A GUARDA ABRE FOGO CONTRA INVASORES; UM MORTO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 31 de março
de 1987
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Um conflito na zona leste de São Paulo, na tarde de ontem,
entre Guarda Civil Metropolitana e invasores de terrenos provocou
a morte do pedreiro Adão Manoel da Silva, 29 (baleado na cabeça),
e ferimentos em pelo menos dez outras pessoas.
Um contingente de cerca de 150 guardas metropolitanos, por determinação
do prefeito interino Antonio Sampaio, tentou desalojar os invasores
que há três semanas ocupam área da Prefeitura
(destinada a uma creche) no Itaim Paulista. Segundo Fernando Pupo,
da Executiva estadual do PC do B, e membros do Movimento dos Sem-Terra
(ligado à Igreja Católica e ao PT), que organizam as
invasões, os guardas espancaram invasores e foram apedrejados,
atirando em seguida. Os primeiros disparos teriam sido feitos por
três homens em trajes civis saídos de um Opala, segundo
invasores. Na versão da Guarda, seus homens foram recebidos
com pedradas, pauladas e tiros. Oficiais da Guarda disseram ter sido
usadas apenas balas de festim. O prefeito interino não quis
comentar o incidente. O governador Orestes Quércia afirmou
não ter solicitado ao prefeito que a Guarda agisse. O secretário
estadual da Segurança, Luiz Antônio Fleury Filho, determinou
abertura de inquérito e que a Prefeitura retirasse a Guarda
das áreas invadidas. Suspendeu ainda a ação da
Polícia Militar. Quércia], porém, afirmou que
"a morte desse invasor não vai alterar de jeito nenhum
minhas determinações para a Polícia Militar".
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Sem-terra
morre baleado durante operação da Guarda |
Da Reportagem Local
Um
homem morreu baleado - o pedreiro Adão Manoel da Silva, 29
- e pelo menos dez outras pessoas ficaram feridas, no começo
da tarde de ontem, durante conflito na zona leste de São
Paulo, quando um contingente de cerca de 150 guardas metropolitanos
tentou desalojar os invasores que há três semanas ocupam
a área que a Prefeitura vinha destinando à construção
de uma creche, junto à avenida Dom João Neri, no Jardim
Nazaré, região de Itaim Paulista.
Os guardas chegaram ao local entre 11h30 e 12h, transportados em
caminhões e em ônibus da CMTC. Segundo relato de dirigentes
regionais do Partido Comunista do Brasil (PC do B) - que organiza
a ação de parte dos invasores - transmitido pelo presidente
estadual do partido, Fernando Pupo, e de acordo com afirmações
de membros do Movimento dos Sem-Terra que têm sede na Paróquia
Nossa Senhora de Fátima, no vizinho bairro do Curuçá,
os policiais teriam espancado alguns dos invasores e foram apedrejados,
iniciando então os disparos.
Divididos em dois grupos, os guardas metropolitanos sacaram seus
revólveres e apontaram para o alto quando os invasores se
aproximaram, num trecho do terreno levemente inclinado. Quando recuavam
desordenadamente, em direção aos vizinhos, os moradores
avançaram, no mesmo sentido, atirando pedras. A cerca de
cinquenta metros, os policiais se reagruparam e ocorreu o conflito.
Os tiros teriam partido inicialmente de três homens em trajes
civis que desembarcaram de um Opala Comodoro na rua Plácido
Parreira de Lima, que da acesso ao terreno em litígio. Dois
deles usavam jaquetas "jeans" e calças azuis, enquanto
o terceiro se destacava por usar uma jaqueta listrada de branco
e vermelho, segundo a moradora Nanci Arboc, 38. "Depois que
eles atiraram, todos os outros começaram também. Um
soldado pedia pelo amor de Deus para eles pararem, mas o comandante
mandava atirar", diz a testemunha.
Adão Manoel da Silva ficou caído entre os guardas
e os invasores. Levado primeiro ao Pronto-Socorro de Vila Iolanda,
a cerca de 4 km do local do conflito, constatou-se que tinha um
ferimento a bala na cabeça. Transferido para o Hospital Tide
Satúbal, no Tatuapé, e em seguida para o Hospital
das Clínicas, morreu na ambulância. Seu corpo foi levado
de volta ao Hospital Tide Setúbal, onde ficaria até
a manhã de hoje.
