O PROMOTOR QUER O FIM DO CASO ELIS

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 17 de fevereiro de 1982

O promotor Pedro Franco de Campos, da 1ª Vara Auxiliar do Júri, requereu ontem ao juiz Antônio Filardi Luis o arquivamento do inquérito sobre a morte da cantora Elis Regina, ocorrida no último dia 19, "por não haver crime a punir".
Segundo ele, "não houve delito de induzimento, instituição ou auxílio ao suicídio, mesmo porque não se pode falar com segurança em suicídio".
O promotor concorda com o laudo do Instituto Médico Legal, segundo o qual a cantora morreu em consequência da ingestão de álcool etílico e cocaína, e pede que cópias de todo o inquérito sejam enviadas à Delegacia Especializada em Entorpecentes, "para rigorosa apuração sobre quem forneceu a droga à vítima".

Promotor quer arquivar inquérito do caso Elis

O promotor Pedro Franco de Campos requereu ontem ao Juiz Antônio Filardi Luís o arquivamento do Inquérito sobre a morte da cantora Elis Regina, ocorrida no dia 19 de janeiro, em consequência de ingestão de álcool etílico e cocaína, segundo laudo do Instituto Médico Legal. Fundamentando sua solicitação, diz o promotor que "a prova colhida não demonstra a ocorrência, nem mesmo em tese, do delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, mesmo porque não se pode falar, com segurança, em suicídio". Requereu que sejam extraídas cópias xerográficas de todo o inquérito, remetendo à Delegacia Especializada em Entorpecentes, "para rigorosa apuração sobre quem forneceu a droga para a vítima".

Intoxicação

O promotor inicialmente considera "salutar" a medida adotada pelo juiz em lacrar as fotos colhidas durante a autópsia da cantora no IML, atendendo à solicitação verbal do representante do Ministério Público, "tudo em razão da falta de interesse jurídico nas fotografias". Assinala, a seguir que conforme consta da prova colhida, de modo especial dos exames necroscópicos e toxicológicos, "Elis Regina faleceu em razão de intoxicação exógena, causada por agente químico - cocaína mais álcool etílico".
Declara ainda que, juntamente com o álcool, foi encontrado no organismo da cantora certa quantidade de cocaína (alcalóide mais comum na prática toxicológica - catalogada dentro dos "venenos cérebro-espinhais"). Menciona que a "quantidade da droga para causar a morte é bastante variável, dependendo de uma série enorme de fatores. No entanto, já foi registrado pela literatura caso de morte por utilização de quantidade inferior a 30 miligramas de cocaína". Acrescenta que, no citado exame toxicológico foi constada a presença de 23 mg/100 ml na urina examinada e 2,4 mg/100g de tecido de fígado". Pondera ainda que o exame histopatológico corrobora a tese da vítima ter feito uso da droga referida, posto que a Medicina Legal nos ensina que os alcalóides, de uma maneira geral, não produzem lesão apreciável nas vísceras. Nada foi constatado no mencionado exame. Nem mesmo lesões no fígado que demonstrasse ser a vítima alcoólatra.

Pupila dilatada

Para o promotor, outro elemento contido no inquérito que corrobora a versão ao laudo do IML - criticado em alguns depoimentos - é a afirmativa do médico Alvaro Machado Júnior, no sentido de ter constatado em Elis dilatação de suas pupilas (mitriase). Afirma o promotor que, em verdade, conforme o ensinamento de Hélio Gomes, em sua obra Medicina Legal, uma das características nas pessoas que fazem uso da cocaína é exatamente a dilatação das pupilas. No mesmo sentido é a lição de Almeida Júnior, outro especialista.
Ainda para corroborar a conclusão do laudo, o promotor menciona a palavra da testemunha João Francisco de Bau, no sentido de que a vítima, quando foi colocada no táxi para ser levada ao Hospital das Clínicas, estava "xixizada". Mais uma vez o promotor recorre à Medicina Legal, para citar o ensinamento de que o rim é uma das vias de eliminação dos venenos. Acentua que "por todos estes motivos, não posso duvidar dos exames periciais elaborados pelo IML."

Prova testemunhal

Após essas considerações, o promotor Pedro Franco de Campos passa a examinar a prova testemunhal constante no inquérito, "para saber se existem ou não indícios de crime a ser punido, dentro da competência desta Vara". Citando mais uma vez a obra do professor Hélio Gomes, acentua o promotor que aquele especialista, em sua obra, quando examina a toxicologia forense, mostra uma estatística por ele elaborada, onde aparece a conclusão de que dentre 852 cadáveres de pessoas mortas por envenenamento, 827 foram suicídios; 18 foram acidentes e apenas 7 homicídios. Para o promotor, essa estatística alicerça a afirmação do professor Flamínio Fávero - recentemente falecido - de que "é excepcional" a forma tipicamente dolosa de homicídio por envenenamento. Assinala o promotor que "na hipótese dos autos nenhum elemento demonstra a ocorrência de homicídio".

Instigação

O promotor também examina o delito descrito no artigo 122 do Código Penal (Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio). Ressalta que as testemunhas ouvidas no inquérito, de modo especial as pessoas que mantinham um relacionamento mais íntimos com Elis, "são unânimes em afirmar o seu envolvimento amoroso com Samuel Mac Dowell de Figueiredo". O próprio Samuel, aliás, quando ouvido no inquérito, "não esconde seu relacionamento com a vítima, chegando a afirmar que iriam morar juntos". Várias testemunhas mencionam ainda o fato "de Samuel dormir quase que diariamente em companhia de Elis".
Relata ainda o promotor que na noite que antecedeu à morte de Elis, conforme depoimento de Samuel e de Celina Maria Perez da Silva, houve uma reunião de rotina no apartamento da cantora, com a presença de músicos, sendo certo que por volta das 22 horas todos deixariam o local, permanecendo apenas a cantora e Samuel. Este, por volta das 22h30, quebrando o seu hábito, também deixou o apartamento. Durante toda a noite o telefone do apartamento tocou várias vezes - Samuel afirmou no inquérito que telefonou naquela noite mais de uma vez para Elis - sendo certo que a empregada Maria das Dores afirma que "Elis se invocou e foi atender o telefone na cozinha... dizendo palavrão".
Para o promotor, porém, "nada foi apurado no sentido de ter ocorrido um desentendimento entre Samuel e Elis. Ao contrário, todas as pessoas ouvidas afirmam que o relacionamento entre ambos era normal e feliz". Até o testemunho do irmão de Elis, para o promotor, "não deixa a menor dúvida sobre todas as circunstâncias do fato até aqui narrado".

Nada a punir

E conclui o promotor: "Portanto, a prova colhida não demonstra a ocorrência, nem mesmo em tese, do delito de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, mesmo porque não se pode falar, com segurança, em suicídio." Termina por requerer o arquivamento do inquérito, na 1ª Vara Auxiliar do Júri, "por não existir crime a ser punido". Pede ainda sejam desentranhadas dos autos as fotos lacradas referentes à autópsia do cadáver no IML, para que sejam remetidas, em envelope também lacrado, ao Instituto Médico Legal. Finalmente, solicita "sejam extraídas cópias "xerox" de todo o inquérito, remetendo-se à Delegacia Especializada em Crimes Relacionados com Entorpecentes, para rigorosa apuração sobre quem forneceu a droga para a vítima".

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