ENTRE HISTORIADORES AINDA HÁ DIVERGENCIA
SOBRE A PESSOA DO FUNDADOR DE SÃO PAULO
Três correntes, cada qual com os seus argumentos,
atribuem a gloria a João Ramalho, a Nobrega e a Anchieta
- A inauguração do monumento ao fundador é
anunciada para 1961
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Publicado
na Folha da Manhã, sexta-feira, 7 de fevereiro de
1958
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Recentemente os jornais noticiaram que o monumento à Fundação
de São Paulo, que será erguido na praça Clovis
Bevilacqua, está em franco progresso, prevendo-se para 1961
a sua inauguração. Tal monumento consagra, em enormes
blocos de granito, o padre Manuel da Nobrega como fundador de São
Paulo. Há, entretanto, historiadores e escritores de São
Paulo que não aceitam a sentença de pedra do monumento
e continuam uns a defender a tese de que Anchieta foi o responsavel
pela formação do nucleo, outros a asseverar que não
foi nem Nobrega nem Anchieta, mas João Ramalho e outros a afirmar
que São Paulo não foi fundada: foi Santo André
que mudou de sitio, e tambem de padroeiro.
O escritor Mario Neme, por exemplo, afirma: "O fato de (Santo
André) haver mudado a sua sede alguns anos depois de sua fundação,
em 1553, não significa que se tenha erigido uma nova vila (que
seria São Paulo), pois tudo não passa de simples transferencia
do nucleo de elementos materiais, que eram o predio da Camara, cadeia
e o pelourinho - "simbolo de jurisdição, alçada
e justiça", - do seu primeiro assento para um lugar proximo,
mais favoravel, mas dentro do termo da mesma vila".
O "poeta da revolução constitucionalista",
Guilherme de Almeida, endossa, em letra e espirito, as afirmações
de Mario Neme, para acrescentar que "João Ramalho é
que foi o responsavel pela povoação do local, pela formação
da raça".
Enquanto isso, Aureliano Leite e Francisco Pati continuam a ver em
Anchieta o fundador da cidade. E Tito Livio Ferreira à frente,
acompanhado do Instituto Historico e Geografico e das associações
portuguesas e luso-brasileiras de São Paulo, garante a tese
de que ao padre Manuel da Nobrega - "e nem poderia ser de outra
forma" - é que cabem as glorias do nascimento de São
Paulo.
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Por
partes |
O sr. Mario Neme escreve: "É só por sentimentalismo,
ou por razão de partido, ou por negligencia, que os nossos
historiadores não têm reconhecido que a vila de São
Paulo foi oficialmente fundada em 8 de abril de 1553, sob invocação
de Santo André".
Existia a vila de Santo André, depois ela mudou de sitio e
tambem de santo padroeiro, afirma o escritor, que acrescenta ter ocorrido
a "substituição do santo padroeiro (de Santo André
para São Paulo) por mera imposição de uma circunstancia
acidental", e tambem para dar sorte... Um dos fatores mais ponderaveis
da mudança da vila, da primitiva localização
para o planalto de Piratininga, segundo o sr. Mario Neme, é
que em Santo André não existia padre e que, fundado
o colegio dos jesuitas em Piratininga, esses religiosos poderiam assistir
amplamente a todas as familias que ali fossem morar.
O poeta Guilherme de Almeida está de acordo com o raciocinio
do escritor Mario Neme, e acrescenta que Nobrega fundou um colegio,
e não uma cidade. "A povoação do nucleo,
a formação da raça, a defesa e a assistencia
da vila se deveram à gente de João Ramalho. Se houvesse
fundador de São Paulo, esse deveria ser, pois, João
Ramalho", defende o poeta. Entre Anchieta e Nobrega - falando-se
de fundação da cidade - o sr. Guilherme de Almeida diz
que não tem preferencia. Afirma, isto sim, que se faz grande
injustiça contra o padre José de Anchieta ao negar-lhe
participação ativa no desenvolvimento da vila. "O
que há - assevera - é um anti-espanholismo (Anchieta,
como se sabe, era espanhol) exagerado e um portuguesismo mais exagerado
ainda a favor de Nobrega. Anchieta construiu um ambiente de povoamento:
através da catequese criou uma linguagem comum e fez entenderem-se
as gentes, estabelecendo identidade de interesses e espirito de vida
em comum."
