O MOVIMENTO GRÉVISTA DE S. PAULO CONTA COM A ADHESÃO DOS TECELÕES

O inicio da gréve dos operarios textis - Grave conflicto entre os grévistas e a policia no largo da Concordia - As fabricas atacadas - O movimento dos ferroviarios da S.P.R. - Restabelecido parcialmente o trafego com Santos - A situação dos sapateiros, vidreiros e empregados em cafés - As prisões de grévistas - As ultimas noticias do movimento nesta Capital, S. Bernardo e Santos

Publicado na Folha da Noite, quarta-feira, 11 de Maio de 1932

Neste texto foi mantida a grafia original

A gréve geral dos tecelões, declarada hoje pela madrugada, vem ampliar de um modo consideravel a luta operaria pelas reivindicações de classe, iniciada em S.Paulo ha uma semana e dias. O sector operario das industrias textis é um dos mais importantes da capital, pelo contingente numerico da massa trabalhadora que delle participa. Um aspecto dessa numerosa classe justifica os movimentos em pró dos direitos dos trabalhadores que se dedicam á especialidade textil: a grande quantidade de mulheres e menores que trabalham nas fabricas de tecidos. Tanto as mulheres como os menores nem sempre são favorecidos pelos salarios, pelo tempo de serviço, e pelas condições hygienicas de trabalho. O ambiente fabril desse ramo industrial comporta ás vezes condições francamente intoleraveis para as massas operarias. Nem todos os industriaes compreendem o valor da defesa social nesse terreno e o alcance pratico das reformas no regime do trabalho das fabricas, no sentido de melhorar equitativamente a sorte do operario. A predominancia dos processos industriaes antiquados reverte forçosamente em prejuizo dos trabalhadores, nos tocante ás condições hygienicas da actividade. O systema dos salarios minimos e o regime por vezes draconiano do serviço em ambientes deleterios á saude não favorecem evidentemente a integridade physica dos operarios, cuja, grande parte é constutuida de mulheres e menores, classes essas contempladas quasi sempre com salarios irrisorios. Dahi a frequencia do movimento grévista nas fileiras da massa textil que em S. Paulo fórma um respeitavel contingente proletario e merecedor de particular attenção por parte das classes patronaes. A gréve geral dos tecelões tem essa caracteristica que a distingue do movimento das demais classes operarias em luta pacifica pelos seus interesses collectivos.

Como foi decretada a gréve geral dos tecelões

Os tecelões declararam-se em gréve geral após a reunião de hontem, ás 21 horas, na séde da União dos Operarios em Fabricas de Tecidos, no largo do Belém, n. 23. Essa reunião prolongou-se até a madrugada de hoje. Foram debatidas varias questões relativas ao movimento e ao memorial de reivindicações enviado ha dias á classe patronal. Os debates terminaram com a declaração da gréve geral. Está calculado em 65.000 operarios o numero dos empregados nas industrias textis de São Paulo, que abandonarão o trabalho hoje.

Um communicado dos tecelões

Após a reunião de hontem a commissão de gréve endereçou á imprensa o seguinte communicado: "São Paulo, 11 de maio de 1932. - Em assembléia geral da corporação, realizada hontem, á noite, para a qual se aguardava uma reposta do Centro Industrial de Fiação e Tecelagem sobre as reivindicações pleiteadas pela classe ficou deliberado, por acclamação unanime, a proclamação da gréve geral da corporação a partir das primeiras horas do dia de hoje, devendo assim todos os operarios textis se absterem do trabalho até satisfatorias concessões das reivindicações apresentadas. Ficou, outrossim, nomeado numeroso "comité" da gréve, o qual assume a direcção geral do movimento e em substituição da actual commissão executiva ficando a esta unicamente a direcção dos trabalhos puramente administrativos da União. As reivindicações dos operarios textis são as que foram apresentadas. Ficou deliberado reunirem-se todos os textis hoje ás 9 horas da manhã, no largo do Belém. - O "comité" da gréve".

