CELSO FURTADO COMENTA A INDUSTRIALIZAÇÃO
BRASILEIRA
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Publicado
na Folha de S. Paulo, domingo, 4 de agosto de 1974
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LONTRA COSTA
Da Sucursal do Rio |
"Tudo o que tenho a dizer está no meu livro "O Mito
do Desenvolvimento Economico", que acaba de ser lançado
no Brasil".
O professor e economista Celso Furtado, entretanto, não se
recusou a manter uma conversa informal com o reporter. Hospedado na
casa de uma irmã em Ipanema, falou à vontade com a "Folha
de S.Paulo" sobre todos os assuntos que foram surgindo naturalmente,
durante a conversa.
A uma referencia de nova orientação de política
economica no Brasil atual, inclusive a aceitação de
novas opções por parte do governo, o professor Celso
Furtado explicou que a longa ausencia do Brasil o impediu de estar
a par de todas as medidas em detalhes. Mas está ciente da transferencia
dos recursos do PIS e do PASEP para a administração
do BNDE com a finalidade anunciada de apoiar as industrias nacionais
no setor de máquinas e equipamentos, insumos básicos,
redução do prazo de financiamento dos bens de consumo
durável, prioridade nas encomendas estatais para empresas nacionais
produtoras de bens de capital.
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INDUSTRIALIZAÇÃO |
Como resultado das informações de que o governo considera
como indices comprobatorios de "maioridade economica" os
do grau de independencia da industria de bens de capital (máquinas
e equipamentos), bem como a notícia de que houve um aumento
de 132% nas importações brasileiras durante o primeiro
semestre deste ano, em relação ao ano passado, sendo
que o maior peso na pauta de importações foi o referente
a equipamentos, Celso Furtado disse o seguinte:
Me parece, que esta é uma tendencia crescente na importação
de bens de capital, enquanto o processo de industrialização
brasileira se fizer sob os "standards" fixados pelas grandes
empresas multinacionais. É um centro de decisão fora
do país, que está no mundo e que planifica para o conjunto
do sistema.
Não se trata mais no Brasil de substituição de
importações. A substituição de importações
é uma forma de industrialização que corresponde
a uma certa fase, não necessariamente, mas que corresponde
a uma fase brasileira. Uma das caracteristicas da industrialização
baseada na substituição das importações
é que ela se faz fundamentalmente à base das máquinas
e equipamentos (bens de capital).
Esta é uma industria, quase sempre protegida, de custos e preços
altos, e, por exemplo, apta para exportação. Se houve
necessidade posterior, mais recentemente, de toda uma série
de esforços, subsídios etc. para exportação
de manufaturas no Brasil foi exatamente para corrigir o que tinha
acontecido na época da substituição das importações.
No sistema industrial brasileiro, que cresceu em todo seu setor mais
moderno - setor de tecnologia mais avançada - controlado por
subsidiarias de empresas estrangeiras, na medida em que esse processo
avança é natural que as importações de
equipamento tendam a aumentar. Porque as grandes empresas não
planejam a expansão das suas subsidiárias isoladamente
do conjunto da empresa.
Uma grande empresa planeja a sua expansão em escala global
e dentro dessa expansão global, internacional, a grande empresa
considera o caso da subsidiária, da filial, naquele determinado
país, Brasil, Turquia etc. Claro que ela procura se equipar
em toda parte com os equipamentos mais avançados, e trata de
comprar esses equipamentos onde eles são mais baratos. É
natural que ela relute em comprar a preços relativamente elevados,
a preços mais altos, dentro de uma economia protegida. Pois
assim a sua subsidiaria se desclassificaria exatamente para as exportações.
Por outro lado, como ela compra equipamentos em grande escala e ela
planeja e desenha a longo prazo a sua expansão, ela vai procurar
adquirir os equipamentos nas melhores condições possiveis,
com contratos, tendo em vista não apenas os equipamentos de
hoje, mas com vistas ao futuro. Isto de uma maneira geral. É
natural, por exemplo, para certos tipos de equipamentos que são
produzidos em serie, que se podem adquirir no mercado, que constam
dos catálogos; nesse caso a situação passa a
ser estritamente de preços, como é o caso dos equipamentos
que são financiados pelos bancos internacionais, pelo Banco
Mundial. Quando se compra uma turbina, ou um gerador, financiado pelo
Banco Mundial, a licitação é feita internacionalmente
e o Banco Mundial exige que a compra se efetue onde o preço
é mais barato. Pode ser no Japão, pode ser na Suiça,
pode ser onde seja, inclusive no Brasil.
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EQUIPAMENTOS |
O problema se coloca de outra forma, hoje em dia, no que diz respeito
aos equipamentos. No passado o problema se colocava numa industria
para produzir a qualquer preço, porque era protegida. Estou
me referindo a isso sem discutir concretamente a situação
brasileira. O fato é que essa situação tende
a criar uma demanda crescente de equipamentos importados dentro
de sua expansão. Tal como estamos vendo hoje. Isso não
exclui a hipotese, dentro dos quadros de uma política de
governo, de que se desenvolva muito mais a produção
de equipamentos no Brasil, mas é claro que isto será
sempre dentro dos "standars" internacionais. Afinal de
contas, é obvio que os custos dos equipamentos definem os
preços finais da industria.
Se existe toda essa pressão, no balanço de pagamentos
é porque esse setor da industria de máquinas e equipamentos
se atrasou. É bom lembrar que o Brasil, antes deste surto
industrial dos últimos cinco anos, já produzia naquela
época, pelo menos era o que se calculava, 70% dos equipamentos
que usava. Hoje em dia essa cifra já deve ter sido diminuida.
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TECNOLOGIA
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Conheço industria de bens de equipamento, no Brasil, que
tem tecnologia própria - prosseguiu o professor Celso Furtado.
Tecnologia aliás é um outro assunto. Quase que por
definição, ela é internacional. De uma maneira
geral o grosso da tecnologia que utilizamos é estrangeira,
ela vem de fora, seja sob a forma de licença, seja sob a
forma de equipamento diretamente enviado das filiais estrangeiras.
Quanto se paga por essa tecnologia importada, isto já é
outro problema.
Por sinal, é muito dificil medir-se o preço dessa
importação, porque as empresas têm varias maneiras
indiretas de ocultar, através do que chamam contratos de
assistencia tecnica e outras formas indiretas de pagar tecnologia.
Quando muito, os especialistas sabem aproximadamente esse preço,
em casos de equipamentos sob encomenda que constituem casos únicos,
isolados, caracterizados no desenho do modelo do equipamento, com
caracteristicas proprias e exclusivas.
Tais preços permitem uma serie de transações
ocultas, sabidamente, e as grandes empresas sabem que, com as importações
de tais equipamentos, se consegue mais facilmente o subfaturamento
ou o sobrefaturamento, uma maneira mais facil de tirar e botar dinheiro.
E é assim que se faz a transferencia de renda. Não
se pode controlar isso senão de uma maneira muito geral.
Nessa importação de equipamentos e máquinas
existe um dos canais principais de transferencia oculta de renda.
Por isso, as grandes empresas, é natural, defendem esses
canais abertos.
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