180 MIL DESABRIGADOS NO PAÍS

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 1980

As enchentes deste ano deixaram, até agora, 180 mil desabrigados em todo o País, revelou ontem o coordenador da Secretaria Especial de Defesa Civil, general Anibal Gurgel do Amaral. A própria Sedec, porém, admite que o total poderá ser maior, pois os números disponíveis referem-se apenas aos flagelados já cadastrados por órgãos municipais.
O general reconheceu, ainda, que as atuais inundações têm as mesmas proporções das do ano passado, consideradas as mais graves dos últimos 30 anos.
O Estado mais afetado é Goiás, com 60 municípios em situação de calamidade pública. Segundo o governador Ari Valadão, o maior problema é o escoamento da safra de três milhões de toneladas de arroz, soja e milho, prejudicado pelo fechamento de estradas. A população já foi vacinada, para prevenir uma possível epidemia de tifo.
No Norte, o Tocantins está 14 metros acima de sua cota normal e continua subindo, o que aumenta a ameaça a Marabá, que já tem 80% de sua área urbana sob as águas, e também a Tucururi, onde há mil desabrigados.
O transbordamento do rio São Francisco já atingiu 19 cidades em Minas Gerais e na Bahia.

Vale do Ribeira

A BR-116 deverá ser totalmente liberada ao tráfego hoje à noite, segundo promessa do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Na madrugada de terça-feira, uma tromba d'água arrastou cerca de 20 metros da rodovia e abriu uma cratera de aproximadamente 10 metros de profundidade. Anteontem, ela foi precariamente liberada, mediante um desvio, para em seguida ser bloqueada outra vez a reaberta parcialmente ontem.
No Vale do Ribeira, praticamente toda a plantação de banana e arroz foi inundada, com prejuízos elevadíssimos.

Prefeito marca fim de enchentes

A data, desta vez, é maio, com a conclusão da primeira etapa das obras no Tamanduateí

O prefeito Reinaldo de Barros afirmou ontem que as enchentes ao longo do Tamanduateí, na zona do Mercado, Baixada do Glicério e imediações deverão ser eliminadas a partir de maio próximo, quando começam a ser concluídas as obras que o governo do Estado realiza no rio.
Acompanhado do governador Paulo Maluf, o prefeito sobrevoou a cidade e contestou as notícias de que ela amanhecera inundada. "Isso não corresponde à verdade. O problema atingiu a área do Tamanduateí, que é a mais assolada por enchentes. Em nenhuma outra área nós tivemos problemas sérios de inundações", declarou o prefeito.
Reinaldo de Barros disse que, na inspeção de ontem, identificou os seguintes pontos críticos de enchentes na região do Tamanduateí: rua Pacheco Chaves, pátio de estrada de ferro e lado esquerdo de quem se dirige para a foz, praça Nove de Julho, lado direito do parque D. Pedro, avenidas Radial Leste e Rangel Pestana, trecho do parque D. Pedro até a avenida Cruzeiro do Sul, zona do Mercado, avenida Mercúrio e o Canindé, região que praticamente fica em nível mais baixo que o do rio.

Chuvas anormais

O prefeito voltou a considerar "anormais" as chuvas ocorridas no Carnaval. Disse estranhar a entrevista de um técnico do Serviço de Meteorologia, que afirmou, anteontem, que a última chuva foi normal. Ontem à tarde, também o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) contestou indiretamente o prefeito. Através de um "release" da Secretaria de Obras, o DAEE considerou as chuvas "fortes mais não excepcionais".
Sobre o possível pedido de indenização a ser formulado por comerciantes da zona cerealista, Reinaldo de Barros observou que a administração municipal não tem condições de atendê-los. "Os cerealistas da rua Santa Rosa e imediações sabem muito bem que a região é vitima de inundações constantes. Quando um comerciante de cereais se ausenta por um período, já sabendo que é época de chuvas, deveria colocar sua mercadoria em um estrado ou deixá-la um pouco mais alta que o nível do chão", afirmou o prefeito.

