200:000$ POR UM SACRILEGIO!
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Publicado
no Folha da Manhã, Sabbado, 15 de dezembro de 1928
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Como
a camara é camarada...
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Os jornaes, hontem, no seu noticiario, dando conta dos "trabalhos"
da ultima sessão da Camara Municipal, trouxeram, perdido
num cantinho, uma noticia muito interessante: os srs. vereadores
paulistanos, nessa memoravel reunião, autorizaram a abertura
de um credito de duzentos contos de réis para a installação
de um botequim no Parque da Avenida Paulista!
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O
parque paulista
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Esse parque, situado no ponto mais elegante da Paulicéa,
no seu ponto mais salubre, é uma verdadeira joia encravada
na estructura de cimento e ferro da capital. Recanto verdadeiramente
pittoresco, a que arvores seculares dão uma nota viva e aggreste,
lindamente barbara, esse parque é um dos mais justos orgulhos
do paulista, pois alli se condensa e como que se synthetisa, toda
a selvagem beleza das florestas tropicaes. É, póde-se
dizer sem euphemismo, um pequeno paraiso dentro da cidade de aço.
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As creanças
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Eis o motivo por que elle vem se tornando o parque das creanças.
Não se pense, porém, que só as creanças
ricas das immediações o procurem. Não. Aos
domingos, principalmente, ellas vêm de longe respirar um pouco
de ar puro entre as grandes arvores e absorver um pouco de chlorophyla
tão necessaria aos pequenos organismos em formação.
E com ellas, vêm suas familias. Senhoras idosas e moças
o procuram. E elle, o bello parque, ganha um aspecto inedito, cobrindo
com as cópas protectoras de suas grandes arvores os grupos
de creanças e moças que nas aléas se divertem.
Risadas infantis, chilros de passaros... E o lindo parque, dia a
dia, ia ganhando fama como o parque das familias, o parque das creanças.
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De repente...
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Surge a ineffavel Camara Municipal, a grande inimiga da cidade.
Absorvida por um materialismo quasi selvagem, cuidando, apenas,
de coisinhas pequenininhas, de questiunculas pessoaes e de politicagem,
a utilissima Camara, não tendo, por outro lado o que estragar,
volveu suas vistas ávidas para o lindo parque Paulista.
Vendo o precedente aberto pelo prefeito - que permittiu a collocação
daquelles hediondos bancos commerciaes que feriram a fina sensibilidade
esthetica de Jinarajadasa - a Camara lembrou-se de uma coisa execranda:
installar dentro do parque, com todas as solennidades, a mancha
negra e asquerosa de um "botéco", a que deu, por
um excesso de liberdade vocabular, o nome de "pavilhão-restaurante"!
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O
"Botéco"
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É possivel que a Camara, na sua eterna cegueira, e na sua immutavel,
incuravel ausencia de cultura esthetica, se lembrasse do "botéco"
dentro do Parque, sem pevêr o mal que praticava com tão leviana
medida. Nem era preciso, de resto, um pouco de cultura esthetica.
Bastava, apenas, um pouco de raciocinio para se prevêr o effeito
ruinoso que causará um botequim num parque, que é o parque predilecto
das familias e das creanças. Mas a Camara não previu coisa alguma.
Levada por motivos que se ignoram, ella vae arrancar 200 contos
ao Thesouro para que algum botequineiro feliz installe, dentro do
pequeno paraiso, o seu balcão de chopps, batidas, cok-tals e pingas
com limão! A Camara não admite nada neste mundo sem o concurso da
pinga. Começou com a imposição ás casas de comestiveis que quizessem
abrir aos domingos: ou vende alcool ou fecha! E quem quiz vender
comestiveis aos domingos teve de submetter-se á imposição hedionda!
Agora é o Parque da Avenida, unico parque que as familias pódem
frequentar. A Camara não quer mais isso. As familias e as crenças
que fiquem em casa! Installe-se o "botéco" lá dentro e abra-se o
parque para os páos-d'agua! Estamos, como se vê, em pleno regimen
da bagunça!
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Quanto
ás creanças...
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Que fiquem encafuadas nos seus quartos, ou nos seus porões
asphyxiantes e ouçam, de vez em quando, sociedades eugenicas
prégarem, com o mais lindo platonismo, as grandes necessidades
da vida ao ar livre e do "aperfeiçoamento da raça".
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