MOVIMENTO REVOLTOSO


Publicado na Folha da Noite, sábado, 5 de julho de 1924

Neste texto foi mantida a grafia original

As tropas da guarnição federal revoltam-se — Adhesão de varios batalhões da Força Publica — Assalto ao Palacio dos Campos Elyseos — Os canhões de Sant'Anna atiram contra o Palacio de Campos Elyseos — Tomada do Telegrapho Nacional e da Estação da Luz pelos sediciosos — Prisão de officiaes de policia, do general Abilio de Noronha e do dr. Antonio Lobo — A egreja do Coração de Jesus attingida por granadas — Numerosos feridos — O governo federal toma providencias para debellar o movimento — Remessa de marinheiros para S. Paulo — Aviso ao publico — Interrupção do serviço de bondes — Os trens não partem de São Paulo — Não chegaram os comboios do Rio — O telephone e o telegrapho trancados.

O movimento militar que hoje rebentou nesta capital, coincide com a data do segundo anniversario da sedição do exercito, verificada na capital da Republica, e que teve por scenario principal o forte de Copacabana. Este movimento irrompe de surpresa. A não serem os vagos boatos que, como tal, um diario carioca disse ouvir e lançou em publico, e que em nossa edição de honte transcrevemos, nada, absolutamente nada transpirou da revolta. Que fins a dirigem. É o que se está por saber. Espalham-se boatos de todas as formas ; uns affirmam que os sediciosos querem impor a demissão franceza e a liberdade dos officiaes envolvidos na revolução de Julho; outros levam a supposição mais longe, e asseguram que o momento desta capital obedece a um plano combinado, que deveria ter irrompido simultaneamente em São Paulo, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Versões varias embaralham-se. Limitamo-nos a dar ao publico o maior numero de informações fidedignas que a nossa reportagem deteve.

Ataque ao Palacio dos Campos Elyseos

Pouco mais ou menos ás 8 horas de hoje foi effectuado o ataque ao Palacio dos Campos Elyseos, residencia do presidente do Estado. Um contingente, com cerca de cem praças da guarnição do exercito nesta capital, commandado por um tenente, assaltou esse Palacio, pelos fundos, que deitam para a rua dos Guayanazes. Os assaltantes estavam armados de carabinas e duas metralhadoras o fizeram forte tiroteio contra o portão da residencia presidencial. As forças de guarda resistiram ao assalto, tendo travado cerrado tiroteio com os atacantes. As tropas revoltosas, ao cabo de quinze minutos de esforços inuteis, tiveram que retirar-se, pela forte offensiva desenvolvida pelos guardas do palacio. As duas metralhadoras foram tomadas de assalto, uma por Avelino Pedro da Silva, ajudante de motorista do sr. presidente do Estado e outra pelo soldado José Marcondes Junior, da guarnição do palacio. O muro e a guarita dos fundos apresentam innumeros vestigios de balas, calculados para cima de sessenta. Os canhões do exercito, postados no Campo de Marte, iniciaram hostilidades contra o Palacio dos Campos Elyseos, abalando com as suas detonações, todo o quarteirão. Duas casas, as de ns. 54 e 56 da alameda Barão do Rio Branco, fronteiras ao Palacio dos Campos Elyseos, foram attingidas por uma granada, sahindo para á rua um dos seus habitantes, clamando por socorro, pois que se achavam no interior della uma senhora e varias crianças feridas. A ambulancia da policia levou as victimas para o posto da Assistencia. O sr. tenente Tenorio de Brito foi visto com revólver na mão, pouco antes da hora do ataque ao Palacio, esta manhan. Os tiros de canhão repetiram-se alguns minutos depois e, tambem pouco antes do dia. Ás 13 horas e 20 minutos, mais ou menos, dois estampidos foram ouvidos. Varios tiros de metralhadora foram disparados no largo de S. Bento.

Um Aviso ao Publico

O sr. dr. Bento Bueno, secretario da Justiça, fez distribuir hoje pela manhan, por toda a cidade, boletins com a seguinte communicação e conselho ao publico: "O sr. secretario da Justiça e Segurança Publica aconselha ao povo a que se abstenha de estacionar pelas ruas, pois de um momento para outro poderá ter necessidade de agir energicamente correndo todos grave perigo. Outrosim, communica que o Rio se acha completamente calmo e que o governo Federal fez partir pela manhan de hoje, uma esquadra para Santos, conduzindo 2.100 marinheiros, que virão immediatamente para esta capital".

