UM PARTO DIFERENTE, CONTROVERSIA


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 24 de maio de 1974


O parto é feito numa sala silenciosa e escura. O bebê é tratado com suavidade e colocado imediatamente sobre a barriga da mãe. O medico acaricia o recém-nascido e o cordão umbilical é cortado dez minutos depois do nascimento. Somente depois de um minuto ele começa a respirar e, em seguida, é submergido em agua morna, numa tentativa dos medicos de renovar-lhe o contato com o corpo da mãe. O bebê não chora.
Esse novo tipo de parto - defendido pelo ginecologista e obstreta francês Frederic Leboyer em seu livro "Por um nascimento sem violencia" e no filme "Genesis"- vem causando na França "uma controversia entre medicos e futuras mães", segundo Aline Mosby, da "United Press Internactional".
No telegrama da agência de noticias, é informado que "um obstetra qualificou a obra de "uma catastrofe". Outros disseram que o conteudo do livro é "um conto de fadas" ou "chocante". Mas uma mãe escreveu que o livro do doutor Frederic Leboyer "abriu nossos olhos". Leboyer, que propõe o que é considerado como uma técnica revolucionaria de nascimento, completa seu livro com um filme de 30 minutos".

Palmadas

O obstreta francês acha que as crianças devem nascer com suavidade, sem levar as tradicionais palmadas até lançar seu primeiro grito choroso. Nos partos, até hoje, os obstetras esperam a criança chorar, pois é um sinal de que ela está respirando. Se não chora, aplicam-lhe palmadas.
Segundo a UPI, "centenas de gestantes leram a obra e começaram a assediar Leboyer, assim como outros medicos e a imprensa e por isso o ginecologista decidiu abandonar suas atividades temporariamente, partindo para a India, onde permanecerá por sete meses".
Da França informa-se também que "o livro, que, de acordo com alguns especialistas, tem um valor mais poetico do que medico, está sendo traduzido para o inglês e para o alemão. Um jornal previu que a obra pode transformar Frederic Leboyer num novo "Doutor Spock" o norte-americano Benjamim Spock tornou-se famoso internacionalmente por suas teorias revolucionarias a respeito do tratamento liberal que deve ser dado às crianças.

Traumas

O ginecologista francês acha que o recém-nascido se aterroriza quando emerge de um utero escuro para a intensa luminosidade de uma sala de operações e que seus delicados ouvidos estremecem com os gritos dos medicos e de seus assistentes.
Segundo Leboyer, o bebê é seguro pelas pernas e recebe palmadas. É tratado apressadamente, enquanto seus olhos sofrem com a luz e seus ouvidos tentam resistir ao barulho. Em seguida, obrigado repentinamente a respirar uma golfada de ar, poderá ter seus pulmões prejudicados. Ele observa que o recém-nascido é depois pesado numa balança de metal e envolto em roupas e isso tudo pode ser uma agonia para sua pele delicada. Todo esse processo segundo o ginecologista - pode provocar traumas no desenvolvimento da criança.
Já o metodo Leboyer, demonstrado no filme ainda não distribuido, exige que as luzes do hospital diminuam de intensidade quando surge a cabeça do bebê e, na sala de operações, os medicos e seus assistentes são obrigados a se comunicarem por sussurros.
A criança é deitada sobre a barriga da mãe "para se estabelecer um contato de amor imediato entre os dois".

Estatistica

O autor desse metodo seria um cientista, um poeta ou um medico sequioso de publicidade?
Uma das maiores autoridades brasileiras em pediatria, o medico Jayme Abovsky, acha que ainda é muito cedo para se dar uma resposta a essa pergunta.
"Em primeiro lugar é preciso se conhecer o livro. O telegrama com a noticia é muito vago. Fala em obstetras, mas não os denomina e traz a opinião de uma mãe leiga, que realmente não interessa, pois essa opinião é baseada numa experiência pessoal e a ciencia não se interessa por casos isolados, mas por casos comprovados estatisticamente", disse.
O pediatra esclarece que recebe normalmente todos os trabalhos a respeito de seu campo especifico e, como cientista, acompanha a todos com interesse. Mas confessa que não conhece Frederic Leboyer e não pode dar uma opinião sobre o assunto.
Segundo ele, "o que pode ser feito é reunir um grupo de obstetras e pediatras para estudar seriamente a possibilidade de se por uma idéia dessas na pratica. Se me perguntarem se a luz forte que faz o bebê piscar pode lhe causar traumas eu não vou saber responder simplesmente porque não conheço nenhum caso em que uma criança tenha nascido na penumbra. Só vou poder firmar meu ponto de vista sobre o assunto no dia em que experimentar um parto às escuras em 300 crianças e comparar com os partos às claras de outras 300 crianças. Em ciencia não se somam quantidades heterogeneas, apenas homogeneas. Só pode ser firmado um ponto de vista honesto se baseado em muitos casos reais".

Mudança

"Não existe uma unica sala de hospital no Brasil que permita um parto desse tipo. A adoção do metodo de Leboyer significaria uma modificação radical da infra-estrutura de todas as nossas maternidades.
Na verdade isso não é um obstaculo, pois se for provado que o parto assim é melhor para a mãe e para a criança, a infra-estrutura deverá ser mudada. Acontece que, antes, há a necessidade de provas cientificas", disse.
Ele informou que "um habito secular pode ser alterado por uma nova pratica medica. Mas essa pratica tem primeiro que provar sua eficacia e superioridade". Mesmo assim, ele acredita que o filme "Genesis", de Frederic Leboyer, não possa informar grande coisa, uma vez que, segundo a noticia vinda da França, mostra um fato isolado. "Meu interesse é pela experiencia do medico, pelas estatisticas que ele possa apresentar em seu livro", disse.
Mesmo assim, ele não se recusa a comentar alguns detalhes da idéia nova. Por exemplo: "por que deitar a criança da barriga da mãe? Por que especificamente ali e não em outra parte do corpo? Uma pediatra carioca está pesquisando uma idéia original: a de colocar a criança vestida no colo da mãe assim que for possivel (se a mãe não estiver anestesiada pode receber o filho logo depois do parto). Ela acha que essa atitude é melhor para os dois - mãe e filho. Mas está pesquisando, procurando provas com base na realidade. Medicina não é poesia, trata-se com a realidade, pão-pão, queijo-queijo."
No caso da idéia de Leboyer, o pediatra Jayme Abovsky acha que "deve haver também o acompanhamento das crianças que nascem pelo seu metodo em relação às que nascem pelo metodo normal somente depois desse acompanhamento é que qualquer ginecologista, obstetra, pediatra ou psicologo poderá dar sua opinião sobre a nova tese".


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