A NOVIDADE DA TV A CORES
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 23 de janeiro de 1972
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A cor vai fazer a televisão voltar a ocupar um lugar de destaque
na sala de visitas da classe media e abastada, as unicas que, pelo
menos a curto prazo, poderão transforma-la no mais novo simbolo
de status social. Aos que não puderem, nem mesmo via consorcio,
sair do já democratizado preto e branco, restará ressuscitar
a figura do tele-vizinho, tão popular na decada de 50.
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O
grande impacto da comunicação colorida |
"Se a televisão a côres tivesse nascido na década
de 50, provavelmente não teriamos a guerra do Vietnã
na década de 60".
Aparentemente enigmática, a tese é de um sociólogo
de Harvard, relator de um grupo de pesquisadores que investiga o impacto
da televisão a côres -uma revolução dentro
da revolução da TV em branco e preto- na sociedade americana.
Qual é a magica? A televisão americana, na década
de 50, fartou-se de transmitir os lances dramáticas da guerra
na Coréia. Gente matando gente e gente morrendo ou simplesmente
sangrando nas macas no meio do mato. Gente que era filho, irmão,
namorado ou vizinho do telespectador. Mas tudo em preto e branco,
o mundo cinza da própria guerra.
Com a guerra do Vietnã, década e meia depois, o canibalismo
do bicho-homem explode nos lares americanos em tôdas as côres,
a partir da côr vermelha do sangue. O sangue do filho, do irmão,
do namorado ou do vizinho do telespectador.
E transmissão ao vivo, via satélite. O pai, o irmão,
a namorada, o vizinho, todos recebem a noticia da morte, não
mais pelo mensageiro acabrunhado do govêrno, mas pelo telejornal
do dia, no intervalo de um show humoristico ou de um musical esteriopado
de Tom Jones.
O choque do sangue rubro, o trauma da informação instantânea,
via satélite, faz da televisão a côres, presente
em 23 milhões de lares americanos, uma sinistra pomba branca
da paz. A paz do asco, a paz da náusea, a paz do horror.
E tome passeata, e tome manifesto, e tome consciência de que
a Terra é de fato a "aldeia global" de McLuhan, aquela
azul-laranja que os astronautas ianques colocam inteira no vídeo
de cada alma. Pela magia da TV a côres, transmissão direta
desde o chão fôfo e o silêncio tumular da Lua.
Se
me fora permitido eleger a piada do século, piada de humor
negro, eu daria a Palma de Ouro ao diálogo-brincalhão
de Armstrong e Aldrin, primeiro par da humanidade a violar o dôce
mistério da Lua dos poetas e namorados:
- Veja
como a Terra é linda, pregada lá no céu, diz
Aldrin.
- Será que é habitada? - completa Armstrong, entre
dois sorrisos amarelos.
Habituada por animais racionais, politicamente inteligentes, moralmente
civilizados, líderes cósmicos do desolado sistema
solar? Ou por canibais de gravata, de farda ou de calça-lee?
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A
estrutura do consumo |
Se nos Estados Unidos, pioneiros do vídeo colorido, as côres
provocaram mudanças culturais importantes, inclusive no plano
psico-social e político, não conseguiram, no plano dos
hábitos de consumo, nada mais que consolidar alterações
anteriormente deflagradas por jornais, revistas e a propria TV sem
cor.
Isso
não impede que alguns estudiosos tupiniquins da comunicação
de massa vejam no ingresso do Brasil no reino encantado da televisão
a côres, a partir de março ou abril, o marco zero de
uma profunda revolução nos hábitos de consumo
e nos padrões de comportamento da população
brasileira.
Será
verdade? Nem tanto.
Primeiro:
a estrutura nacional de consumo vem sendo sacudida há muito
tempo, por fôrça da elevação dos níveis
gerais de renda e da câmara de eco dos veiculos convencionais
de comunicação. O homem colorido, do sapato à
cueca, do paletó morango à camisa abacate, do afrikan-look
ao penduricalho, cliente da butique e do supermercado, consumidor
da embalagem e do enlatado - êsse novo homem brasileiro já
está nas ruas, nos escritórios e nos salões,
bem antes da televisão a côres.
Segundo:
por um ou dois anos, no mínimo, a programação
a côres mal passará de duas horas diárias (ou
semanais) e quase sempre apelando para velhos enlatados hollywoodianos
da década de 50. E como o receptor à côres custará
em tôrno de 7 mil cruzeiros, a audiência ficará
confinada a um público de 10%, consumidor classe A, que já
consome os produtos que dependem do apêlo irresistivel das
côres. Uma chuva no molhado.
Ora,
a propaganda a côres numa televisão incipiente, de
tempo curto e público idem, submete o anunciante ao desafio
de matar rato com tiro de canhão. Não é apenas
o tempo, contado em segundos, que custa caro. Também onerosa
é a própria produção dos comerciais,
porque reclama grandes montagens, seleção adequada
de produtos afinados ao colorido e ao consumidor classe A, sem contar
a reabilitação das mensagens "ao vivo",
restabelecendo a figura da "garota-propaganda", banida
do branco e preto.
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A
afirmação dos impressos |
O Brasil chega tão atrasado ao mundo da televisão a
côres que agora pode dar-se ao luxo de meditar sôbre uma
curiosa experiência americana, provando que a televisão,
em branco e preto ou a côres, é menos poderosa do que
comumente se pensa como promotora de vendas.
Os fatos: o consumerismo liderado por Ralph Nader acabou com a propaganda
de cigarros e bebidas alcóolicas na televisão ianque.
Com isso, os anunciantes pouparam no ano passado, só em cigarros,
260-milhões de dólares. E reforçado o investimento
de propaganda em jornais e revistas de circulação nacional,
cometeram a façanha de ampliar as vendas de cigarros e bebidas
alcóolicas no país.
