O FUTURO DA AMAZÔNIA


Publicado na Folha da Manhã, terça-feira, 18 de dezembro de 1945

Neste texto foi mantida a grafia original

A concessão de vastas áreas da Amazônia às emprêsas Ford levantou, em todo o País, quando se efetivou, uma onda natural de protestos. Era um êrro imperdoável, porquanto criava, dentro do organismo nacional, um quisto perigoso, no qual se enxergava uma ameaça possível à nossa soberania. Durante mais de quinze anos, aquela emprêsa aplicou, na região que lhe fôra cedida para exploração da cultura da borracha, grandes importâncias, quer no respectivo saneamento, quer nas plantações de milhões de árvores e na escolha dos tipos mais indicados para um cultura racional. Agora, o Govêrno Federal vai adquirir essas propriedades por quantia insignificante. Com efeito, as emprêsas Ford ofereceram às autoridades brasileiras todo o acervo das suas concessões na Amazônia por cinco milhões de cruzeiros, e essa proposta já foi aceita. Voltam, pois, para o patrimônio nacional essas áreas que tantas inquietações determinaram há cêrca de quinze anos, ou pouco mais.
É possível que o desinterêsse agora manifestado pela emprêsa concessionária - e de modo tão simpático expresso na sua proposta, que é mais de devolução do que de venda - esteja ligado às perspectivas que a guerra abriu à borracha sintética. Não tendo mais necessidade de assegurar ao abastecimento de suas indústrias a borracha natural, a que evidentemente visava com a concessão solicitada, devolve ela ao Brasil, por importância que mais corresponde a uma doação do que a uma venda, as terras em que, durante anos, procurou criar um centro de abastecimento de fácil acesso. O problema está, portanto, ligado diretamente ao futuro da borracha, como uma das riquezas de que o Brasil já teve e que lamentàvelmente perdeu, através de uma política econômica vesga e displicente.
Nos primeiros anos dêste século, o Brasil era, com efeito, o único detentor de tôda a borracha de que o mundo necessitava. Foi o periodo áureo da Amazônia, onde o apogeu da borracha formou, nessa ocasião, um grande centro de riqueza. Não soubemos, contudo, manter íntegro o privilégio que a natureza concedia ao nosso território. Quando as primeiras mudas da seringueira foram sobrepticiamente transplantadas para as ilhas do Pacífico e aí cultivadas com espírito científico e com orientação segura, verificamos que não poderíamos manter mais os velhos mercados, porque continuávamos a explorar essa riqueza sem o mesmo espírito de organização. E desde então ficou marcada a decadência da Amazônia.
A experiência de cultura racional da borracha, realizada nas suas concessões pelas emprêsas Ford, deve representar para nós uma lição, que não poderemos deixar morrer. Nessas concessões, de acôrdo com o decidido pelo Govêrno Federal, vai ser agora instalada uma grande estação experimental de agricultura tropical. E é indispensável que não voltemos a cruzar os braços diante dessa riqueza latente, só porque possivelmente a borracha sintética poderá ser uma concorrente da borracha natural. Não nos esquecemos dos erros do passado, quando, em lugar de fazer culturas racionais e cientificamente orientadas da seringueira, no seu habitat natural, nos contentávamos em colhêr, nas florestas amazônicas, o latex das árvores dispersas. A derrota da borracha brasileira, nessa ocasião, devemo-la, exclusivamente, à nossa inércia.
Não a repitamos agora. Se a borracha natural é, para a borracha cientificamente produzida, uma concorrente tão perigosa como esta para a do cultivo empírico, não nos deixemos abater por isso. Façamos dos trabalhos executados nas concessões Ford, agora pertencentes ao patrimônio nacional, um exemplo para a obra indispensável de incorporação da Amazônia ao organismo econômico do Brasil. Não nos esqueçamos da advertência de Euclides da Cunha, ante as riquezas latentes daquela região, quando anunciava que "a Amazônia é a última página, ainda a escrever-se, do Gênesis".


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