O SECULO DOS VENENOS
COMO
ASSASSINAVAM ANTIGAMENTE
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Publicado
na Folha da Manhã, sábado, 12 de setembro de
1925
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Para a historia da criminalidade é de summa importancia o conhecimento
do seculo XVII, que poderiamos chamar de "seculo dos venenos",
pois que estes estiveram em grande voga, ao par da magia, alchimia
e todas aquellas sciencias mysteriosas e terriveis que fazem do seculo
citado um dos mais lugubres e interessantes.
Foi o seculo dos Borgias, de Brinvilliers, de La Voisin, dos ferozes
alchimistas dispostos a todos as criazes a que os contratassem, o
seculo da crueldade É o seculo, finalmente, em que certos malvados,
revestidos com a autoridade da sciencia, operavam nos hospitaes, ensaiando
o effeito moral dos venenos nos enfermos que se recolhiam, amparados
e defendidos pela caridade...
Ademais, como envenenavam, os nossos antepassados?
Esta é a questão verdadeiramente scientifica e a mais
interessante.
Vejamos, pois, como poderemos respondel-a.
Ha diversos formalidades da época por onde se pódem
conhecer varias receitas relativas ao uso da preparação
dos venenos.
Os auctores de taes formularios pódem arguir hypocritamente
que "elles com os seus livros não queriam offender a Deus
nem prejudicar ao proximo, nem mesmo ensinar a pratica do mal, como
alguns maliciosos calumniadores poderiam crer e affirmar". O
certo, porém, é que em suas obras popularizavam a technica
de certos venenos, cujos effeitos se exteriorizavam por perturbações
gastricas, peritonites e febres diversas, que geralmente eram fataes.
Ha disto um exemplo tirado de taes livros: "Tornae uma onça
de prata purificada em crizol e a divida em laminas bem delgadas.
Vertei sobre ellas 3 onças de acido nitrico. Dissolvei a prata
e o liquido resultante e guardae-os numa garrafa de crystal muito
bem arrolhada.
Quando se applicar este composto, dissolva-o em vinho ou em outras
bebidas em doses maiores de dez ou doze grammas, que fatalmente produzirão
a morte, cuja causa se confundirá com a causada por certas
febres héticas."
Extrahimos esta preparação de uma pharmacopéa
real franceza do tempo de Luis XIII.
Era ella conhecida com o nome de "vritriolo da lua".
Na mesma obra ha outra formula que servia para prepar o sublimado
corrosivo, veneno que se empregava mui raramente naquellas épocas,
mas que entrava na composição dos venenos que se conheciam
com o nome de Régulos.
A demonstração de que esta lição foi aproveitada
está em que logo depois do apparecimento deste livro uma senhora
evenenou o seu esposo com uma substancia feita segundo a citada formula.
Não se limitavam, porém, os livros referidos a ensinar
puramente a chimica da composição dos toxicos. Faziam
mais: davam todo genero de detalhes para a melhor administração
dos mesmos e para a fórma mais commoda de applical-os.
Aconselhava-se, por exemplo, mistural-os nos confeitos, nas conservas,
na alimentação, etc.
Desse modo o seculo de Luis XIII se mostra superior a todos os outros
em as combinações dos venenos vegetaes com os de origem
animal.
Sabia-se provocar fermentações putridas, cuja virulencia
foi por largo tempo segredo e cujos effeitos espantavam os proprios
medicos da época.
Ha receitas de uma manipulação tão facil, que
se surprehende que o seu emprego não tenha tido mais frequente.
Os cadaveres humanos principalmente de afogados, de suicidas, de enforcados,
de mulheres mortas de parto, dos que haviam morrido de enfermidades
epidemicas e contagiosas, os envenenados, etc., serviam para excitar
e augmentar a virulencia de certos extractos.
Para este effeito roubavam-se os cadaveres e delles faziam-se culturas
para obterem preparações mais terriveis que os peores
venenos preparações que administravam em suas vitimas,
sendo assim os precursores das modernas inoculações,
e mais que precursores, os que descobriram verdadeiramente.
Outras vezes, em Florença sobretudo, agarrava-se um animal
domestico, administrava-se-lhe um veneno activissimo e quando elle
morria, abriam-lhe o ventre para activar a putrefacção,
enchiam os intestinos com arsenico, esperavam a fermentação
e depois recolhiam tudo em recipientes especiaes e conservavam o liquido
até o momento opportuno.
Assim foi preprado o veneno usado pela celeberrima marqueza de Brinovilliers,
segundo ella mesmo confessou.
Quando o alchimista, o envenenador e o delinquente, guardavam os germens
infecciosos, a que nos referimos, os pós arsenicaes e mercuriaes
conhecidos nessa época, os microbios recolhidos dos cadaveres,
previamente arrancados dos seus tumulos, póde se dizer que
possuiam o mais terrivel e efficaz de todos os meios de morte.
Explica-se, pois, o temor que o povo tinha daquelles individuos e
se comprehende a crueldade dos supplicios que se lhes applicava quando
algum facto ruidoso os conduziam a pagar seus delictos com a morte.
Assim, o povo via morrer com alegria a esses possuidores de uma potencia
occulta, mysteriosa, terrivel e exterminadora...
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