REBELIÃO NA COLONIA CORRECIONAL DA ILHA ANCHIETA
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Publicado
na Folha da Manhã, sabado, 21 de junho de 1952
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Neste texto foi mantida a grafia original
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300
presos dominam a guarda e fogem armados para o litoral!
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Os amotinados apossam-se da ilha Alarmadas as populações
das cidades proximas As providencias da Secretaria da Segurança
Publica Os fugitivos conduzem refens Entre os evadidos
figuram companheiros de "Sete Dedos" na fuga da Penitenciaria
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Mortos
e feridos na colonia - libertados o diretor do presidio e o comandante
do destacamento |
Cerca de trezentos detentos do presidio da ilha Anchieta, rebelaram-se
na manhã de ontem, por volta das 8 h 30. Segundo plano previamente
traçado, os presos, uma vez distribuidos no campo para as tarefas
diarias, assaltaram os guardas, tomaram-lhe as armas e os dominaram.
Um grupo de presidiarios, que ficara de sobreaviso, logo que se estabeleceu
a confusão se apossou do deposito de armas e munições,
conseguindo dessa forma elementos para, em poucos minutos, subjugar
toda a guarda. Senhores da situação, os amotinados conseguiram
lanchas e outros barcos, com que se fizeram ao mar, todos armados.
Alem de outras armas, que poderiam ter conseguido, apoderaram-se de
todas as dos soldados de guarda e do deposito, isto é, quatro
metralhadoras e oitenta fuzis.
As primeiras noticias, transmitidas de Ubatuba, adiantavam que alguns
presos, que de armas na mão permaneceram na ilha, protegendo
a retaguarda dos que embarcavam, foram enfrentados por alguns soldados,
verificando-se ligeiro combate. Dois soldados e alguns detentos teriam
sido feridos.
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Tiroteiro |
Abandonando a ilha, os insurretos rumaram, em grupos, de preferencia
para as praias de Ubatuba e Caraguatatuba. Não puderam, contudo,
desembarcar imediatamente, porque, já avisados, os delegados
de policia das duas cidades, auxiliados pelos poucos soldados de que
dispunham (em Ubatuba só existiam dois) e por particulares,
correram às praias. Ao se aproximarem, encontrando resistencia,
iniciaram intenso tiroteio, dos barcos em que se encontravam. Com
os escassos recursos de que dispunham, as autoridades policiais responderam
ao fogo, conseguindo, horas depois, encurralar os fugitivos na enseada
existente entre Ubatuba e Caraguatatuba.
Às ultimas horas da tarde de ontem, todavia, a reportagem era
informada de que grupos de amotinados haviam conseguido desembarcar
nas praias Grande e Toninha, nas proximidades de Ubatuba, embrenhando-se
nas matas proximas e desaparecendo.
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Dificeis
as comunicações |
As comunicações com Ubatuba e Caraguatatuba, mesmo para
os gabinetes do secretario de Segurança Publica e do diretor
do DOPS, que tomaram as primeiras providencias, são dificeis.
As noticias, alem de chegarem com grande atraso, são contraditorias
e falhas em muitos pontos, não sendo possivel, avaliar-se com
segurança, a verdadeira extensão do levante e suas consequencias.
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Soldados
e funcionarios teriam sido mortos |
Às primeiras horas de hoje, o nosso enviado especial remeteu-nos
de Ubatuba o seguinte telegrama:
"Estamos recebendo informações em Caraguatatuba
de que varios soldados e funcionarios foram mortos no conflito da
ilha Anchieta. Encontra-se à frente dos amotinados o perigoso
facinora Faria Junior, condenado a 100 anos de prisão e que
fugiu da Casa de Detenção usando farda de guarda civil.
Faria Junior está com uma farda de oficial da Força
Publica. Todas as vias de comunicação terrestres aqui
no litoral estão fortemente policiadas sob o comando do major
Romeu, assistente militar do secretario da Segurança Publica.