No Braz

Desde manhan, ainda muito cedo, quando apenas começou a se dirigir para o trabalho a multidão dos que habitam os bairros do Braz, Belém e Penha, circularam innumeros boatos de que estalára uma revolução, de que havia movimentos muito grandes de tropas, tiroteios, etc. Nada sabendo de exacto, o povo ficou numa espectativa anciosa, espalhando-se pelas ruas, commentando e observando os lados do centro. O commercio abriu as suas portas, como se nada houvesse de anormal. Pouco depois das 10 horas, entretanto, os bondes deixaram de circular e não chegavam além do Parque D. Pedro II, paralysando-se por completo a vida no populoso bairro, como de resto, em todos os pontos da cidade.

Nas Estações Ferreas

A estação da Central, no Braz, cerrou as suas portas e na estação da S. Paulo Railway soldados montavam guarda. No Parque D. Pedro II, bivaques espaçados mostravam aos olhos medrosos de muitos populares, que se dirigiam para suas residencias, as carabinas dos soldados da Força Publica, acampados.

As Ruas do Centro

Tem sido enorme o movimento das ruas do centro da cidade. Apesar dos avisos feitos pelos soldados encarregados do serviço de vigilancia, não se responsabilisando pelos successos que possam acontecer aos que quizerem passar do limite dos bairros, grupos chegam sem cessar, circulando por todas as ruas, á cata das ultimas noticias, tecendo ao mesmo tempo, os mais desencontrados commentarios sobre os possiveis e passados acontecimentos. De quando em vez uma patrulha, de armas em posição põe em debandada a multidão de curiosos, que desata a correr, sem direcção, com berreiros alarmantes.

No Largo de S. Bento

Dezenas de pessoas apinhavam-se pela manhan no largo de São Bento, observando os soldados para esse local destacados. Pela rua Florencio de Abreu, guardando a entrada, um grupo, com uma metralhadora armada, observava o bairro da Luz. Dois automoveis "Ford", tomados, constituiam uma barricada improvisada em poucos momentos. As correntes dos autos serviram para impedir a entrada da rua, estendidas entre dois postes de illuminação. A entrada do viaducto de Santa Ephigenia achava-se tambem guardada e, bem assim, a entrada da rua Libero Badaro.

O Commercio

Fecharam-se todas as casas de commercio do centro da cidade. Portas cerradas, grande movimento de pedestres, pouco movimento de autos e nenhum movimento das viaturas da Light, tudo isso dava um aspecto inedito ao centro, sempre tão bulhento e atabalhoado, impressionando as attenções sobrexcitadas pelos ultimos sucessos.

No Largo do Palacio

A praça fronteira ao palacio da presidencia e aos edificios das varias secretarias, acha-se completamente guarnecida por forças armadas e metralhadoras, tendo sido entricheirado o jardim do palacio do governo. As ambulancias e os carros de presos estão a postos, guardados por soldados de armas embaladas. No saguão da Repartição Central da policia foram distribuidas armas aos funcionarios e soldados da Secretaria da Justiça, vendo-se nelles os officiaes que se tinham conservado fieis ao governo e os srs. drs. Virgilio do Nascimento, Cantinho Filho, Egas Botelho, Carlos Pimenta, Mascarenhas Neves e Armando Ferreira da Rosa, delegados de policia. Os medicos da Assistencia e legistas tambem prestavam todo o auxilio possivel na emergencia.

O Dr. Almirio de Campos

Tendo tomado parte activa no tiroteio de hoje os drs. Sylvio e Almirio de Campos, irmãos do sr. dr. Carlos de Campos, presidente do Estado, o segundo foi ferido por bala num dos pés.

A Repercussão no Interior — Os Boatos

A noticia do movimento revolucionario está correndo celere pelo interior. Um dos nossos companheiros, em viagem de Pirajuhy para esta capital, pelo rapido da Paulista que aqui chega ás 11 horas e 6 minutos, foi um dos primeiros passageiros a saber das ocorrencias anormaes que aqui se verificaram. O trem chegava a Valinhos. As informações eram contraditórias, absurdas. Dizia-se que os motoristas desta praça haviam declarado greve com a adhesão dos empregados da Light. Outros boatos disparatados cruzavam-se, perturbando a attenção dos passageiros. A noticia verdadeira foi dada aos passageiros pelo chefe do trem, que havia estalado um movimento sedicioso das forças do exercito, juntamente com as da Força Publica. Quanto á participação destas no movimento, apontava-se como sua causa determinante o soldo infimo das praças, a missão franceza, e outros motivos igualmente imperiosos. Os viajantes, porém, tomavam-se de natural desconfiança sobre a veracidade dos sensacionaes acontecimentos.

