DIA DOS NAMORADOS
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Publicado
na Folha de S. Paulo, domingo, 12 de junho de 1983
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Desde a Roma antiga até os dias de hoje, desde as festas
pagãs de Lupercália, proscritas pela Igreja, até
o singelo dia de São Valentim, no hemisfério Norte,
o Dia dos Namorados não tem dia fixo. Talvez por que todo dia
seja dia mesmo, como garantem enamorados casais surpreendidos na cidade,
e que tudo mais, o próprio Dia, não passa de comércio,
exploração, lucro fácil. Namoro não tem
dia nem hora. Mas, assim mesmo, vamos comemorar. |
Dia dos Namorados, nos Estados Unidos é gentilmente patrocinado
por São Valentim, além, evidentemente, de uma bela penca
de multinacionais interessadas no assunto. A origem, no entanto, é
bem remota. Na assanhada Roma pré-cristianismo, o povo se agitava
com a festa pagã de Lupercália. Todo 15 de fevereiro,
um batalhão de rapazes retirava da "urna do amor"
o nome de suas ninfetas. O Império despencou, mas o costume
prosseguiu na Inglaterra. Cristianizado, como todos os hábitos
de então. E o 14 de fevereiro, dia de São Valentim,
foi o pretexto mais próximo no tempo para o expurgo da devassa
Lupercália. A moda ficou: tanto que, hoje, milhões de
americanos e ingleses prosseguem na prática de trocar presentes
e cartõezinhos em nome de um celibatário Santo que,
ao que tudo indica, não tinha nada a ver com a festa.
Os brasileiros preferiram o friozinho de junho. E o bom Antônio
acabou eleito padroeiro de todos os corações nacionais.
Mas da mesma forma que a Igreja excomungou Lupercália, o desenvolvimento
capitalista acabou ofuscando santinhos casamenteiros e boas intenções.
No fim das contas, restou o apelo comercial. Um respeitável
vaivém de presentes, um razoável aumento no volume de
envelopes depositados nos estabelecimentos postais. Tudo em nome de
um sentimento que já uniu Marco Antônio e Cleópatra,
Tristão e Isolda, Romeu e Julieta e que ameaça atingir
seu extremo na cibernética - mas não menos romântica
- relação entre o "blade runner" Deckard e
a sedutora andróide replicante Rachel. E tome a primeira lição:
amor não tem tempo. Sempre, como diz a canção,
"love is in the air".
No entanto, não deixa de ser engraçado. O amor pipoca
em toda parte, sem estar em lugar nenhum. E uma reportagem sobre a
popular "flor roxa que nasce no coração dos trouxas"
exige cuidados. Principalmente na abordagem. Afinal, está-se
pisando um chão ambíguo. Um espaço que a escritora
Lygia Fagundes Telles soube definir com perfeição: "É
um casulo imantado que envolve os amantes e que pode explodir como
um terreno minado; muita cautela ao pisar nesse terreno. Com sua disciplina
indisciplinada, os amantes são seres diferentes e o ser diferente
é excluído, porque vira desafio, ameaça."
Mas vale a pena insistir; o coração sempre fala mais
alto.
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