A concessão de vastas áreas da Amazônia às
emprêsas Ford levantou, em todo o País, quando se efetivou,
uma onda natural de protestos. Era um êrro imperdoável,
porquanto criava, dentro do organismo nacional, um quisto perigoso,
no qual se enxergava uma ameaça possível à
nossa soberania. Durante mais de quinze anos, aquela emprêsa
aplicou, na região que lhe fôra cedida para exploração
da cultura da borracha, grandes importâncias, quer no respectivo
saneamento, quer nas plantações de milhões
de árvores e na escolha dos tipos mais indicados para um
cultura racional. Agora, o Govêrno Federal vai adquirir essas
propriedades por quantia insignificante. Com efeito, as emprêsas
Ford ofereceram às autoridades brasileiras todo o acervo
das suas concessões na Amazônia por cinco milhões
de cruzeiros, e essa proposta já foi aceita. Voltam, pois,
para o patrimônio nacional essas áreas que tantas inquietações
determinaram há cêrca de quinze anos, ou pouco mais.
É possível que o desinterêsse agora manifestado
pela emprêsa concessionária - e de modo tão
simpático expresso na sua proposta, que é mais de
devolução do que de venda - esteja ligado às
perspectivas que a guerra abriu à borracha sintética.
Não tendo mais necessidade de assegurar ao abastecimento
de suas indústrias a borracha natural, a que evidentemente
visava com a concessão solicitada, devolve ela ao Brasil,
por importância que mais corresponde a uma doação
do que a uma venda, as terras em que, durante anos, procurou criar
um centro de abastecimento de fácil acesso. O problema está,
portanto, ligado diretamente ao futuro da borracha, como uma das
riquezas de que o Brasil já teve e que lamentàvelmente
perdeu, através de uma política econômica vesga
e displicente.
Nos primeiros anos dêste século, o Brasil era, com
efeito, o único detentor de tôda a borracha de que
o mundo necessitava. Foi o periodo áureo da Amazônia,
onde o apogeu da borracha formou, nessa ocasião, um grande
centro de riqueza. Não soubemos, contudo, manter íntegro
o privilégio que a natureza concedia ao nosso território.
Quando as primeiras mudas da seringueira foram sobrepticiamente
transplantadas para as ilhas do Pacífico e aí cultivadas
com espírito científico e com orientação
segura, verificamos que não poderíamos manter mais
os velhos mercados, porque continuávamos a explorar essa
riqueza sem o mesmo espírito de organização.
E desde então ficou marcada a decadência da Amazônia.
A experiência de cultura racional da borracha, realizada nas
suas concessões pelas emprêsas Ford, deve representar
para nós uma lição, que não poderemos
deixar morrer. Nessas concessões, de acôrdo com o decidido
pelo Govêrno Federal, vai ser agora instalada uma grande estação
experimental de agricultura tropical. E é indispensável
que não voltemos a cruzar os braços diante dessa riqueza
latente, só porque possivelmente a borracha sintética
poderá ser uma concorrente da borracha natural. Não
nos esquecemos dos erros do passado, quando, em lugar de fazer culturas
racionais e cientificamente orientadas da seringueira, no seu habitat
natural, nos contentávamos em colhêr, nas florestas
amazônicas, o latex das árvores dispersas. A derrota
da borracha brasileira, nessa ocasião, devemo-la, exclusivamente,
à nossa inércia.
Não a repitamos agora. Se a borracha natural é, para
a borracha cientificamente produzida, uma concorrente tão
perigosa como esta para a do cultivo empírico, não
nos deixemos abater por isso. Façamos dos trabalhos executados
nas concessões Ford, agora pertencentes ao patrimônio
nacional, um exemplo para a obra indispensável de incorporação
da Amazônia ao organismo econômico do Brasil. Não
nos esqueçamos da advertência de Euclides da Cunha,
ante as riquezas latentes daquela região, quando anunciava
que "a Amazônia é a última página,
ainda a escrever-se, do Gênesis".
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