Na opinião do "Financial Times", de Londres, a proibição
da propaganda daqueles produtos na televisão provocou um duplo
prejuizo às emissoras: de um lado, a quebra de faturamento
estimada em meio bilhão de dólares nos dois últimos
anos; de outro, a dúvida levantada junto às agências
e anunciantes sôbre a decantada infalibilidade da televisão
como veiculo insuperável de propaganda.
O fenômeno
desencadeou recentemente uma revisão geral das verdades estabelecidas
pela "midia" nas grandes agências da Madison Avenue,
onde jornais e principalmente revistas semanais voltam a merecer
uma atenção especial como instrumentos de comunicação
publicitária de massa. Uma pesquisa da J. Walter Thompson
deu o que pensar de cada 100 estudantes, 66 assistem televisão,
73 ouvem rádio e 82 leem jornais e revistas.
Explicação:
a televisão é basicamente um veiculo de entretenimento
inconsequente e os jovens, que se divertem por conta própria,
preferem a informação e a interpretação
dos fatos, tarefa melhor desempenhada pelo jornal e pela revista.
E quanto à mensagem de vendas, aceita naturalmente no papel,
não raro agride o telespectador pela má dosagem dos
intervalos comerciais, pela repetição exaustiva e
pelo mau-gôsto da maioria dos anuncios, "cortando"
um bom filme, uma telenovela, um musical e, entre nós, até
a Missa do Galo...
Pesquisadores Americanos preocupam-se agora em saber até
que ponto o "reclame de televisão" atrai ou repele
o candidato a consumidor.
Enquanto
isso, a posição relativa dos veiculos impressos -
jornais e revistas - na repartição do bolo gigantesco
da propaganda americana, avaliado em 20 bilhões de dólares
no ano passado, registra ganhos animados. Para um declinio de 3%
do faturamento da televisão no ano passado, sobre o exercicio
de 1970, o faturamento das revistas cresceu de 6% e o dos cinco
maiores jornais do pais de 11%.
Revistas
mensais perderam terreno, é verdade, como testemunha o melancolico
fechamento da "Look", mas as publicações
semanais, informativas, acusaram avanços apreciaveis: 11%
da "Newsweek", 13% da "Time" e 18% da "U.S.
News and World Report". Algumas publicações especializadas
deram saltos espetaculares: 61% da "Family Health", 105%
da "Psychology Today" e, no campo das amenidades plastico-anatomicas,
saltos de 116% da "Penthouse" e de 121% da "Playboy".
Uma
pesquisa encomendada por grandes casas editoras dos Estados Unidos,
citada na revista "Veja" desta semana, bota mais lembra
na fogueira. A pergunta "onde você procuraria informações
sobre um fato de interesse capital", 66% responderam "na
imprensa escrita" e apenas 34% na televisão. E na questão
"onde procuraria uma analise em profundidade dos fatos capitais",
jornais e revistas obtiveram a preferencia de 38%, a televisão
de 19% e outras fontes de restante.
Mas o dado mais sintomatico da pesquisa foi este: "Que tipo
de veiculo fornece os dados mais completos num anuncio por que você
se interesse?" resultado: jornais e revistas, 45%; televisão,
9%.
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Alguma
coisa deve mudar |
A chegada das côres à televisão brasileira, não
há como negar, provocará mudanças de curto, médio
e longo prazo. De início, a reabilitação de uma
instituição nacional da década de 50: o tele-vizinho.
Não é qualquer um que pode embarcar num luxo de 7 mil
cruzeiros. A esperança da classe média está no
consórcio, diversos deles já ensaiados em São
Paulo, e no crédito direto ao consumidor, que hoje responde
por 70% das vendas de automóveis novos e usados no país.
As vendas de automóveis, de eletrodomésticos e até
de titulos do mercado de capitais poderão ser afetadas pela
"competição" do televisor a côres.
A barreira do preço pode ser atenuada, ainda por um outro fenomeno:
o da posse do receptor e côres como instrumento de afirmação
social da família, papel que o televisor em branco e preto
cedeu ao automóvel. E que o automóvel pode devolver
ao televisor a côres.
Os primeiros receptores, com lançamentos previsto par fevereiro,
terão 26 polegadas, maior que qualquer aparelho em branco e
preto. A complexidade da estrutura exige grande caixa e a miniaturização
dos componentes só poderá ocorrer quando o mercado comportar
novos investimentos da indústria nacional do ramo.
Como o sistema adotado corresponde a uma adaptação do
sistema PAL alemão, nenhum televisor importado, nem mesmo o
alemão, conseguirá capitar nossa programação
a côres. O importante é que, em qualidade cromática,
nossos televisores aceitarão comparação com os
melhores da Europa e serão seguramente mais perfeitos que os
americanos, que pagam tributo ao pioneirismo.
O receptor a côres "pega" também o programa
em preto e branco, o que pode inaugurar no Brasil, a partir dêste
ano, o mercado de "televisores usados" nas paginas de classificados
dos nossos jornais. A indústria brasileira acredita que as
vendas crescerão rapidamente a partir do primeiro semestre
de 1974 e não antes disso. Por um motivo simples: a transmissão
direta, via satélite, a côres, dos jogos do Brasil na
Copa do Mundo de 1974, na Alemanha.
Na Alemanha Ocidental, com renda por habitante oito vêzes maior
que a nossa, a televisão a côres está presente
em apenas 30% dos lares. Mas as vendas começam a reagir de
modo fulminante neste inicio de ano: o apêlo irresistível
dos Jogos Olímpicos de Munique. (J. B.)
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