O sr. Antonio Lobo, Presidente da Camara, Toma o Trem em Campinas e é Preso na Estação da Luz


O sr. Antonio Lobo, presidente da Camara Estadual de Deputados, embarcou hoje em Campinas, no mesmo trem em que viajava o nosso companheiro, em companhia de sua exma. familia. A conversa entre os passageiros generalisou-se, nella entrando aquelle parlamentar que, commentando as razões provaveis do movimento, sustentou a opinião de que a do soldo das praças não era plausivel, uma vez que o actual governo nada podia fazer pela melhoria da situação pecuniaria dos soldados da Força Publica, e isto porque para o anno corrente vigora o orçamento votado no governo passado. Numa anciosa espectativa, chegamos a esta capital depois de terem os passageiros escondido o dinheiro e as armas que traziam consigo. Descemos na gare da Luz. A Estação estava deserta. Nenhum carregador. Nenhum soldado. Ninguem. Subimos as escadas. No saguão principal conversavam varios soldados. Um tenente de cavallaria collocando-se na unica porta aberta, ordenou a sahida dos passageiros. Todos sahiram espantados e mais ainda ficavam ao ver o grande numero de soldados de cavallaria postados á rua José Paulino. De repente o tenente se dirigiu a alguem:
— O senhor não é o deputado Antonio Lobo?
— Sim senhor.
— Então, queira seguir-me.
E, assim, o dr. Antonio Lobo, que viera a esta capital afim de presidir amanhan á primeira sessão preparatoria do Congresso Estadual, foi conduzido para o commando geral das tropas revolucionarias, dentro de um "Ford" e acompanhado por dois soldados de policia de carabina embaladas.

Medicos presos

Foram presos pelos soldados sediciosos, que assaltaram o Hospital da Força Publica, os medicos de serviço, drs. Arlindo de Carvalho Pinto, Eugenio de Assis e Ulysses Fagundes. Os soldados em tratamento e os enfermeiros foram tambem detidos.

As Munições da Força Publica

As munições da Força Publica achavam-se depositadas no quartel do 2º batalhão. Como esse quartel, bem como os 1º e 4º foram surprehendidos na madrugada de hoje pelas tropas vindas de Sant'Anna, as munições da Força Publica cahiram em poder dos sediciosos.

O Bombardeamento

As granadas que attingiram o Lyceu do Coração de Jesus — O estado em que ficou aquelle estabelecimento

Fizemos hoje uma excursão pelos Campos Elyseos, afim de colher algumas informações interessantes. Depois de chegarmos até o começo da rua Duque de Caxias, onde uma patrulha de cavallaria impedia a passagem de quem quer que fosse, demos volta pela rua dos Andradas, verificando visualmente o panico que impera naquella zona. Era impossivel no momento passar além da rua Helvetia, porque, de quando em quando, tropas revolucionarias collocadas na alameda Cleveland disparavam. A custo chegamos á alameda Ribeiro da Silva, de onde não nos foi difficil, mau grado as ordens severas das patrulhas avançadas legaes, incumbidas de impedir o avanço de qualquer civil, attingirmos, numa corrida, a porta de entrada do Lyceu do Sagrado Coração de Jesus, que fica na esquina da alameda Nothmann com a Barão de Piracicaba. Estava á porta o padre Guilherme Meinars que, após os nossos cumprimentos e apresentação, com gentileza nos conduziu para o interior do estabelecimento, afim de verificarmos os estragos produzidos pelas granadas dos revolucionarios atiradas contra elle. A par da narração do succedido que nos ia fazendo, sem deixar de frisar a consternação causada pela explosão das granadas sobre o Lyceu, foi-nos o nosso interlocutor, de sala em sala, mostrando todos os estragos que ellas soffreram, notadamente a do primeiro anno B. que apresenta cinco furos produzidos por estilhaços; a do segundo anno gymnasial A. com um furo; a do complementar B. com dois furos, além da do primeiro anno A. onde os estragos foram mais pronunciados. Nessa sala estava sendo dada aula a cerca de 45 alumnos, quando se deu a primeira explosão, que a foi attingir. Ao que consta, não houve, por um milagre, ferido algum. A sala da typographia apresenta 28 furos no tecto e a do escriptorio, que fica na entrada no predio 7. No pateo cahiu parte da argamassa que forra o refugio lateral, tendo sido atirados estilhaços de telha e tijolos a uma distancia de 30 metros.
As granadas, segundo nos annunciou o padre Mainers, foram atiradas com um espaço de 15 minutos, tendo sido a primeira dellas a mais funesta; abriu um vão de oito metros de raio no tecto do Lyceu, sendo de presumir que tenha sido ella a que attingiu a maioria das salas que apresentam furos. Na sala da typograhpia verificamos a existencia só numa mesa de trabalho, de pequenas dimensões, de nada menos de 5 furos. Da sala do segundo anno B. em companhia do nosso informante, pudemos verificar o estrago produzido pela metralha que cahiu num predio da alameda Glette — a abertura total do telhado da casa.