O pedreiro morto, que era casado e tinha quatro filhos, morava até
o mês passado em uma casa alugada no bairro de Guaianazes,
também na zona leste, pela qual pagava Cz$ 800,00. Segundo
a viúva Ana Maria Santos Silva, 28, grávida de quatro
meses, Adão Manoel da Silva começaria a trabalhar
amanhã, após ter ficado quinze dias sem emprego.
Os guardas metropolitanos foram transportados, após o conflito,
para a sede regional da Secretaria da Defesa Social, no parque do
Carmo. Enquanto isso, os invasores juntaram pedras e pedaços
de pau para organizar a resistência a uma possível
nova investida. "Se eles voltarem de novo, vai ter muita morte.
Não é o que a gente quer, mas foram eles que começaram",
dizia no final da tarde Armando Silva, 37, um dos coordenadores
do movimento.
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Sampaio,
que ordenou a ação, nada fala |
O prefeito interino de São Paulo, Antonio Sampaio, que havia
determinado à Guarda Metropolitana, na noite da última
quinta-feira, que agisse contra invasões em áreas municipais,
não manifestou ontem sobre o incidente que causou a morte de
Adão Manoel da Silva, pois está aguardando maiores informações,
segundo o secretário particular e assessor de imprensa da Prefeitura,
Roberto Abraão. No final da tarde, Sampaio determinou a instauração
de sindicância para apurar os fatos e o envolvimento de pessoal
da Prefeitura no Jardim Nazaré, onde Silva foi morto com um
tiro.
O prefeito nomeou uma comissão especial - formada por Dílson
Ferraz do Valle de Lourdes Elisabeth Camargo Gonçalves da Silva
(procuradores da Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos)
e pelo tenente Roberto Toscano, da Assistência Militar do Gabinete
do Prefeito - que tem prazo de 72 horas para apresentar um relatório
preliminar dos acontecimentos. Essa comissão deverá
também propor as medidas administrativas cabíveis.
O setor de Comunicações e Relações Públicas
da Guarda Civil Metropolitana negou, no final da tarde de ontem, a
possibilidade de o tiro que matou Adão Manoel da Silva ter
partido de alguma das armas dos 150 homens da corporação
que se encontravam no local. Segundo o órgão, todos
os homens portavam armas Taurus ou Rossi calibre 38 especial, carregadas
apenas com balas de festim.
Na versão da Guarda, seus homens foram recebidos com pedradas,
pauladas e até tiros, pelos cerca de 1.500 invasores. O próprio
comandante do órgão, José Ávila da Rocha,
teria sido atingido por uma pedrada no queixo. Dois carros da Guarda
Metropolitana perfurados a bala deverão passar por perícia
técnica no 50° DP, segundo o setor de Comunicações,
que afirmou estarem os policiais exercendo apenas sua função
de defesa do patrimônio da Prefeitura, visto que os invasores
estavam em terreno municipal.
Os homens da Guarda têm autorização da secretaria
de Segurança Pública do Estado para portar arma mas
o órgão municipal afirma que, neste caso, todos usavam,
"para intimidar", apenas revólveres com tarja branca,
indicando que só possuem balas de festim.
O secretário municipal de Defesa Social de São Paulo,
Renato Tuma, a quem está subordinada a Guarda Metropolitana,
afirmou ontem, às 18h40, não ter autorizado o uso de
violência por parte dos trezentos homens da corporação
envolvidos no conflito ocorrido ontem. "Até este momento
não recebi o relatório dos acontecimentos, e só
após a apresentação dos fatos pelos comandantes
da operação é que poderei adotar qualquer medida.
Mas já soube que invasores trocaram tiros entre si, e não
tenho informações da presença de nossos agentes
no tiroteio", afirmou.
Segundo Renato Tuma, três integrantes da Guarda foram feridos
e o automóvel do inspetor Godói, que comandava a operação
na área, foi atingido por dois disparos. Ele disse que "todo
excesso ou ação violenta de qualquer dos nossos homens
será punido com suspensão ou exoneração,
conforme sua gravidade". Às 17h, atendendo solicitação
do secretário estadual de Segurança Pública,
Antônio Fleury Filho, ao prefeito interino Antonio Sampaio,
Tuma retirara a Guarda Metropolitana do atendimento a qualquer ocorrência
envolvimento invasores de terras.
