Desvela-se a nossa edilidade, com o apoio da Prefeitura, em zelar
pelos bairros aristocraticos, dotando-os de todos os melhoramentos,
cuidando a Secretaria da Agricultura para que não lhes falte
iluminação abundante, attendendo uma e outra, com
incrivel rapidez, ás reclamações de seus moradores.
Até ahí está tudo muito bem, pois essas repartições,
assim procedendo, nada mais fazem do que preencher os fins para
que foram creadas. Acontece, porém, que os nossos governantes,
sempre escolhidos nas classes abastadas, e residindo todos nas zonas
privilegiadas, nunca se dão ao trabalho de olhar pelas necessidades
dos habitantes dos bairros operarios e mesmo dos burguezes...
Nas vesperas de eleições, época em que os candidatos
aos postos de "sacrificio", felizmente bem recompensados,
se collocam no nível dos operarios, procurando-os e promettendo-lhes
- que promessas nada custam - beneficios sem conta, pensa-se um
pouco nas necessidades dos bairros pobres... Depois, eleitos, esquecem-se
os homens das promessas feitas e tudo continua como dantes no quartel
de Abrantes...
Hoje, por exemplo, vamos tratar apenas e ligeiramente, do bairro
do Bom Retiro, um dos maiores collegios eleitoraes da capital.
A varzea desse bairro, inteiramente desprezada pelos poderes do
municipio, contando milhares de habitantes, está que é
uma lastima. Ruas immundas, onde o capim cresce abundante, esburacadas
e sem iluminação e o que é peor, sem um soldado
em todo o bairro... A Secretaria da Agricultura já foi enviado,
ha tempos, um officio dos moradores do bairro, solicitando providencias
para a collocação de combustores de gaz em diversas
ruas totalmente habitadas. Até hoje o secretario nem despacho
deu ao officio... possivelmente extraviou-se o papel...
E os lampeões espalhados pelas arterias mais felizes, coitados!
Esses, com os vidros partidos desde os acontecimentos de julho de
1924, tremeluzem, bruxoleiam apenas, dando uma bem triste idéa
do cuidado dos encarregados da sua conservação.
Praças ajardinadas, onde á tarde possam os homens
e as moças operarias, que voltam cançados, depois
de um dia inteiro de fatigante labor, descançar alguns momentos,
gosando a delicia da hora do sol pôr, procure-as com a lanterna
de Diogenes, esquadrinhando todos os cantos... Encontrará
na varzea campos alagados, ou enfeitados de poças de agua
que exhalam horrivel fedentina. Nessa parte baixa do bairro abandonado
passeiam calmamente, arracando a herva abundante das ruas, toda
especie de animaes. Os taes laçadores de animaes perdidos
por lá não apparecem, o que, aliás, é
justificavel, como fazer transitar a carrocinha nas vias publicas
trahiçoeiras, cheias de buracos e valletas? E depois, por
que cargas de agua hão de arriscar-se elles a quebrar as
pernas nalgum provavel accidente, só para perseguir animaes
perfeitamente domesticados e que não fazem mal a ninguem?
O povo acha que as vaccas, burros e cães assim á solta
podem causar damno ás creanças que se entretêm
em divertimento nas ruas? O remédio é simples: os
pequenos que brinquem nas respectivas casas...
Outro mal, e esse um dos mais graves, é o abuso dos motoristas,
cyclistas e toda especie de "istas", que jogam os seus
vehiculos numa carreira louca pelas ruas movimentadissimas, certos
de que não lhes apparecerá pela frente a figura marcial
e imponente de um grillo, que os chame á ordem e os conduza
para a delegacia do dr. Rudge Ramos, onde se lavram os termos de
multa...
E outros males mais existem no Bom Retiro, e dos quaes deixamos
de tratar, porque os não comportam estas simples notas de
reportagem.
O povo tudo vê, tudo nota. Os poderes publicos, porém,
cerram os olhos para não vêr e tapam os ouvidos ás
repetidas e justas queixas dos prejudicados.
Bem diz o acertado rifão: "O peor surdo é o que
não quer ouvir"...
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