A Defesa dos Campos Elyseos


O Palacio dos Campos Elyseos está guardado por grupos de soldados munidos de metralhadoras e que, para maior segurança de sua acção, formaram barricadas em cada canto da quadra em que está situado aquelle palacio. Na esquina da alameda Glette com a alameda Barão do Rio Branco estavam postados oito soldados, com uma metralhadora; na esquina da rua Guayanazes com a alameda Nothmann, 17 soldados e tres officiaes; na esquina da rua Guayanazes com a alameda Glette 12 soldados e dois officiaes e dois empregados da Compainha de Gaz, que no momento reforçavam a defesa do local com arame farpado; esquina da alameda Barão do Rio Branco, com alameda Nothmann, nove soldados e dois officiaes. Todos esses grupos de defesa estavam defendidos por paralelepípedos, taboas, colchões, arame farpado, etc.

O Segundo Ataque

Ás 16 horas houve um segundo ataque dos revoltosos. Foi atirada nova granada contra o palacio do governo, a qual chegou a attingir o palacete do dr. Ramos de Azevedo, á rua da Boa Vista.

Um dos Alumnos Ficou Ferido Gravemente

Um dos estilhaços das granadas que attingiram o Lyceu foi ferir um dos alumnos daquelle estabelecimento na altura do hombro esquerdo, parecendo ser grave o seu estado.

Uma delegacia de policia assaltada

Enquanto populares amigos do governo e parte da força que se conservava fiel se aquartellava na policia central preparada para resistir a qualquer assalto que por ventura viesse a dar-se, nos diversos pontos da cidade se registravam sangrentos encontros entre elementos legais e amotinados. Foi assim, por exemplo, cerca das 15 horas no largo da Concordia, onde está installada a Delegacia de Policia da 8.a Circumscripção, que abrange grande parte do Braz e do Belemzinho. Uma tropa de revoltosos, tomou de assalto aquella delegacia, travando tiroteio com a força do destacamento, que afinal teve de ceder entregando o edificio aos assaltantes.

O Theatro Municipal

Attendendo á subversão da ordem e á gravidade da situação presente, o dr. Firmiano Pinto, prefeito municipal, ordenou á tarde que o edificio do Theatro Municipal, onde está trabalhando uma companhia lyrica italiana se conservasse fechado até segunda ordem. Attendida essa determinação da Prefeitura o edificio passou a ser guardado na frente e nos fundos por forças que se conservam fieis ao governo.

Outro Ferido

Do ultimo assalto dos revolucionarios ao edificio dos telegraphos, foi victima o telegraphista Lino Ricci, de 22 annos de edade, solteiro, brasileiro, o qual recebeu no posto da Assistencia os socorros de que necessitava, para as graves queimaduras de polvora que havia recebido no rosto
.

Feridos

Foram medicados no Posto da Assistencia um menino, alumno do Gymnasio Coração de Jesus e uma senhora de edade. O primeiro tem o nome de Arnaldo Peters Barreto e residente em Conchas; tem fracturas da clavicula e braço direitos. Não foi possivel obter o nome da senhora ferida.

Metralhadoras aprehendidas

Por occasião do assalto dos revoltosos ao Palacio dos Campos Elyseos, a guarda daquelle predio, commandada pelo major Marcilio Franco, chefe da Casa Militar da presidencia, offereceu tenaz resistencia aos revolucionarios, conseguindo apprehender duas metralhadoras, que foram recolhidas ao jardim do palacio.

Nas repartições e nas escolas

As repartições publicas, tanto federaes como estaduaes e municipaes, não funccionaram. Houve apenas expediente nas casas de justiça. Nos grupos escolares, as aulas foram suspensas antes do meio dia.

Entrevista com o General Isidoro

No quartel do 1º batalhão da Força Publica está installado o Quartel General das forças revolucionarias, sob o comando do general reformado Isidoro Lopes. Um dos nossos companheiros, conseguindo ingresso naquelle quartel, teve occasião de palestrar ligeiramente com o general Isidoro e trocar com elle algumas impressões sobre o levante das forças. O general declarou então que o rompimento das forças do exercito tem por fim acautelar os interesses geraes espesinhados pelo que se acham á frente do governo da Republica. O movimento — accrescentou o entrevistado — tem as suas ramificações distribuidas por varios Estados do Brasil. Assim, sabido é que a guarnições de Mato Grosso, Santa Catharina, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, se acham todas envolvidas no movimento, maduramente preconcebido pelos revolucionarios.


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