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Fleury
manda PM sair; Quércia afirma que a ação vai
continuar |
O secretário estadual da Segurança Pública, Luiz
Antônio Fleury Filho, 38, determinou que desde o final da tarde
de ontem a Polícia Militar se retirasse das áreas invadidas
e o prefeito interino de São Paulo, Antônio Sampaio,
prometeu-lhe que a Guarda Metropolitana também cessaria, a
partir de hoje, sua ação. Em telefonema a Sampaio, às
17h, Fleury pediu que, diante do agravamento da situação,
a Guarda Metropolitana interrompesse o processo de desocupação
das áreas. O secretário da Segurança determinou
a abertura de inquérito para a apuração da morte
de Adão Manoel da Silva.
Contrariando a determinação do secretário, o
governador Orestes Quércia afirmou, às 20h50, que "a
morte desse invasor (Adão) não vai alterar de jeito
nenhum minhas determinações para a Polícia Militar;
ela vai continuar cumprindo seu dever que é o de manter a ordem,
retirando os invasores das áreas ocupadas e impedindo novas
invasões". Quércia disse também que não
pediu ao prefeito a ação da Guarda Metropolitana nas
áreas invadidas.
A Guarda Metropolitana não está vinculada à Secretaria
da Segurança, mas essa tem poder para determinar sua disposição,
segundo disse o assessor de imprensa da secretaria, Jairo Pires, 40.
Ele afirmou que no decreto n° 25.265, de maio de 1986, assinado
pelo governador Franco Montoro, fica regulamentada a orientação,
controle e fiscalização das guardas municipais pela
Secretaria de Segurança Pública. O cancelamento de uma
guarda municipal está previsto no parágrafo 3° do
artigo 2° do decreto.
Mas o cancelamento, disse Pires, só pode ocorrer se for comprovada
uma irregularidade, e no caso da desocupação, segundo
ele, a Guarda Municipal estava agindo de acordo com o previsto na
lei. Pires disse que a ação não estava sendo
coordenada pela Secretaria da Segurança, que encarregou a PM
de desalojar os invasores somente das áreas particulares e
do Estado. a Guarda Metropolitana, afirmou, estava desalojando invasores
de áreas da Prefeitura.
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As
forças políticas envolvidas na ocupação
das terras na zona leste |
Apontado como o partido que organizou a ocupação do
terreno do Jardim Nazaré, o PC do B (Partido Comunista do Brasil)
mantém sempre um dirigente regional na área, segundo
Fernando Pupo, 41, coordenador político da Executiva Estadual.
O PC do B surgiu em 62 de uma dissidência do Partido Comunista
Brasileiro (PCB). inicialmente era alinhado ao maoísmo chinês
(do líder Mao Tsé-Tung).
Em 76, com a mudança da política chinesa, aproximou-se
das posições defendidas pelo Partido do Trabalho da
Albânia, pequeno país do sudeste da Europa. Nas eleições
de novembro de 86, o PC do B elegeu seis deputados federais e oito
estaduais, nenhum de São Paulo.
Ás 19h30 de ontem, líderes do PC do B deveriam encontrar-se
com líderes do PT (Partido dos Trabalhadores) e com representantes
da Igreja ligados ao Movimento dos Sem-Terra da zona leste, para discutir
uma linha conjunta de atuação.
Às 10h de hoje, segundo o PC do B, as forças políticas
envolvidas deverão dirigir-se ao gabinete do Prefeito, no Ibirapuera
(zona sul) para protestar contra a suposta ação da Guarda
Civil Metropolitana.
O PT e a Igreja têm participação ativa nas "Comissões
de Terreno", formadas pelos moradores, ajudando a fazer o cadastramento
das famílias e fornecendo auxílio técnico na
elaboração das plantas dos lotes. O PT elegeu, em 86,
dezesseis deputados federais, sendo oito por São Paulo e 39
estaduais, dos quais dez por São Paulo. Os vereadores na capital
somam cinco.
A Igreja Apostólica Romana atua na zona leste através
dos vários núcleos comunitários do Movimento
dos Sem-Terra, há cerca de um ano. A Igreja Católica
Apostólica Brasileira, dissidência da Romana, também
tem núcleos na região, denominados Filhos da Terra.
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