Finalmente, ao falar de "fundação de cidade",
o sr. Guilherme de Almeida cita o exemplo de Martim Afonso de Sousa.
"Esse sim fundou uma cidade: São Vicente. Tinha essa incumbencia,
instalou-se no local escolhido, trouxe familias de fidalgos, distribuiu
terras, amparou seus proprietarios, criou Camara e pelourinho e esteve
à testa do movimento até formarem-se os elementos do
nucleo. Com Nobrega isso não aconteceu: ele devia fundar colegios,
e fundou colegios..."
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O
Santo |
O sr. Francisco Pati, comentando o fato de Anchieta ainda não
ter sido canonizado pela Igreja Catolica - o que se deve principalmente
a não se ter registro de milagre feito sob sua invocação
-, pergunta: "E a fundação de São Paulo?
Não é um milagre bastante convincente?"
O escritor Aureliano Leite parece que o acompanha nesse raciocinio.
"Nobreguistas" existem muitos. Ouvimos, primeiro, o prof.
Tito Livio Ferreira, que preferiu ditar a sua opinião. "Em
1548, o padre Manuel da Nobrega foi convidado por D. João III
para chefiar os primeiros jesuitas mandados para o Brasil. Em 1549,
Nobrega chega à Bahia, em companhia de Tomé de Sousa,
e começa ali os trabalhos de catequese com os seis jesuitas
que para o Brasil vieram como seus auxiliares. Em fevereiro de 1553,
o padre Nobrega está em São Vicente, onde já
estava funcionando o colegio fundado pelo padre Leonardo Nunes. Em
junho desse mesmo ano, o padre Manuel da Nobrega sobe ao planalto
Piratininga e manda Leonardo Nunes à Bahia buscar mais jesuitas.
Em agosto de 1553, Nobrega reune três aldeias no local onde
hoje é o Patio do Colegio e faz os primeiros 50 catucumenos,
reza missa e funda o colegio de Piratininga. Em 24 de dezembro de
1553 chegam os jesuitas da Bahia trazidos por Leonardo Nunes. Entre
eles está o irmão José de Anchieta, noviço,
sem ordens de missa, recomendado ao padre Nobrega, que o escolhe para
seu secretario. E no dia 25 de janeiro de 1554, no local onde já
fora erguida, a pedido de Nobrega, pelos companheiros de Tibiriçá,
a primeira cabana, o padre Manuel de Paiva, designado por Nobrega
e tendo como coroinha o irmão Anchieta, celebra a missa padroeira
do dia de São Paulo."
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Juntos |
"Durante 14 anos - continua o prof. Tito Livio - de 1554 a 1567,
Nobrega e Anchieta não se separam nos trabalhos de Piratininga
e São Vicente. Em 1567 Nobrega manda Anchieta ordenar-se sacerdote
na Bahia, enquanto o primeiro fundava o colegio do Rio de Janeiro.
A 18 de outubro de 1570, no Rio de Janeiro, Nobrega falece aos 53
anos de idade, 21 dos quais destinados à organização
da catequese e do ensino publico e gratuito no Brasil. Anchieta, já
sacerdote, vai substituí-lo nessa obra e continuar-lhe os trabalhos
por mais 27 anos, pois virá a falecer no Espirito Santo em
1597.
"Na fundação de São Paulo, pois, Anchieta
foi um ajudante que obedecia às ordens de Nobrega. Há
os sentimentalistas, que vêem em Anchieta um santo e que gostariam
de tê-lo como fundador de São Paulo. Essa, porem, é
outra historia, que nada tem a ver com a Historia."
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"Consolidador" |
O presidente do Instituto Historico e Geografico, sr. José
Pedro Leite Cordeiro, assim se exprimiu: "Indiscutivelmente,
Anchieta não foi o fundador de São Paulo. Foi, sim,
o consolidador da fundação da cidade. Homem inteligente,
apostolo, santo, excepcional mesmo, prestou grandes serviços
a São Paulo, ao Brasil e à humanidade. Nobrega, não
há mais duvida sobre isso, foi quem fundou São Paulo".
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