NO DELIRIO CÉGO DA ESTABILISAÇÃO
Todo ouro é pouco para a realisação
do plano financeiro do governo
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Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira, 11 de abril de 1928
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Allegando não poder sobrecarregar a verba ouro, que parece
estar exgottada já nos seus recursos, o ministerio da Marinha
communicou à imprensa ter aconselhado o regresso, ao Brasil,
da tripulação que havia ido à Italia buscar o
super-submersivel "Humaytá", sob o pretexto de que
o acabamento do mesmo está demorando muito.
À primeira vista - e para quem, lendo essa noticia, não
se detiver em analysal-a - a medida posta em pratica pelo almirante
Pinto da Luz parece da mais recommendavel applicação,
porque forra o thesouro de gastos inuteis e excessivos. Mas, si se
attender, rapidamente embora, no onus real que ella representa, só
ha motivos para condemnal-a, visto que a mesma, não traduzindo,
em absoluto, a causa verdadeira desse retorno, ainda se extrema em
gastos sem duvida muito maiores do que aquelles que a referida guarnição
faria se permanecesse na Italia.
Os argumentos de provas são faceis.
Admittamos que aquella unidade de guerra só possa ficar concluida
daqui a um mez e que, durante esse tempo, a tripulação
brasileira teria de ficar hospedada e, portanto, fazendo despesas
na patria do sr. Mussolini. Não sahiria ainda assim, esta hospedagem,
bem mais barata ao governo do que uma viagem agora, e outra depois,
quando estiver afinal concluido o submarino?
Sem duvida. A não ser que este, estando apenas começado,
leve ainda um anno, ou mais, para ser concluido...
Esta hypothese torna-se, porém, inadmissivel, sabido como a
tripulação nacional partiu para a Italia, afim de conduzir
à bahia de Guanabara a nova unidade de guerra, tão sómente
depois que o governo recebera communicação de que a
mesma estava concluida.
Nem mesmo seria admissivel outra coisa.
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A
verdadeira causa do retorno |
A verdadeira causa do retorno, porém, é outra. Prende-se
directamente à politica de parcimonia nos gastos, que o sr.
Washington Luis iniciou nestes ultimos tempos e visa não deixar
sahir, dos cofres da nação, nem um ceitil, afim de que
a estabilisação financeira do paiz possa ser feita no
desafôgo com que o chefe da nação vem sonhando
desde que empolgou as redeas do governo.
Esta evidencia, aliás, resalta dos olhos do menos analysta.
Bastará reparar na facilidade com que o governo tem sanccionado
todos os emprestimos estaduaes. Elles se multiplicam de dia para dia,
com uma frequencia verdadeiramente espantosa para a época difficil
que atravessamos, e não sendo mais, a fazel-os, as grandes
unidades de recursos proprios - capazes, por si sós, de arcar
com o compromisso - mas egualmente as menores representações
da nossa geographia politica, as quaes se afógam na ruina futura
e inevitavel de um juro que lhes ha de levar o melhor das suas energias
productivas.
A cegueira obstinada do governo da Republica, no que respeita ao problema
da estabilisação, não atina com a situação
angustiosa que se prepara ao futuro economico do Brasil. Comtanto
que, de momento, o seu plano attinja os fins visados, pouco importa
o que virá depois. O essencial é defender o prestigio
do erro official, que deve dar a convicção de ser a
unica panacéa salvadora para o momento financeiro, afflictissimo,
consagrando o nome do heroe que o perpetra, como um illuminado!
O ouro que vem, fica. Os Estados que lançaram emprestimos no
extrangeiro recebem, do Thesouro Federal, o correspondente em papel
- que é mais - mas já desvalorisado na operação.
Quanto aos compromissos ainda não ultimados, como esse da Italia,
com o submersivel "Humaytá", ficam suspensos, ou
são desfeitos, porque o regime decretado pelo sr. Washington
Luis é o de apertar cada vez mais os cordões da bolsa.
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Uma
versão que corre como certa |
Diante da allegação, evidentemente mal arranjada, do
ministerio da Marinha, para justificar o regresso, ordenado à
ultima hora, da tripulação que foi aos estaleiros de
Spezia com o fim de trazer aquelle submarino, corre uma versão,
tida como verdadeira, que está surprehendendo desagradavelmente
a opinião publica. Essa versão affirma, por exemplo,
que não querendo arcar com tal compromisso, no seu governo,
o sr. Washington Luis teria proposto à Italia ficar ella com
a poderosa unidade de guerra, recebendo o Brasil os adiantamentos
já feito e desmanchando-se dess'arte os contractos negociados
entre os dois paizes para a construção do "Humaytá".
- Mas, qual a razão? - perguntar-se-á.
- A razão é ainda a estabilisação. O governo
acha que todo ouro lhe é indispensavel para levar à
realidade o seu sonho financeiro. Os nossos inimigos armam-se, aumentando
a sua frota de guerra e os seus exercitos? Isso não tem importancia.
O essencial é lançar o "Cruzeiro".
Não fica bem, a um paiz de projecção internacional
como o Brasil, voltar atraz dos compromissos assumidos, desfazendo
contractos realizados em nome de sua soberania? Isso não vale
nada. O indispensavel é demonstrar que o sr. Washington Luis
é um "bicho" na finança!
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O
destino do "arame" |
Ha quem affirme, diante de todos estes factos, que tão depressa
esteja posta em execução a estabilisação
projectada, o Cattete dará o seu ultimo golpe neste jogo de
malabarismos indecifraveis que tem sido o governo do homem de Macahé.
- E qual será esse golpe? - quizemos saber.
- Não advinhou, não? A indicação immediata
do sr. Julio Prestes para lhe succeder no cargo.
- Uma coisa autorisa a outra - continua a pessoa a quem nos dirigimos.
- O paiz, apparentemente desafogado da crise que neste momento o oprime,
pelo desafogo ephemero dos valores circulantes, será capaz
de endeusar então, com a sua sympathia, o malabarista disfarçado
em financeiro. S. exa., de resto, só espera esse momento feliz
para impôr o seu candidato.
- Mas, isso é o mesmo que affirmar, por meios indirectos embora,
que o ouro da estabilisação vae servir, de algum modo,
para a campanha da successão presidencial!...
- E você admira-se? Pois, olhe, o contrario é que seria
para causar espanto...
Esperemos o desenrolar da grande farça - para, afinal, lhe
conhecermos o fim.
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