'Obras não causaram o transbordamento'

O secretário de Obras e Meio Ambiente, Silvio Fernandes Lopes, afirmou ontem que o transbordamento do rio Tamanduateí, na quarta-feira, foi aprovado pelo fato das chuvas, de intensidade não elevada, terem atingido toda a bacia do rio. Citando as conclusões de um levantamento hidrológico feito pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica, o secretário acrescentou que os altos índices pluviométricos registrados nos dias anteriores e a saturação do solo também contribuíram para agravar o problema das enchentes.
A eliminação das inundações ao longo de parte do Tamanduateí, segundo Silvio Fernandes Lopes, só será possível em maio, após a conclusão das obras de alargamento e aprofundamento do leito do rio, em um trecho de cinco quilômetros, entre a sua foz e a rua da Moóca. Essa melhoria proporcionará um aumento da capacidade de vazão de 200 para 484 metros cúbicos por segundo.
O secretário de Obras e Meio Ambiente refutou a hipótese de que o transbordamento do rio tenha sido provocado pelas obras que estão em execução em seu leito e impediriam o escoamento das águas. Para ele, essas obras não implicam em redução da capacidade de vazão, já que a foz está mais larga, vários obstáculos foram removidos e os muros de concreto laterais estão prontos. Entretanto, os trabalhos em andamento são apontados pelo ex-presidente do Instituto de Engenharia, Bernardino Pimentel, como a principal causa do transbordamento do Tamanduateí. "As diversas obras que estão sendo executadas no primeiro trecho do rio aumentaram os pontos de estrangulamento das águas, ocasionaram um represamento e diminuíram a capacidade de vazão. Com isso, vários bairros, que antes não eram atingidos, foram inundados".
Bernardino Pimentel acha que o problema das enchentes ao longo do Tamanduateí será solucionado em parte quando for concluído o alargamento da foz, no rio Tietê, eliminando o refluxo das suas águas. Segundo ele, o ideal seria que as obras tivessem sido iniciadas em pequenas etapas e não abrangendo um trecho de cinco quilômetros. "Não concordo com o que está sendo feito, pois ao executar muitas obras, numa grande extensão, aumentam-se os pontos de estrangulamento. Sempre fui favorável a que se atacasse, em primeiro lugar, o trecho entre a foz e a ponte da Tiradentes. E, numa segunda etapa, alargar o rio até a rua da Moóca".

Longo prazo

"O problema das inundações da cidade de São Paulo só poderá ser resolvido a longo prazo, com a execução de um sistema de drenagem das 135 bacias existentes", explicou ontem o secretário municipal de Vias Públicas, Otávio Camilo Pereira de Almeida. Entretanto, ainda não existe um plano global por parte da Prefeitura para a drenagem dessas bacias. "Temos apenas projetos para as 70 que são mais críticas e para a canalização de 500 dos mil quilômetros de córregos que correm a céu aberto".
Mas, segundo Otávio Camilo, a canalização dos mil quilômetros de córregos trará sérias implicações. Para realizá-la, a Prefeitura terá que fazer cerca de 100 mil desapropriações, construir galerias de captação e pavimentar seis mil quilômetros de ruas.

Para DAEE, chuva não foi demais

Contrariando afirmações do prefeito Reinaldo de Barros, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) afirmou ontem que as chuvas de terça e quarta-feira, que causaram grandes inundações em São Paulo, foram fortes, mas não excepcionais.
Segundo a Assessoria de Imprensa da Secretaria de Obras, que divulgou ontem o índice pluviométrico dos dias 19 e 20, levantado pelo DAEE em seis regiões da Grande São Paulo, "o que agravou a situação, a ponto de ter provocado o extravasamento do Tamanduateí, foi o fato de tais chuvas, de intensidade não tão elevada, terem abrangido quase uniformemente toda a bacia do rio, e de terem ocorrido após uma sequência de dias chuvosos, levando o solo ao estado de saturação".

Os índices

O índice pluviométrico mais elevado do dia 19 foi registrado em Santo André, depois de treze horas seguidos de chuva, com 103 milímetros. Em seguida vem a Penha, com 11 horas de chuva (70 milímetros); São Caetano, 10 horas (65 milímetros); Bom Retiro, 12 horas (61,80 milímetros); Cambuci, 15 horas (51 milímetros) e Thomás Edson, com 12 horas de chuva (49,50 milímetros).
No Cambuci, o período de chuva mais intenso foi registrado entre as 20 e 21 horas (12 milímetros), enquanto em Santo André a chuva mais forte caiu entre 22 horas (24 milímetros).

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