A greve dos ferroviarios da Ingleza

O movimento grevista dos ferroviarios da S. P. R. tende a declinar, segundo se depreende do restabelecimento do trafego no trecho Alto da Serra-Piassaguera. Já hontem trafegaram diversoso trens entre esta capital e Santos, tudo parecendo indicar que o movimento esta para ser resolvido satisfatoriamente. A commissão da gréve ferroviaria mantém-se, porém, irreductivel nos seus propositos de classe, exigindo a satisfação integral das reivindicações propostas. Aguarda um entendimento directo com a superintendencia, afim de normalizar completamente a situação.

O syndicato dos ferroviarios transigiu

A attitude do Syndicato dos Ferroviarios da S. P. R. tem sido asperamente criticada pela commissão da gréve, que não admitte transigencia alguma no caso em contenda. O Syndicato, que transigiu nas pretenções da classe que representa, desligou-se officialmente da commissão da gréve, enviando nesse sentido um memorial ao sr. chefe de policia. E' evidente, pois, o "furo" da gréve dos ferroviarios, que, segundo um communicado do "comité" grevista deve ser attribuido á attitude do Syndicato dos Ferroviarios da São Paulo Railway.

Os trens que trafegaram hontem

O restabelecimento do trafego com Santos teve inicio hontem com os seguintes trens: A's 14 horas sahia desta Capital, com destino á cidade de Santos, o - S-12 - A's 14 horas e 3 minutos deixava Santos, rumo a São Paulo o - S-9 - tendo dahi por diante corrido normalmente todos os trens.

Mais um trem atacado

Quando atravessava o kilometro 92 da S. P. R. - ao anoitecer de hontem - foi alvejado, com varios tiros de revólver, um trem de carga que momentos antes sahira da estação da Luz. Os policiais que guarneciam o trem iniciaram rapidas pesquizas, sendo desconhecidos os resultados.

Um telegramma do interventor dando por terminada a gréve da S. P. R

O interventor federal em S. Paulo enviou ao chefe do governo provisorio o seguinte telegramma: "S. Paulo, 9 - Tenho a honra de communicar a vossa excellencia que a gréve dos ferroviarios terminou hoje com accôrdo entre os operarios grévistas e a superintendencia da S. Paulo Railway. Com profundo respeito (a.) Pedro de Toledo".

O que ha em S. Bernardo

S. BERNARDO, 10 (Do nosso correspondente) - Solidarios com os seus collegas das officinas da Lapa e dos planos inclinados da Serra, os empregados da S. Paulo Railway que exerciam sua actividade nos armazens e escriptorios da estação local resolveram deixar essas ocupações, até que a superintendencia da estrada resolva ceder ás exigencias dos demais paredistas. Substituidos em seus postos por enviados especiaes e em numero exiguo, apresenta a "gare" da Ingleza um aspecto inédito. Ao longo dos armazens e em todas as dependencias do predio da estação soldados da Força Publica prestam guarda. Os serviços da Serra, até hoje totalmente paralysados, segundo informações colhidas com os empregados substituidos na estação local deveriam ser reiniciados na noite de hoje, devendo o serviço de transporte se verificar pelos antigos planos inclinados da Serra. O apparato bellico, que empresta um cunho interessante á chegada e partido dos trens de suburbios que circulam de Pirituba á vizinha estação de Mauá, foi estendido á Fabrica Nacional de Cartuchos e Munições, afim de prevenir e evitar que os grévistas, que desde o rompimento da gréve se vêm mantendo em attitude pacifica, ataquem as dependencias daquelle estabelecimento. Dirigindo os serviços da estação continua o sr. L. Cassanha, chefe da mesma.

