OS NOSSOS BAIRROS ABANDONADOS


Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 26 de novembro de 1925

Neste texto foi mantida a grafia original

A prefeitura precisa olhar um pouco pelos bairros operarios

Desvela-se a nossa edilidade, com o apoio da Prefeitura, em zelar pelos bairros aristocraticos, dotando-os de todos os melhoramentos, cuidando a Secretaria da Agricultura para que não lhes falte iluminação abundante, attendendo uma e outra, com incrivel rapidez, ás reclamações de seus moradores. Até ahí está tudo muito bem, pois essas repartições, assim procedendo, nada mais fazem do que preencher os fins para que foram creadas. Acontece, porém, que os nossos governantes, sempre escolhidos nas classes abastadas, e residindo todos nas zonas privilegiadas, nunca se dão ao trabalho de olhar pelas necessidades dos habitantes dos bairros operarios e mesmo dos burguezes...
Nas vesperas de eleições, época em que os candidatos aos postos de "sacrificio", felizmente bem recompensados, se collocam no nível dos operarios, procurando-os e promettendo-lhes - que promessas nada custam - beneficios sem conta, pensa-se um pouco nas necessidades dos bairros pobres... Depois, eleitos, esquecem-se os homens das promessas feitas e tudo continua como dantes no quartel de Abrantes...
Hoje, por exemplo, vamos tratar apenas e ligeiramente, do bairro do Bom Retiro, um dos maiores collegios eleitoraes da capital.
A varzea desse bairro, inteiramente desprezada pelos poderes do municipio, contando milhares de habitantes, está que é uma lastima. Ruas immundas, onde o capim cresce abundante, esburacadas e sem iluminação e o que é peor, sem um soldado em todo o bairro... A Secretaria da Agricultura já foi enviado, ha tempos, um officio dos moradores do bairro, solicitando providencias para a collocação de combustores de gaz em diversas ruas totalmente habitadas. Até hoje o secretario nem despacho deu ao officio... possivelmente extraviou-se o papel...
E os lampeões espalhados pelas arterias mais felizes, coitados! Esses, com os vidros partidos desde os acontecimentos de julho de 1924, tremeluzem, bruxoleiam apenas, dando uma bem triste idéa do cuidado dos encarregados da sua conservação.
Praças ajardinadas, onde á tarde possam os homens e as moças operarias, que voltam cançados, depois de um dia inteiro de fatigante labor, descançar alguns momentos, gosando a delicia da hora do sol pôr, procure-as com a lanterna de Diogenes, esquadrinhando todos os cantos... Encontrará na varzea campos alagados, ou enfeitados de poças de agua que exhalam horrivel fedentina. Nessa parte baixa do bairro abandonado passeiam calmamente, arracando a herva abundante das ruas, toda especie de animaes. Os taes laçadores de animaes perdidos por lá não apparecem, o que, aliás, é justificavel, como fazer transitar a carrocinha nas vias publicas trahiçoeiras, cheias de buracos e valletas? E depois, por que cargas de agua hão de arriscar-se elles a quebrar as pernas nalgum provavel accidente, só para perseguir animaes perfeitamente domesticados e que não fazem mal a ninguem?
O povo acha que as vaccas, burros e cães assim á solta podem causar damno ás creanças que se entretêm em divertimento nas ruas? O remédio é simples: os pequenos que brinquem nas respectivas casas...
Outro mal, e esse um dos mais graves, é o abuso dos motoristas, cyclistas e toda especie de "istas", que jogam os seus vehiculos numa carreira louca pelas ruas movimentadissimas, certos de que não lhes apparecerá pela frente a figura marcial e imponente de um grillo, que os chame á ordem e os conduza para a delegacia do dr. Rudge Ramos, onde se lavram os termos de multa...
E outros males mais existem no Bom Retiro, e dos quaes deixamos de tratar, porque os não comportam estas simples notas de reportagem.
O povo tudo vê, tudo nota. Os poderes publicos, porém, cerram os olhos para não vêr e tapam os ouvidos ás repetidas e justas queixas dos prejudicados.
Bem diz o acertado rifão: "O peor surdo é o que não quer ouvir"...



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