ALFAIATE, ARTESÃO EM VIAS DE EXTINÇÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 7 de maio de 1978
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À primeira vista a galeria, cheia de pequenas lojas, casas
lotéricas, sapatarias rápidas e bares, é semelhante
a tantas outras existentes no centro. Entretanto, depois de uma observação
mais apurada, nota-se nos três lances da "Galeria das Galerias",
entre a 24 de Maio e o largo do Paissandu, às vezes vizinhas
umas das outras, as placas quase coincidentes: Alfaiataria Nippon,
Sebastião Alfaiate, Alfaiataria Progresso, Polli Alfaiate...
Instaladas em pequenas saletas, com uma ou duas máquinas de
costura, provador, às vezes um overloque, essas alfaiatarias
começaram a ocupar a galeria há 15 anos, quando Manuel
Marinho, o primeiro deles, resolveu fazer ali seu novo ponto. Hoje,
a galeria reúne apenas uns 30 alfaiates no máximo, incluindo-se
entre esse número as quase instantâneas casas de reforma
de roupas, que prometem milagres em poucas horas e vivem quase exclusivamente
à custa de ajustar e fazer calças.
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Falta
de honra |
Saudosos de "antigamente", muitos alfaiates criticam a situação
atual da profissão. Dizem que os grandes "artistas"
estão desaparecendo, e os novos mal e mal se ocupam em aprender
o oficio durante um ano. Tendo pela frente a concorrência, esses
alfaiates, que serviam normalmente à classe média, vêem
seu mercado reduzido e a proliferação dos "ajustadores
e reformadores" de roupa, que lucram com a indústria das
roupas feitas e não se preocupam em "aprimorar feitios".
Desgostoso com o panorama atual da profissão, um alfaiate que
há alguns anos ocupou uma loja naquela galeria, e ainda visita
os amigos remanescentes daquela época, desabafa, sem querer
se identificar: "O que falta aos alfaiates hoje é união.
Além da classe estar em dificuldades, pois existe a concorrência
da roupa feita e hoje não é todo mundo que tem dinheiro
para pagar um terno à vista, ainda tem os aventureiros, que
se dizem alfaiates e não honram a profissão".
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O
aprendizado |
Alfaiate há 31 anos, embora afastado atualmente das oficinas
de corte e montagem, alega ter sido um "analfabeto" durante
os primeiros 15 anos:
"Não possuía qualquer orientação
comercial. Não me preocupava em saber dos lucros ou dos prejuízos.
A maior satisfação era vestir bem o cliente, conseguir
a caída perfeita. O elogio era toda a recompensa. Mas para
chegar a isso eram necessários pelo menos 5 anos de aprendizado
duro. Hoje, depois de qualquer experiência, tem gente que já
monta seu negócio. No fim é isso que se vê, não
sabem nem escolher a linha certa para o pano com o qual estão
trabalhando".
Ciente da transformação que a profissão vem sofrendo
há alguns anos, Fernando Teixeira, outro alfaiate que costuma
ir à galeria, concorda com o outro, principalmente no que toca
à concorrência da roupa feita:
"Há 20 anos, cada oficial fazia uns 20 a 25 ternos por
semana, e já se ouvia falar que a profissão estava caindo.
Imagine hoje, quando um movimento desses só acontece em épocas
muito boas". Cobrando 50% adiantado dos fregueses para o feitio
de um terno, que pode custar de 3 a 4 mil cruzeiros, dependendo do
modelo, Fernando acredita que daqui para a frente só irão
sobreviver das alfaiatarias os grandes nomes e os pequenos: "Você
tem que ir de um extremo a outro: ou cria um nome e um ambiente, como
o Minelli ou o Andreotti, por exemplo, ou tem que partir para a reforma
de calças, para a concorrência firme como tem aqui mesmo,
onde o freguês faz o preço e tem gente que faz uma calça
até por Cr$ 100,00".
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Os
males da pressa |
Preocupado em marcar com giz especial a calça de mais uma freguesa,
Armando Marques da Silva, que ocupa há sete anos uma pequena
loja na galeria e parece bastante satisfeito com a mudança
no rumo da alfaiataria, diz: "Sou alfaiate há 15 anos
e sempre fiz e reformei roupas. De uns tempos para cá, o que
mais aparece são mesmo as reformas. Mesmo quem compra ternos
feitos vem aqui para ajustar perfeitamente a caída no corpo".
Exibindo uma das paredes da loja, forrada com calças já
prontas, Armando, que apronta um terno em até uma semana por
Cr$ 1.500,00, prefere mesmo é a reforma: "Uma semana boa
de reformas me dá mais lucro que uma boa semana de feitios
e menos preocupação".
Já para Martins Reis, alfaiate há 28 anos e há
10 na galeria, que ocupa a loja 25, a moda da calça lee logo
no começo tomava todo seu tempo com ajuste. Hoje, "com
a moda da calça e blusa", os jovens voltaram a encomendar
calças sob medida. Mesmo continuando com uma pequena parte
de reformas, Martins prefere o feito de calças.
Satisfeito com o número de alfaiates instalados no local, Martins,
sentado em uma máquina de costura manual, garante que o sucesso
junto a clientela provém desse fato curioso: "Quanto mais
alfaiates vinham para cá, maior era o número de fregueses.
Isso é muito bom para marcar o local. Hoje não são
tantos, mas se viessem mais, até melhorava...".
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Os
diplomatas |
Apontado como um dos bons alfaiates da galeria, entre os mais antigos
dali, outro profissional, que também não quer ver seu
nome à frente das críticas que faz, pretende, dentro
de algum tempo, mudar-se para outro local, assim como já fizeram
vários outros. Isolado da galeria por uma pequena porta de
vidro, garante que toda a freguesia que possui não conseguiu
ali: "Aqui as pessoas não têm dinheiro para mandar
fazer um terno. Então é isso o que se vê: um monte
de aventureiros fazendo reformas de calça comprada pronta.
Os bons alfaiates estão se concentrando agora próximo
às imediações da Paulista, Pamplona, e é
pra lá que eu espero me mudar. Todos esses prédios no
centro possuem grande número de alfaiates, mas com categoria
mesmo são poucos.
Evitando tecer críticas a qualquer concorrente, Manuel Marinho,
o primeiro alfaiate a se instalar na galeria, já é de
parecer diferente: "Se uma pessoa consegue sobreviver em uma
profissão, por que eu vou destruí-la? Quem faz a estrela
do alfaiate é a própria clientela".
Cuidadoso e atento em marcar um paletó, que deverá ser
entregue dentro de 15 dias, Marinho sabe que os alfaiates estão
com seu mercado reduzido e muitos dos grandes artistas de antigamente
já não têm sucessores, mas, otimista, não
acredita na extinção dessa "arte". Atendendo
a uma clientela específica, geralmente senhores na faixa dos
35 a 40 anos, que preferem ternos sociais, o alfaiate, às voltas
com a régua de curvas e o giz de marcar roupa, contra argumenta:
"Estamos diminuindo em número, mas a alfaiataria não
acabou. Pois se nem nos Estados Unidos ela se extinguiu.
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