CHOQUE DO PLANO COLLOR É O MAIOR DE TODA A HISTÓRIA


Governo retém 80% do over e limita a 50 mil saque bancário e da poupança

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 17 de março de 1990

O presidente da República, Fernando Collor, aplicou ontem o maior choque da história da economia do país. O plano foi encaminhado de manhã ao Congresso Nacional, na forma de um pacote de 17 medidas provisórias que impõem mudanças profundas e abrangentes. Ao apresentá-las na primeira reunião ministerial, no início da manhã, o presidente disse: "Estou cumprindo no primeiro dia do meu mandato meu compromisso de não pactuar com a injustiça desde o começo". Depois, seguido dos ministros, Collor foi a pé do Palácio do Planalto até o Congresso, onde entregou o plano ao presidente do Senado, senador Nelson Carneiro.
O Plano Collor atinge de frente as aplicações no setor financeiro. Os saques das cadernetas de poupança e das contas correntes ficam limitados a 50 mil cruzeiros (moeda que substituirá o cruzado novo ao par, sem mudança de zeros). No overnight, o saque está limitado a 25 mil cruzeiros ou a 20% do saldo total. Em todos estes casos, o que excede os limites ficará retido no Banco Central e será devolvido após 18 meses com correção monetária e juros anuais de 6%. A retirada deste restante antes do prazo pode ocorrer, mas apenas através de leilões, com deságio. O câmbio será flutuante, fixado pelo mercado. Reduzem-se as barreiras à importação. "A livre iniciativa é a única via para um crescimento sustentado e progressista", disse Collor aos ministros.
O choque, detalhado à tarde numa tumultuada entrevista da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, inclui também medidas fiscais. Haverá aumento do IPI e tributação sobre renda agrícola, lucros com ações e operações com ouro. Serão extintas 11 empresas estatais. Segundo Zélia, o objetivo do plano e das reformas administrativa e patrimonial é zerar o atual déficit público de 8% do PIB e obter um superávit de 2% este ano.

Collor faz o maior choque e revoluciona toda a economia

Clóvis Rossi


O presidente Fernando Collor baixou ontem um pacote econômico que mexerá com cerca de US$ 35 bilhões (10% do Produto Interno Bruto) e revoluciona toda a economia a tal ponto que ninguém, exceto os membros da equipe econômica, tinha certeza de seus efeitos globais a médio e longo prazo.
Os US$ 35 bilhões virão da decisão do governo de passar de um déficit público calculado hoje em 8% do PIB para um superávit de 2% do PIB, o que dá 10% de toda a riqueza nacional se movimentando rumo aos cofres do governo. Para chegar a esse resultado, o governo iniciou uma reforma administrativa, lançou um plano de privatização de empresas estatais e fez uma violenta mudança tributária.
A mexida nos tributos é tão profunda que não poupa sequer a caderneta de poupança: os saques na poupança estão limitados agora a NCz$ 50 mil. Quem tiver mais do que isso na poupança, terá o excedente retido por 18 meses no Banco Central, rendendo o mesmo que rende hoje.
A profundidade do choque foi tanta que dois dos principais centros empresariais do país preferiram cancelar as entrevistas à mídia previstas para ontem: a Fiesp e a Febraban acharam mais prudente silenciar, sob a alegação de que necessitavam estudar mais a fundo as medidas. Na outra ponta, no movimento sindical, a reação era de irritação por causa do desaparecimento da inflação de março dos reajustes salariais.
No Congresso Nacional, que terá de votar as medidas provisórias que contêm parte das medidas, a perplexidade foi a mesma, especialmente nos partidos que formam a base de sustentação parlamentar do governo Collor. O senador Roberto Campos (MT), líder do PDS no Senado, expôs suas objeções no ato, chegando a discutir com a ministra Zélia Cardoso de Mello durante a apresentação do pacote aos líderes partidários, feita a partir das 7h de ontem.
A inquietação instalou-se no comércio, mas por outro motivo: a perspectiva de recessão. O pacote contém o que a própria equipe econômica define como "brutal enxugamento da liquidez", o que fará com que ninguém tenha dinheiro para comprar. Eduardo Modiano, um dos ideólogos do plano e presidente do BNDES, diz que é essa exatamente a intenção do governo: "É para não comprar mesmo". O economista Antônio Kandir, secretário de Economia do novo superministério da Economia, reforçou: "Haverá uma parada da economia no primeiro momento". Mas a equipe econômica garante em coro que, ajustados os preços, a economia se estabiliza e não haverá recessão em 1990.
Para os economistas do governo, uma das principais falhas dos planos anteriores foi justamente a explosão de consumo em função do congelamento de preços. O governo Collor também recorreu ao congelamento, mas com outro nome: os preços voltam ao patamar vigente no último dia 12 e não devem se movimentar até 15 de abril. A Sunab deve divulgar hoje tabelas de preços. Mas o congelamento não é rígido: quem quiser aumentar preços, submete seu pedido ao Ministério da Economia, que o aprovará ou não.
Para Kandir, a conta do ajustamento econômico será paga fundamentalmente pelos aplicadores no mercado financeiro. O economista acha que ganham os assalariados, que sempre perdem com inflação alta, e o Estado, que recupera o vigor.
Mas a equipe econômica deixou claro que o sucesso do plano depende da confiança da sociedade nele. Sob esse aspecto psicológico, o lançamento do plano foi desastrado: suas linhas mestras foram anunciadas em rede nacional de TV pelo próprio presidente. Collor omitiu detalhes como a punição à poupança, que só vieram a público quando Zélia e seus assessores deram, à tarde, entrevista coletiva também transmitida em rede nacional. Mas a equipe econômica não conseguiu tirar todas as dúvidas.
Ainda assim, Zélia não tem dúvidas de que o Congresso aprovará as medidas, por ela definidas como "coerentes e que defendem os interesses da classe trabalhadora e penalizam os especuladores e sonegadores". Para a ministra e seus assessores, a dureza do pacote era inevitável. "A alternativa era hiperinflação", diz Zélia.

 

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