O AUTOMOVEL SEMPRE QUIS MAIS RUAS


Publicado na Folha de S.Paulo - segunda-feira, 25 de janeiro de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original


Quando os primeiros automoveis da linha Mustang, da Ford, chegaram em São Paulo anos atrás, os seus proprietarios tiveram uma grande preocupação e uma satisfação equivalente. Assim que estacionavam os veiculos junto ao meio fio, numa das ruas centrais da cidade, uma pequena multidão curiosa se aglomerava em torno deles.
Enquanto, todos admiravam a beleza dos Mustangs e faziam comentarios sobre a sua potencia - pode desenvolver a velocidade de quase 300 quilometros por hora - os proprietarios saiam dos veículos um pouco orgulhosos por serem os donos de tal raridade e um pouco temerosos dos danos que a curiosidade popular poderia causar aos moderníssimos veículos.
A mesma cena foi registrada por um viajante de passagem por São Paulo, em 1898. Assim êle descreve o fascinio da população pelo primeiro automovel que surgiu na cidade: "um ajuntamento de povo na rua Direita em torno de um carro aberto de quatro rodas de borracha com dois passageiros e que se movia por si mesmo".
Um observador mais arguto certamente não daria muito valor a um automovel que pode desenvolver quase 300 quilometros por hora, mas que está impossibilitado disso, devido ao transito congestionado e a pouca extensão e largura das ruas, que transformariam, pelo menos nas cidades, a tentativa de atingir tal velocidade num risco muito grande.
Para que os automoveis possam desenvolver uma velocidade muito inferior a 300 quilometros por hora, dentro das cidades - uma media de 60 quilometros por hora já seria otima - os homens em todos os centros urbanos do mundo fazem inumeras tentativas. As obras viarias, como viadutos, pontes ou vias expressas são uma tentativa nesse sentido. Afinal, é preciso que os homens encontrem uma solução para aproveitar a capacidade dos automoveis, mas também nisso não há novidade, a melhoria das vias publicas para proporcionarem uma melhor circulação dos automoveis já era reclamada em São Paulo nos fins do seculo passado por Henrique Santos Dumont - irmão do inventor do avião - um dos primeiros proprietarios desse tipo de veículo na cidade. Dizia êle numa petição à Camara:
"O suplicante, pede isenção dos impostos sobre seu automobile, pois sendo o primeiro introdutor deste veículo na cidade, o fez com sacrificio de seus interesses e mais para dotar nossa cidade com este exemplar de veículo; portanto, após quaisquer excursões, por curtas que sejam, são necessarios dispendiosos reparos no veiculo devido a má adaptação do nosso calçamento pelo qual são sempre prejudicados os pneus das rodas. Alem disso, o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiencia e ainda não conseguiu utilizar-se de seu carro para uso normal, assim como um mobile que existe aqui não o conseguiu também".
Se Henrique Santos Dumont conseguiu isenção dos impostos sobre o seu automobile, isso não foi registrado pelos historiadores. Mas, as ruas foram melhoradas para permitir o transito dos automoveis. E se os potentes Mustangs de hoje não conseguem desenvolver no transito congestionado das cidades velocidade maior do que os lerdos automoveis de fins do seculo passado certamente a culpa não deve ser das ruas.

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