O posto Marantuba, do Correio, informa que o posto de Ubatumirim foi
tomado pelos amotinados."
Pela mesma razão, o sr. Elpidio Reali somente horas depois,
isto é, às 12 horas mais ou menos, pôde determinar
as providencias que o caso requeria, enviando reforço para
o local. Os socorros policiais só conseguiram atingir o local
cerca das 18 horas, quando muitos amotinados já tinham alcançado
o continente e travado prolongados tiroteios.
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Mobilização
da policia civil e militar |
Cerca das 13 horas, a par da extensão do levante, o titular
da Segurança Publica mobilizou todos os recursos de que dispunha
para atender à situação. Da capital, seguiram
para o litoral oito peruas do Departamento de Ordem Politica e Social,
conduzindo turmas de Investigadores. Do Batalhão Policial da
Força Publica foram enviados os grupos de choque. De Taubaté,
seguiu um contingente reforçado do 5.o Batalhão de Caçadores.
Em Santos, a Policia Maritima foi mobilizada, rumando em direção
da ilha Anchieta a sua frota de lanchas de policiamento, com contingente
para enfrentar a situação tambem na região do
litoral conflagrada pelos fugitivos. Da Base Aerea, a pedido do secretario
da Segurança Publica, aviões levantaram voo na tarde
de ontem, para reconhecimento.
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Em
ação os socorros policiais |
Às 18 h 30, o delegado Ribeiro da Cruz, titular do DOPS, informou
à reportagem que havia recebido comunicação da
chegada do reforço policial a Ubatuba. A tropa, segundo adiantou
a referida autoridade, já se encontrava em ação,
procurando cercar e dominar os amotinados.
Pouco antes, às 18 horas, o delegado de policia de Ubatuba
expedia o seguinte telegrama:
"Situação dificil nas praias de Toninha, onde está
sendo travado cerrado tiroteio. Não dispomos de munição
e as armas são de particulares, voluntarios. Chegou o delegado
de Caraguatatuba, com três praças, unico reforço
até o momento."
Tambem em Caraguatatuba, despacho urgente, adiantava:
"A fuga de presos da ilha Anchieta, pelo que se sabe, foi total.
Os presos fugiram armados, depois de dominarem a guarda, e desembarcaram
em varias localidades do litoral. A população local
pede providencias urgentes."
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Novos
reforços |
Tendo enviado para Ubatuba o major Romeu, do seu gabinete, com o objetivo
de instalar um transmissor especial, a partir das 17 h 30 o sr. Elpidio
Reali pôde obter melhores informações a respeito
do levante. Em consequencia, determinou a remessa de novos reforços,
inclusive da Policia Maritima.
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Medidas
preventivas |
Como medida preventiva, o diretor do DOPS, que está supervisionando
parte do policiamento, determinou ainda fosse reforçada a guarda
da Penitenciaria e da Casa de Detenção, as quais deverão
permanecer de sobreaviso.
Turmas de investigadores foram destacadas, para rigoroso serviço
de vigilancia nas cidades de Mogi das Cruzes, Jacareí, São
José dos Campos, Taubaté e outras circunvizinhas, a
fim de deterem os foragidos que sejam eventualmente descobertos. Esses
mesmos policiais realizarão batidas nas matas proximas com
o mesmo objetivo.
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Informações
do enviado especial das FOLHAS |
Logo que teve conhecimento da ocorrencia, as FOLHAS enviaram reporteres
ao local. De um deles, Mario de Oliveira, recebemos, às 18
horas de ontem, a seguinte comunicação, de São
José dos Campos:
"Pouco antes das 18 horas, nossa reportagem localizou, em São
José dos Campos, o soldado Santos de Jesus, de 26 anos, casado,
e seu colega, Joel Batista Alves, do 5.o Batalhão de Caçadores,
destacados na ilha Anchieta. O primeiro apresenta ferimento de bala
no antebraço direito e o segundo ferimento contundente na coxa
esquerda. Quando eram transportados para o hospital de emergencia
nesta cidade, a reportagem conseguiu ouvi-los ligeiramente.
