CHOQUE COM EXÉRCITO DEIXA 3 GREVISTAS MORTOS NA CSN

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 1988

Um conflito entre soldados do exército, policiais-militares e metalúrgicos em greve na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda (RJ), causou ontem a morte de três pessoas e ferimentos em pelo menos 31. A identidade de dois dos mortos - Valmir Freitas Monteiro, 28, da própria CSN, e William Fernandes Leite, 23, da Fábrica de Estruturas Metálicas - foi revelada pelo prefeito da cidade, Marino Clinger (PDT), depois de visita ao hospital da CSN. Eles foram alvejados a bala. A existência de um terceiro morto (sem identificação) foi anunciada às 0h40 pelo presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, Juarez Antunes (deputado federal pelo PDT), e confirmada em seguida pela CSN.

O confronto começou às 19h, quando cerca de 600 soldados do Exército e da PM desceram a avenida Independência - em frente à CSN - atirando bombas de gás lacrimogêneo. Os metalúrgicos responderam com paus e pedras. Um automóvel foi utilizado como barricada pelos soldados. O coronel Orlando Mattos, comandante do 22° Batalhão de Infantaria Motorizada, afirmou que havia retirado "mais de mil" metalúrgicos da siderúrgica e que iria "tirar todo mundo lá de dentro durante a madrugada, porque eles estão depredando o patrimônio".

A ordem para a ocupação da siderúrgica pelas tropas do Exército, ocorrida na noite de terça-feira, partiu do juiz da 3ª Vara Cível de Volta Redonda, Moisés Cohen.

Confronto entre Exército e metalúrgicos causa 3 mortes

Da Sucursal do Rio

Três pessoas morreram ontem em Volta Redonda (a 99 km do Rio) durante os conflitos envolvendo soldados do Exército, policiais militares e metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em greve desde segunda-feira. Às 23h, o prefeito de Volta Redonda, Marino Clinger Toledo Neto (PDT), confirmou as mortes à bala de: Valmir Freitas Monteiro, 28, da CSN, e William Fernandes Leite, 23, da Fábrica de Estruturas Metálicas. Às 0h30 a assessoria da CSN confirmou mais uma morte.

Às 23h50, o presidente interino do Sindicato do Metalúrgicos de Volta Redonda, Marcelo Felício chegou ao hospital da CSN, levado pela Polícia Federal, ferido e algemado, segundo a assessoria de imprensa do próprio sindicato. A informação sobre os dois mortos foi ratificada pelo diretor-geral do Hospital São João Batista, Ricardo Name, que disse saber de dois corpos no hospital da CSN. Segundo o sindicato, as duas mortes teriam sido causadas por golpes de baioneta. O prefeito divulgou uma lista com 17 feridos no hospital da CSN, sendo quatro à bala; cinco feridos leves no Hospital São João Batista, e mais três feridos no Hospital Santa Madalena.

À 0h de hoje, o bispo de Volta Redonda, Waldir Calheiros, o presidente licenciado do sindicato, Juarez Antunes, o presidente da CSN, Juvenal Osório Gomes, o general José Luis Lopes e o prefeito da cidade, Marinho Clinger, começavam uma reunião para tentar uma trégua. Ao entrar para a reunião, o presidente da CSN disse que iria buscar uma trégua e que "há possibilidades de mais mortes". Disse que "o Exército foi enfrentado pela turba com paus e pedras e teve que reagir para não ser sobrepujado". Perguntado se apoiava a ação do Exército, afirmou: "Exército é isso, não tem meio-termo." O balanço da CSN até esse horário era: dois mortos, 23 feridos, cinco internados e 16 liberados com escoriações leves, atendidos no hospital da usina.

Às 0h30, ao sair da reunião, o general José Luís Lopes da Silva disse que tinha sido firmado o seguinte acordo: o Exército se comprometeu a não invadir a aciaria (onde é produzido o aço) esta noite, enquanto o sindicato se comprometeu a levar a proposta para a CSN de retirada, até as 8h de hoje, dos trabalhadores que ocupam a aciaria. O presidente interino disse que dentro da CSN estão mais de cinco mil homens do Exército.

Ao falar sobre os incidentes o general disse que houve tiroteio dentro da CSN. Afirmou que vários tiros de pistola 7.65 tinham sido dados de fora da usina e sobre a atuação da tropa disse que "o Exército agiu como devia ter agido, no sentido de restabelecer a ordem. Agora, a violência nós lamentamos. A tropa agiu em legítima defesa, mesmo fora da usina".

