DEMAGOGIA CONTRA O ENSINO


Publicado na Folha da Noite, segunda-feira, 29 de outubro de 1956

Neste texto foi mantida a grafia original

A demagogia com o ensino - melhor se diria contra o ensino - continua. Já se anuncia que, no proximo ano, a Prefeitura pretende requisitar todos os predios de sua propriedade, atualmente cedidos ao Estado, e onde funcionam numerosos grupos escolares da capital. É de esperar-se que tal ameaça não se concretize. Em fevereiro, quando se reiniciam as aulas do curso primario, o atual prefeito estará no apagar das luzes de sua administração, e só mesmo por total inconsciencia dos problemas do ensino primario adotará providencia que viria tumultuá-lo imprevisivelmente. Em todo caso, só a ameaça de requisição dos predios da Prefeitura já configura uma situação por todos os titulos lamentavel.
Enquanto isso, a Prefeitura vai criando novas escolas primarias municipais. Segundo se propala, até o fim do ano nada menos de mil unidades primarias estarão funcionando, o que em outras circunstancias seria altamente elogiavel mas que agora só pode ser considerado expediente eleitoreiro. As novas escolas instalam-se precariamente, em qualquer barracão, sem a preocupação de que atendam a requisitos minimos de higiene e segurança. Começam a funcionar em agosto ou setembro ou outubro, como se não existissem periodos letivos já determinados. Os professores são recrutados às pressas e iniciam a tarefa de alfabetização precariamente preparados. Daqui a poucas semanas começarão as ferias. E, centenas de professores, que deram aulas apenas alguns meses, terão direito a ferias remuneradas, como se os cofres publicos municipais estivessem nadando em dinheiro e pudessem dar-se a esse luxo.
O pior de tudo, porem, é que os dias da atual administração estão contados. Em fevereiro novo prefeito será escolhido e não é improvavel a hipotese de que revogue tudo quanto fez o seu antecessor. A solução para o problema do ensino primario na capital, então, terá sido retardada por essa serie de medidas precipitadas e demagogicas que constituem a chamada municipalização do ensino primario. Ao invés de se dar um passo à frente para acabar com o angustiante problema da falta de vagas nas escolas primarias de São Paulo, é bem provavel que tenhamos dado uma dezena de passos para trás.
Tudo por causa da briga entre prefeito e governador e em consequencia de ambições eleitorais de alguns politicos. Se a Prefeitura não estivesse interessada em combater o governo do Estado, usando para tal todas as armas, não teria sequer pensado em aventurar-se no setor do ensino primario. Mas fez isso e pensando atingir o chefe do Executivo paulista está ferindo em cheio os supremos interesses da criança em idade escolar no municipio de São Paulo.

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