"Segundo relataram, esses dois soldados foram os primeiros a
dar o alarma da rebelião na ilha. Santos de Jesus, apesar de
ferido, conseguiu nadar da ilha até as proximidades de Ubatuba,
onde pôs as autoridades policiais a par do que se passava. Adiantaram
os informantes que mais de quinhentos homens conseguiram evadir-se,
tendo muitos alcançado a praia Grande, pouco distante de Ubatuba.
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Incendio
e devastação na ilha |
"Prosseguindo em suas declarações, esclareceram
que existe iminente perigo para a população das cidades
do litoral, pois os detentos se encontram armados. Todo o armamento
e munição da ilha foi subtraido pelos amotinados. Ainda
na ilha, os detentos, estalada a revolta, embrenharam-se nas matas
e iniciaram tremenda fuzilaria. Os disparos a esmo, visaram provocar
panico.
"Transitando por uma estrada, Santos de Jesus foi surpreendido
por um grupo de rebeldes, que o alvejaram quase à queima-roupa,
ferindo-o.
"Afirmaram os informantes, por fim, que o movimento eclodiu às
8 h 30, quando todos se encontravam em sua faina diaria. Houve, em
seguida, intensa devastação, tendo sido incendiados
todos os pavilhões do presidio."
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Ignorada
a sorte do diretor do presidio |
O nosso enviado especial adiantou ainda ser ignorada, até aquele
momento, 18 horas, a sorte do diretor do presidio, bem como dos guardas
e numerosos funcionarios que ali trabalhavam.
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Encurralados
os rebeldes |
Falando às FOLHAS, às 19 horas de ontem, o sr. Elpidio
Reali, secretario da Segurança Publica, informou:
"Acabo de receber comunicação de que os fugitivos
se encontram perfeitamente encurralados, de um lado, em Caraguatatuba,
pelo reforço chefiado pelo delegado Mario Centola, e de outro,
em Ubatuba, pela tropa do 5.o Batalhão de Caçadores.
Nessas condições, não haverá possibilidade
de fuga dos que se encontram no circulo formado pelos reforços.
Os que, antes da chegada da tropa, conseguiram ganhar a mata, não
poderão ir muito longe, porque se encontram em zona de serra,
longe das estradas."
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Companheiros
de "Sete Dedos" entre os fugitivos" |
Segundo informações obtidas pela reportagem das FOLHAS
junto a uma autoridade policial de São Paulo, os cabeças
do levante armado e da consequente fuga de detentos da ilha Anchieta,
foram três perigosos delinquentes, condenados pela Justiça
e que se encontravam naquele presidio. São eles Faria Junior,
Pereira Lima e outro delinquente, conhecido pela alcunha de "Montanha".
Dos três, o mais conhecido é Pereira Lima, o que há
tempos fugira de uma viatura da policia, que o conduzia, procedente
da Ilha Anchieta, para São Paulo, onde ia ser internado na
Penitenciaria do Estado. Pereira Lima foi detido num hotel desta capital,
naquela ocasião, depois de mais de 9 horas de intensas buscas.
A reportagem apurou, finalmente, que entre os detentos da ilha Anchieta
agora evadidos estão quatro dos companheiros de "Sete
Dedos", quando da fuga da Penitenciaria. São eles Geraldo
Fonseca F. Sousa, Desiderio Felicio Fossa, Alvaro Fernando Conceição
Farto e Benedito Conceição Fontes.
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Recapturados
treze fugitivos |
O sr. Elpidio Reali, secretario da Segurança, informou à
noite à reportagem que, na praia das Toninhas, em Ubatuba,
foram recapturados 13 fugitivos.
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