VIRTUDES E MALEFICIOS DO CIGARRO


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 29 de junho de 1952

Neste texto foi mantida a grafia original

A luta da humanidade pela conquista do direito de fumar — Decalogo do fumante.

Entre as virtudes atribuidas ao fumo há uma, destacada pelo redator do diario "L'Intransigeant", de Paris, é que é realmente curiosa. Disse aquele jornalista que se as autoridades francesas permitirem aos espectadores fumar durante as exibições cinematograficas, como acontece na Italia, a crise do cinema francês seria debelada.
Tenha ou não esse poder, seja ou não benefico, o fumo tornou-se habito indispensavel do homem moderno, e da mulher tambem. Todas as suas ações, a fadiga, o repouso, o trabalho, os prazeres, são acompanhados e estimulados pelo cigarro, pelo charuto ou pelo cachimbo. O operario sente-se confortado quando fuma um cigarro, durante seu trabalho; o intelectual, quando não se inspira, para suas criações, nas nuvens de fumaça de seu cachimbo ou cigarro, consegue repousar sua mente fatigada. Todos os fumantes têm uma justificação particular para não abandonar o fumo. E todos tratam de fumar, tenham muito ou pouco dinheiro, baseados naquelas justificações.

Custou Sacrificios

Pouca gente sabe, entretanto, que por muito tempo o homem teve que lutar, e lutar muito, para conquistar a liberdade de fumar. Foi uma luta sem quartel, que durou seculos, contra os falsos moralistas, que apontavam o vicio de fumar como um ato subversivo da moral, como um atentado à religião, etc. E o curioso é que houve governos que castigavam com cruel rigor os que fossem pilhados fumando ou tomando rapé. Abbas Pachá I cortava o nariz dos tomadores de rapé e os labios dos fumantes; Urbano VIII excomungava-os; Amurad IV, da Turquia, cortava-lhes a cabeça; Jaime I, da Inglaterra, mandava para a forca os amigos do fumo e certa ocasião sustentou que o cachimbo era uma invenção do diabo.
Muitas criticas que ainda hoje são feitas às mulheres que fumam, eram no inicio dirigidas aos homens. Em 1844 um jornal da França dizia que o cigarro é "preparador, fator e causa proxima da emancipação da mulher". Balzac, escrevia que o tabaco (rapé), mina o corpo, causa obstrução da inteligencia, torna uma nação idiotizada. Um outro literato sustentava por essa epoca que o fumo era o mais letal de todos os venenos. O medico francês Barral sustentava que o homem que fuma acaba estupido e, o que é pior, delinquente.

O presente de Nicot

Quando Nicot (de onde vem a palavra nicotina), embaixador francês em Portugal, há cerca de 400 anos, ofereceu à rainha de França o presente de uma planta de tabaco, não supunha o que iria acontecer nos anos seguintes. Dos poucos fumantes clandestinos, "snobs", precursores, surgiram centenas de milhões espalhados em todo o mundo, nestes ultimos 4 seculos.
Eis alguns dados curiosos: 30%, no minimo, dos habitantes da terra, são fumantes. Cada dia, no mundo, fumam-se mais de 8 bilhões de cigarros e charutos. A produção anual de tabaco gira em torno de 3 bilhões de quilos. A superficie cultivada de plantas de tabaco é, globalmente, igual a superficie da Inglaterra. E a produção do tabaco está aumentando de cerca de 100 mil quintais por ano.
Um italiano fuma 800 gramas de fumo por ano; um americano, 3 quilos; um belga, 2 quilos; um francês, 1,1 quilo. Quem mais fuma é o norte-americano, segundo as ultimas estatisticas, pois a media de consumo é de 40 cigarros por dia, "per capita".

Aumenta o consumo

E o consumo de cigarros aumenta de ano para ano. Uma das causas é que a mulher, por um motivo ou por outro —inclusive por que lhe dá uma certa emancipação— volta-se cada vez mais para o cigarro e, desde George Sand até os nosso dias, batem-se pelo fumo. Lloyd Georg, durante a primeira guerra mundial teve que apelar para que as mulheres fumassem menos a fim de que não faltassem cigarros para os soldados da frente. Nos Estados Unidos o senador Johnson chegou a apresentar um projeto de lei segundo a qual a mulher que fosse pilhada fumando em publico sofreria multa de 25 dolares. Hoje os tempos mudaram e a mulher que fuma suscita criticas cada vez menores e mais brandas.

O fumo e a saude

Um problema sempre debatido é o que diz respeito aos danos que o fumo pode causar à saude. O tema tem sido debatido em todos os circulos cientificos do mundo, dividindo-se as opiniões. A maioria, entretanto, não nega que o fumo afeta, de certo modo, a saude do homem. Mas ninguem alimenta a minima ilusão de o que o vicio de fumar possa ser banido da face da terra.
Recentemente o professor F. Accornero, docente de Neuropsiquiatria da Universidade de Roma afirmou que o fumo —como o café e o vinho— pode ser toxico, segundo a quantidade consumida. E o citado professor organizou um "decalogo do fumante", tendo em vista reduzir ao minimo as consequencias do fumo. Ei-lo:
1 — Não fumar em jejum.
2 — Não fumar ou fumar pouco pela manhã.
3 — Não fumar caminhando ou quando se pratica um exercicio muscular.
4 — Não fumar um cigarro até o ultimo quarto. De preferencia deve-se atirá-lo fora antes de chegar até o meio.
5 — Não fumar no leito ou em posição deitada.
6 — Não voltar a fumar um cigarro já utilizado.
7 — Deixar transcorrer um razoavel intervalo entre um cigarro e outro.
8 — Não fumar em estado de excitação psiquica ou de excessiva preocupação.
9 — Não fumar quando as vias respiratorias estejam inflamadas.
10 — Não fumar... sem controle (controlar o numero de cigarros consumidos diariamente).


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