Os trens da Ingleza em Santos

SANTOS, 11 (Da nossa succursal) - A direcção da Ingleza communicou á imprensa que faria correr trens entre Santos e essa Capital, servindo-se para isso do pessoal da estrada velha da Serra, que não está em gréve. De facto, hoje, partiram desta cidade varios trens, mas, ao que nos informaram as locomotivas foram confiadas a machinistas da Armada Nacional, sendo ditos trens guarnecidos por força da polícia, devidamente armada.

Esta' quasi normalizada a situação dos sapateiros

A gréve dos sapateiros está quasi normalizada. Uma grande maioria dos industriaes assignou a tabella das reivindicações dos grévistas. Muitas fabricas já estão em franca actividade.

Em frente a' fabrica Clark

Hontem á tarde, cerca de 2.000 operarios quizeram impedir que os empregados da Fabrica Clark trabalhassem. A directoria da fabrica pediu garantias á policia, tendo comparecido ao local o dr. Raymundo de Menezes, commissario da Delegacia de Ordem Politica e Social que, agindo com calma e prudencia, dispensou os grévistas. Foram detidos cinco operarios que promoviam desordens, sendo postos em liberdade hontem á noite. Por ocasião de sua intervenção, o dr. Raymundo de Menezes deteve um cabo de cavallaria, por ter se excedido nas ordens que recebera.

Um communicado da federação operaria

"A Federação Operaria de São Paulo determinou ás organizações a ella adherentes, estarem preparadas para effectivarem a solidariedade material aos sapateiros, vidreiros e outras corporações em luta. Esta resolução foi tomada em face da attitude parcial que estão tendo as autoridades, as quaes sob pretexto de garantirem a "liberdade de trabalho", estão francamente a serviço do patronato e praticam toda sorte de violencia, contra os trabalhadores em gréve".

Foi "furado" o sector dos vidreiros

As ultimas informações não são favoraveis á gréve dos vidreiros. Esse sector grevista está sendo alvo de um "furo". A frente única foi rompida. Algumas fabricas de vidros já trabalham, embora com um numero limitado de operarios. Apesar disso, os grevistas permanecem firmes na luta. O respectivo syndicato de classe tem recebido numerosas moções de solidariedade.

A federação syndical regional e a frente unica da gréve

Communica-nos a Federação Syndical Regional de São Paulo: "Ante a situação dos movimentos de massa que se desenrolam em todo o Estado, o que demonstra a vontade de luta das massas, pela conquista de suas reivindicações immediatas, rompendo toda a reacção fascista, passando por cima de todas as lei reaccionarias ; ante a situação de crise crescente do capitalismo, da luta dos grupos feudaes-burguezes ligados a um ou outro imperialismo na conquista do poder; das demagogias, dos caudilhos pequenos burguezes; das trahições dos chefes trostkistas reformistas e anarchistas, a FSRSP - única central syndical regional, que luta a bandeira da luta de classes, realizará, no proximo dia 12 do corrente (quinta-feira), ás 19 horas, na rua Barão de Paranapiacaba, n.o 4, sob. uma ampla "conferencia de frente única". Essa conferencia que sob a palavra de ordem "por uma solução revolucionaria da crise, lutemos, em frente única, por nossos reivindicações immediatas", traçará as directivas revolucionarias de classe para as lutas presentes e as que se approximam. A FSRP. enviou cartas a todos os syndicatos da capital. Santos e interior, convidando-os bem como as minorias e oposições syndicaes a enviarem seus delegados eleitos em assembléas geraes. A ordem do dia a discutir será a seguinte: 1.o) - situação politica e economica nacional e internacional - Movimento de massa - 2.o) - Organismos de conciliação e de arbitragem - Direcção independente das lutas - 3.o) - Frente Única - 4.o) - Eleições."

A reunião de hontem no palacio do governo

Afim de tratar de assumptos relativos á gréve, estiveram, hontem no Palacio do Governo, em conferencia com o sr. Pedro de Toledo, interventor federal neste Estado, os srs. José da Silva Gordo, titular da pasta da Fazenda e do Thesouro do Estado e, interino, da Justiça e Segurança Publica e o major Cordeiro da Faria, chefe de Policia.

