O QUE QUEREM OS "HIPPIES"
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 1968
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Eles estão espalhados por todos os cantos, diz uma senhora
olhando para um grupo de "hippies" na Dupont Square, em
Washington. Ali está uma centena de rapazes e moças
que aproveitam o sol, nesta manhã fria, para se deitar no gramado
verde da praça. As moças trajam roupas de cores berrantes,
enquanto os rapazes apresentam seus indefectiveis cabelos longos.
Alguns deles apresentam no rosto tatuagens coloridas de flores - simbolos
da paz.
De Nova York a São Francisco, a cena desses grupos perambulando
pelas ruas ou reunidos nos parques já deixou de ser um fato
que espanta os norte-americanos. Hoje, a curiosidade que eles despertam,
atrai mais os turistas do que os habitantes das grandes cidades dos
Estados Unidos.
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A
engrenagem |
Em São Francisco, o poeta Richard Brautigam percorre as mesas
de um bar, coletando com os presentes, a quantia de 80 dolares que
necessita para livrar um amigo seu da prisão. Brautigam explica
que seu amigo foi preso por trafico de marijuana. Para obter a simpatia
dos contribuintes, Brautigam distribui alguns poemas seus. Mas faz
questão de afirmar que os poemas são dados e não
vendidos.
"É preciso quebrar com a engrenagem desta sociedade materialista",
explica, "mesmo que o preço para tanto seja a miseria".
Os "hippies" procuram desconhecer o valor e a importancia
do dinheiro na vida dos homens. Acreditam que as sociedades materialistas
de nosso tempo chegaram a um ponto em que a vida e o sonho dos homens
passaram a girar em torno de um valor irreal - o valor do dinheiro.
Ao mesmo tempo em que fazem essa acusação, os hippies
recusam-se a modificar essa sociedade, preferindo ignorá-la.
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Localização |
Assim como os existencialistas franceses, após a II Guerra,
estabeleceram-se em Paris, em Saint Germain-des-Près, os varios
movimentos da juventude norte-americana tiveram também os seus
locais preferidos. Assim os "beatniks" localizaram-se na
costa californiana, principalmente no Big Sur. Os "hippies",
ao contrario, não migraram para um determinado ponto do país.
Ficaram nas cidades de onde são originarios, escolhendo, porém,
determinados bairros. É o que aconteceu com o Greenwich Village,
bairro boemio que abriga os "hippies" novaiorquinos.
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Um
sinal vermelho |
O historiador inglês Arnald Toynbee referindo-se ao fenomeno
dos "hippies" afirma que eles são "um sinal
vermelho ao modo de vida americano". Segundo os sociologos, o
numero total desses jovens é de 500.000, o que quer dizer 1/400
da população dos EUA. É um numero bastante significativo,
que transforma em problema o que foi, de inicio, um simples fato curioso.
Embora o movimento dos "hippies" congregue também
negros, os estudiosos o consideram, fundamentalmente, um movimento
de brancos e, mais do que isso, tipico dos Estados Unidos. A disponibilidade
e a passividade dos "hippies" é mais atrativa ao
jovem branco do que ao negro que trava, em nossos dias, uma batalha
em busca de sua afirmação. Por outro lado, embora haja
"hippies" em Londres, Paris e outras cidades européias,
somente nos Estados Unidos eles encontram a justificação
plana no movimento.
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Anticorpos |
Segundo o filosofo americano Alan Wats, que é um dos líderes
dos "hippies", esse "movimento deve ser entendido como
uma realização biologica da coletividade. Para defender-se
contra os perigos que a ameaçam, a sociedade doente segrega
os anticorpos." A conclusão logica disso - conclusão
que nem os "hippies" desmentem - é que eles existem
em função de uma sociedade. Sua existencia portadora
é temporal e negativa, pois havendo a cura dos males que a
afligem eles deixarão tambem de existir.
A atitude "hippie" envolve tambem uma reação
anti-intelectual. Pouquissimos entre eles acompanham a literatura,
embora a maioria viva apregoando frases e autores. Isto se explica
porque essas frases e seus autores servem, de uma ou outra maneira,
ao seu movimento. Assim o nome de Jesus, por exemplo, é aceito
por que Jesus pregava o amor, que é o objetivo do movimento.
Mas, ainda mais do que Jesus amam a imagem do Budha, que para eles
teria sido um precursor do movimento "hippie". Budha pertencia
a uma familia aristocratica, mas preferiu abandonar a riqueza e a
segurança para sair de uma engrenagem e viver a sua liberdade.
Outro ídolo desse jovens é São Francisco de Assis,
que sacrificou tudo a favor de suas idéias. Aldous Huxley é
louvado tambem e a razão para isso é por ter o escritor
destacado o poder das drogas em seu livro "As portas da percepção".
Thoreau o filosofo americano do seculo passado, foi eleito o grande
guia espiritual dos "hippies", que justificam essa escolha,
afirmando que Thoreau foi apostolo do instinto e da indolencia.
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Robert
Kennedy |
O falecido senador por Nova York, Robert Kennedy, era um dos poucos
politicos americanos aceitos pelos "hippies". Certa feita,
definiu esse movimento como "uma tentativa por parte desses jovens
de serem reconhecidos como individuos em uma sociedade onde o numero
de individuos é cada vez menor".
A verdade, porem, é que o isolamento dos "hippies"
diante do mundo atual, desprezando os seus modos e costumes, encerra
uma atitude aristocratica tão nociva quanto a indiferença
da sociedade atual para com o individuo. Criado esse impasse, é
dificil esperar-se que ambas as partes possam chegar a um acordo.
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