O PROBLEMA DO ANALPHABETISMO


O prof. Schiavo falando à "Folha" dirige a palavra aos homens de alta responsabilidade nos destinos de São Paulo e aos estudiosos em materia de ensino

Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 13 de janeiro de 1933

Neste texto foi mantida a grafia original

Um dos problemas que mais de perto deve preoccupar a administração publica, é, não haja duvidas, o do analphabetismo, em seus complicados aspectos.
E, como o assumpto está agora na ordem do dia fomos colher o pensamento do sr. Antonio L. Schiavo, o inspector do ensino privado que se tem mostrado mais interessado ao assumpto e que a elle dedica a melhor das attenções estudando-o em suas multiplas feições.
Conhecendo, como conhece, toda a complicada organização o esforçado professor declarou, de prompto:
- "Um anno de experiencia em contacto exclusivo com as escolas particulares, firmaram minha convicção de que precisamos enfrentar resolutamente e sem delongas o problema de sua remodelação, ainda que por etapas.
O magisterio primario existente é escasso para dar conta do trabalho de beneficiamento de tanta materia prima (a criança).
Professores diplomados, ha-os em demasia (5.000, em numeros redondos), sem collocação e sem esperança de collocação breve, devido à situação financeira do Estado. É este o estribilho indefectivel. Mas o Estado não pode cruzar os braços porque o mal se aggrava dia a dia. A verba tem que sahir e o que cumpre é aproveital-a da melhor forma. Produzir o maximo com o menor dispendio possivel.
A verba actualmente consignada nos orçamentos, sem duvida respeitavel não chega sequer para a terça parte da que é necessaria.
A abertura de uma escola official custa 4:800$000 annuaes e admittindo que o Thesouro comportasse o provimento de duas mil tornar-se-ia mister dispôr de 9.600:000$.
Com duas mil escolas, na base razoavel de 35 alumnos por unidade, acudiriamos a 70.000 crianças.
Para escolher dois mil professores é innegavel que não poderiamos fugir ao concurso, e o melhor concurso, pelo menos o mais aconselhavel para os que se destinam ao magisterio official, afigura-se-me aquelle que se baseia no trabalho produzido, por isso que só com elle fica comprovada a efficiencia do mestre. Ainda assim ficariam sem escola tres mil professores, o que vale dizer tres mil descontentes que entendem, e muita gente com elles que o governo lhes conferindo, com o diploma, o direito a exercer o magisterio publico, está na obrigação indeclinavel de pôr à sua disposição escolas em numero sufficiente.
II
Como vimos acima, na base dos vencimentos actuaes, seriam precisas duas mil escolas, a 35 alumnos por escola e a 4:800$000, annuaes, por unidade, para darmos ensino a setenta mil alumnos. Mas no Estado não ha apenas setenta mil crianças sem escola. Talvez não ande longe calculando-as em quatrocentas mil.
Como poderá o governo attender às que se accommodariam nas cinco mil escolas de que precisamos para dar trabalho immediatamente aos cinco mil professores sem collocação? Vamos estimular a iniciativa dos descollocados.
Encarando o problema pelos varios prismas pelos quaes se apresenta, que é o de fornecermos ensino ao maior numero possivel de alumnos de um lado, e trabalho ao exercito de cinco mil novos professores do outro lado, tentarei expôr uma série de sugestões que devem ser estudadas com o mesmo carinho e sinceridade com que as organizei, no proposito de contribuir para o lance que visa atacar de frente a maior calamidade de nossos dias - o analphabetismo. Vamos por partes.
a) - A nenhum professor de escola particular deve ser dado continuar a exercer suas funcções, sem que, submettendo-se a exame em escola normal official, prove ter um preparo igual ou superior ao que é preconizado pelo programma do 2º anno desses estabelecimentos.
b) - Fica creado o magisterio pré-official, como meio de seleccionar (concurso) os professores que se destinam ao magisterio official.
c) - Para o effeito da creação do magisterio pré-official, o governo consentirá na abertura de até cinco mil escolas, localizadas de accôrdo com as necessidades prementes dos nucleos de população mais densa e de preferencia naquelles onde predomina o elemento alienigena.
d) - As escolas do magisterio pré-official funccionarão nas mesmas condições que as isoladas officiaes, no que diz respeito aos programmas, horarios e férias.
e) - O professor que se dedicar ao magisterio pré-official, terá os seguintes direitos.
1 - concessão do mobiliario indispensavel para a montagem de sua escola, e material consumivel uma vez por anno;
2 - auxilio de 300$000 annuaes para aluguel da sala de aulas;
3 - fazer parte da Caixa Beneficente dos Funccionarios Publicos, na forma estabelecida para os de primeira nomeação do magisterio official;
4 - a titulo de auxilio, a gratificação de 30$000 por alumno alphabetizado e a de 20$000 por alumno promovido do segundo para o terceiro gráu, em exame fiscalizado pelo inspector escolar ou pelo auxiliar;
5 - ingressar para o magisterio official;
6 - contagem de tempo para o fim de aposentadoria, na hypothese de ingressar no magisterio official.
f) - O concurso para o ingresso no magisterio official terá como bases:
1 - o trabalho produzido durante dois annos e a nota do diploma reunidos;
2 - no caso de empate a preferencia será dada segundo a situação financeira, encargos de familia e idade, na ordem decrescente.
g) - Para effeito do concurso o trabalho realizado será apreciado por meio de numeros, estabelecendo-se um coefficiente por alumno alphabetizado e um coefficiente para as promoções em outros graus, sommados estes ao numero de pontos do diploma.
h) - Fica instituida a caderneta do professor do magisterio pré-official na qual será creditado, anualmente, o trabalho realizado.
i) - Os professores do magisterio pré-official poderão cobrar de seus alumnos mensalidade nunca superior a 10$000.
j) - Taes professores respondem pela perfeita conservação e restituição do mobiliario escolar, que ser-lhe-á entregue mediante documento explicativo.
k) - As escolas isoladas officiaes que vagarem durante o corrente anno serão supprimidas em favor da abertura de escolas para o magisterio pré-official.
l) - As escolas isoladas officiaes que vagarem em 1934 (segundo anno) permanecerão fechadas para o fim de serem preenchidas por meio de concurso, ao qual poderão concorrer exclusivamente os professores do magisterio pré-official.
m) - O governo localizará, annualmente, trezentas escolas isoladas para serem preenchidas, sempre pelos professores do magisterio pré-official, com, pelo menos, dois annos de exercicio nellas.
Damos a seguir o calculo de despesa annual para cinco mil escolas:
Auxilio pela promoção, calculado sobre 30 alumnos por escola, em 5.000 escolas, a 30$000 por alumno, 4.500:000$000; Material consummivel para 5.000 escolas, a 30$000, 150:000$000; Gratificação a 250 directores de Grupo, para auxiliarem o serviço de inspecção a 600$000, 150:000$000; Auxilio para o aluguel de 5.000 salas de aula a 300$000, 1.500:000$000. Total 6.300:000$000.
Com essa despesa, poderiamos fornecer ensino sadio e melhor orientado, a 175.000 alumnos, isto é, 5.000 escolas a 35 alumnos por unidade, escolas que se forem officiaes na base actual, importariam num gasto annual de 24.000:000$000".


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