O governo do estado e a gréve dos tecelões

O governo do Estado forneceu á imprensa a seguinte nota: "O governo do Estado de São Paulo, tendo sido procurado pela Directoria do Syndicato Patronal de Industrias Textis sobre uma annunciada gréve de operarios textis, está prompto, como lhe compete, embora reconhecendo o direito de gréve, a garantir as fabricas e os operarios que nellas quizerem trabalhar. Promptifica-se, outrosim, como fez sentir á directoria daquelle Syndicato, a estudar o assumpto e com as partes em litigio resolver de forma a harmonizar, quanto possivel, os interesses em jogo, attendendo ás commissões de operarios de fabrica que, devidamente documentadas, expuzerem as suas razões para o projectado movimento. As commissões de operarios assim organizadas deverão se apresentar ao Departamento Estadual do Trabalho, expondo cada uma as suas pretensões por escripto, para que o governo com a attenção que merece o problema, procure attendel-as com o Syndicato dentro do razoavel".

Restabelecimento de trens

RIO, 11 - A Central do Brasil resolveu estabelecer o serviço de despacho de mercadorias e bagagens para as estações além da Serra, na S. Paulo Railway, visto ter terminado o movimento grévista dos funccionarios dessa estrada.


NO LARGO DA CONCORDIA

Grave conflicto entre a policia e grevistas

Hoje, ás 10 horas, o delegado de serviço na Policia Central recebeu communicação de que numeroso grupo de operarios em greve se achava no Largo da Concordia em attitude ameaçadora. Diante da ordem do chefe de policia, não consentindo mais reuniões de grévistas em praça publica a autoridade tomou as providencias que lhe competiam, enviando para o local um piquete de Cavallaria da Força Publica. Os cavallarianos, foram mal recebidos pelo grupo que era chefiado por um casal, estabelecendo-se nessa occasião um grande conflicto entre a policia e os grévistas que, para se defederem arrancaram os arbustos existentes no jardim da referida praça e com as hastes distribuiram pancadas a valer, havendo tambem apedrejamento. O casal que instigava o grupo a atacar a policia, aproveitando-se da confusão estabelecida evadiu-se, indo obrigar-se interior de um bar ali existente cujo proprietario fechou as portas para evitar que a policia penetrasse no mesmo com o fim de prendel-o. Em vista disso, foi estabelecido um cerco naquella casa commercial. Do conflicto sahiram feridos levemente um cavallariano e um sargento que foram soccorridos numa pharmacia das immediações, varios civis que não passaram pela Assistencia Policial. A policia effectuou varias prisões de exaltados, que foram recolhidos ao Gabinete de Investigações.

A fabrica Crespi apedrejada

Cerca de dois mil grévistas com o fim de impedir a entrada dos operarios na Fabrica Crespi, esta manhã apedrejaram o edificio e arrancaram as porteiras ali existentes. Uma força de cavallaria que garantia a Fabrica fez carga contra os grévistas, pondo-os em debandada. Por essa ocasião foi aggredido pelos grévistas um sub-delegado das 7.a Circumscripção, ficando levemente ferido e com as vestes em farrapos.

Reunem-se amanhã os empregados em café's da capital

Reunem-se amanhã, na séde da União Beneficiente dos Empregados em Hoteis e similares, os empregados em cafés desta capital. Será por essa occasião deliberada a attitude assumir diante do movimento actual. Haverá duas assembléas: ás 21 horas; para os que trabalham de dia e 1 hora da madrugada, para os da noite. Já foi distribuido um manifesto contendo as reivindicações de classe.

Numero dos tecelões em greve sobe a 90.000

O numero dos tecelões em gréve, conforme as ultimas informações colhidas, sobe a 90.000 approximadamente.

Mais disturbios

No Belem e varios outros pontos da cidade verificaram-se tambem alguns disturbios promovidos pelos grévistas. Alguns industriaes requisitaram garantias á policia.


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