar para a Italia. Tenho um desejo feroz de rever
Florença e Veneza. Florença é uma cidade
estupenda. Mas sabe onde eu gostaria de viver? Nos tropicos, em
Singapura, em Java, em Bali. Pena que haja muitas moscas."
E, como se estivesse dando combate a uma mosca, faz um "gag"
que o jornalista considera irresistivel. Mas aproveita o instanste
para fazer uma pergunta sobre o proximo filme de Chaplin. Ele
agora parece irritar-se. Diz apenas: "Até agora não
tenho nada de concreto. Posso dizer que não será
uma tragedia como "Mr. Verdou" e "Luzes da Ribalta",
mas uma comedia moderna: um filme que focalizará os diferentes
sistemas de vida dos americanos e dos europeus." E ante uma
nova pergunta de Paniucci, o genio diz: "Os americanos não
me querem bem. Durante 30 anos me admiraram e depois passaram
a odiar-me. Feriram-me profundamente."
A
esta altura, diz o reporter, alguns fotografos que permaneceram
na cidade já estavam entrando na vila de Chaplin. Eles
entram e batem chapas, perturbam a entrevista. O mestre ordena
uisque para todos, e grandes doses são servidas. E Chaplin
aproveita para retirar-se da sala.