A IRONIA DE UM CONGRESSO


"A mocidade negra - disse-nos um dos ex-batalhadores da causa - pretende realizar um congresso sem programma definido"

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 12 de janeiro de 1930

Neste texto foi mantida a grafia original

Ha questão de um anno, precisamente, surgiram nos postes da Light, espalhafatosos cartazes representando um negro com as algemas do captiveiro partidas, encimados pelo rotulo "Congresso da Mocidade Negra" - e com uma legenda poetizada num appello a todos os homens de côr para que se unissem e formassem uma frente unica a reivindicação de seus direitos, que diziam postergados pelos brancos, e a uma reacção pacifica contra a asphixiante miseria que os negros soffriam.
Toda gente que deparava os citados cartazes sorria piedosamente e passava, olvidando, ao depois, aquelle grito unisono à Liberdade... Ninguem, porém, se lembrava de um ligeiro confronto da realidade com a pseuda legenda, constatando a sua improcedencia e inverdade. Tanto assim que o movimento não despertou siquer um commentario da Imprensa e permanecerá longo tempo ignorado. Actualmente, opera-se, à surdina, um movimento hostil ao "Congresso". Varios negros, desconfiados da lisura que a elle preside e comprehendendo a sua acção infructifera e impatriotica, estão decididos a desmascaral-o.

"Mystificação"

Um dos reaccionarios, com quem mantivemos uma palestra a respeito dos fins do "Congresso da Mocidade Negra", verberou, com energia, a sua effectuação, ponderando com logica e com justiça. Entre outras cousas, disse-nos que não attina com o valor do Congresso em vista de algumas pretensões absurdas que não têm razão de ser. A situação dos nucleos de homens de côr, na sua opinião, não se approxima do melhor em vista do pouco valor que os negros emprestam ao seu destino. Mas, para a reintegração ou, mais acertado, para conseguir desfructar desse prestigio que muitos desejam, não são precisos congressos nem movimentos de hysteria. A imprensa negra, pelos seus órgãos mais representativos desempenha galhardamente uma brilhante acção social entre os negros, acção essa que, si comprehendida no maior proveito que esses simulacros de Congresso. O negro, por indole, todo e nas partes, redundaria em permanece na sua maioria apathica, pouco se importando com a instrucção e a cultura do intellecto. A miseria do cortiço, ao som do violão, dois pandeiros e dos cavaquinhos na execução dos sambas e cateretês, que constituem as dansas exoticas preferidas, acompanhados das cantigas dolentes de uma rapariguinha de voz rouquenha e desafinada, preoccupa-os mais, talvez por trazer à sua mente as recordações dos unicos dias felizes do captiveiro.
O futuro para o negro, não existe. Elle cogita, tão sómente, do presente.

Nos cortiços

Continua o nosso reaccionario: Mais uma pergunta: Por que motivo os negros, em grande maioria, moram nos cortiços? A resposta, asseguro-lhe, é muito facil: A pouca valia que impprimem aos seus trabalhos; a pouca ou nenhuma cultura e a accentuada dolencia dos seus passos; a inercia e a falta de vontade e iniciativa para uma reação na trilha do progresso, são as causas principaes que obrigam os negros às miserias do cortiço.
O "Congresso da Mocidade Negra", estou certo, não resolverá esse problema. Elles estão resolvidos pelos brancos e só falta que nos approximemos delles, porquanto não pode haver humilhação em tal medida. Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes, com independencia e hombridade e tenacidade, será o marco inicial da segunda redempção dos negros. O mais que se tentar, por meios de arruaças e Congressos fallidos no seu nascedouro, serão tentativas vãs e improficuas.
Agora pergunto-lhe, porque conservarem no amago, como um sentimento de honra, esa tradição do passado? Que glorias poderá ter o negro, dos nossos dias coloniaes, senão de ter cooperado para o desbravamento do sertão e a conseguinte e efficaz collaboração ao homem branco no cultivo da terra, fazendo-lhes a prosperidade e cavando a sua propria ruina? Que relembrem esses dias tenebrosos da historia do passado como dias de martyrio e de soffrimento, comprehende-se. Mas, não com essas expansões exquisitas de enthusiasmo. Salientemos que a sua liberdade não foram elles que a conseguiram. As tentativas que emprehenderam mallograram desastrosamente. E da mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus sonhos!
Ponderemos, agora, que razão têm elles para quererem uma segunda liberdade:
a) Gozam de todos os direitos politicos;
b) Gozam das mesmas as prerrogativas dos homens brancos;
c) Estão sujeitos às mesmas leis e aos mesmos rigores;
d) Têm entrada livre em todas as Faculdades e Escolas superiores;
e) Têm direitos, emfim, iguaes aos homens brancos.
Visto isto, continua o nosso entrevistado, que motivo os inspirou à cogitação do Congresso? Creio, sem medo de errar, que mais um pretexto de exhibição. Ou, ainda, uma mystificação à boa fé dos incautos. Em summa, a Mocidade Negra pretende realisar um Congresso sem um programma definido!

Sob o ponto de vista social

Os negros, debaixo do ponto de vista social, estão muito atrazados. A culpa desse atrazo, - assegura-nos o nosso informante - cabe-lhes unicamente. Raramente se vê um preto de destaque. Consequencia, talvez, da inercia que os caracteriza, arrastando a miseria duma vida por não saber enfrental-a com impavidez.

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