Às 19h, as ruas próximas ao portão principal da usina foram transformadas em uma praça de guerra: bombas de gás lacrimogêneo foram atiradas contra os grevistas, que respondiam atirando paus e pedras; um Volks foi virado por soldados do Exército que também armaram uma barricada de fogo na rua 25 A, próxima à entrada da usina. O comércio cerrou as portas quando o conflito começou.

O comandante das tropas do Exército que ocuparam a usina, general José Luis Lopes, disse que as tropas foram deslocadas para Volta Redonda "por duas razões: para restabelecer a ordem, porque houve insubordinação civil, e para preservar o patrimônio, que até agora não sofreu danos". O general mostrou um mandado de manutenção de posse expedido pelo juiz da 3ª Vara Cível de Volta Redonda, Moises Cohen, autorizando a invasão.

À noite, o coronel Orlando Mattos, comandante do 22° Batalhão de Infantaria Motorizada, disse que já havia retirado "mais de mil" metalúrgicos do interior da usina e que iria "tirar todo mundo lá de dentro durante a madrugada, porque eles estão depredando o patrimônio".

O presidente licenciado do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda para exercer a função de deputado federal pelo PDT, Juarez Antunes, disse ter a notícia de mais de 30 pessoas. O chefe do departamento de medicina do Hospital da CSN, Jaime Vera, disse à Folha, por telefone, às 21h30, não ter autorização para fornecer o nome nem a causa morte.

Metralhadora

Por volta das 20h30, tiros de metralhadora foram ouvidos no interior da usina, ocupada por cerca de 600 soldados do Exército, mas nenhuma informação sobre a situação dentro da usina foi obtida. À tarde, Marcelo Felício, que estava no interior da CSN, disse à Folha que os metalúrgicos iriam reagir caso o Exército tentasse ocupar a acearia, onde estão cerca de 2 mil operários.

Felício afirmou que os metalúrgicos estavam equipados com barras de ferro, tubos de amônia e que poderiam jogar água nos altos fornos que estão sendo mantidos ligados. Caso os três altos fornos da usina sejam desligados, levarão cerca de um ano para voltar a funcionar normalmente, paralisando toda a produção de aço.

O comandante da tropas do Exército que ocuparam a usina, general José Luiz Lopes, não foi encontrado para falar sobre os conflitos ocorridos durante a noite.

Cerca de dois mil operários se concentravam em frente ao portão principal da CSN, que estava guardado por 30 soldados do Exército, um carro blindado Cascavel quando os soldados e os PMs surgiram em formação cerrada descendo a avenida da Independência. Houve muita correria pela cidade.

Pela manhã, o general Lopes afirmou que as tropas haviam sido deslocadas para Volta Redonda por determinação dos Poderes Judiciário e Executivo e que "não desejavam o confronto". A tarde, após uma reunião na sede da CSN com a direção da empresa e o comando da greve, o general disse que "ia pensar se ia dispersar o pessoal (os grevistas)".

Ele não quis estimar o efetivo deslocado para o local, afirmando apenas que haviam sido mobilizados o 22° Batalhão Motorizado de Barra Mansa, o 1° Esquadrão de Cavalaria Mecanizada de Valença (cidades vizinhas à Volta Redonda) e efetivos de Vila Militar (em Realengo, zona oeste do Rio). A noite, o juiz Coher decidiu convocar uma reunião entre as partes, que se iniciou a 0h30.

Em duas assembléias realizadas ontem à tarde - uma no interior da usina e outra em frente ao portão principal - os metalúrgicos decidiram manter a greve iniciada há quatro dias e que paralisou toda produção da empresa.

Os metalúrgicos estavam divididos em dois grupos - um deles com cerca de 8 mil pessoas está concentrado em sua maioria em um pátio interno da CSN, cercado por cerca de 200 militares, três carros blindados, 5 caminhões e quatro jipes do Exército. O outro grupo, impedido de entrar na usina desde as 23h concentrava-se em frente ao portão principal.

Para o general Lopes, "a ocupação da usina feita pelos metalúrgicos foi muito inteligente porque eles ocuparam a acearia impedindo a fabricação de aço."


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