SEQUESTRADOR DEPÕE E ALEGA RAZÃO POLÍTICA


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 06 de janeiro de 1990

O sequestrador Humberto Paz disse ao depor ontem à Justiça que usaria o dinheiro do resgate do empresário Abilio Diniz para fundar uma organização política "sem ligação com nenhum partido no Brasil ou no exterior". Ele disse ter sido torturado pela polícia. "Alguns policiais também arrancaram minhas roupas e colocaram-me uma camiseta do PT". A polícia nega as acusações.

Sequestrador de Diniz afirma que ia criar organização política no Brasil

Da Reportagem Local

O líder dos sequestradores do empresário Abilio Diniz, Humberto Paz, 34 (Juan Carlos), disse ontem em depoimento ao juiz Roberto Caldeira, da 1° Vara Criminal, que pretendia fundar no Brasil uma nova organização política. O dinheiro que seria pago para o libertação de Diniz iria servir, segundo Juan, como caixa do movimento. Apesar de ter militado em movimentos terroristas da esquerda argentina, ele não disse se a nova agremiação seria de esquerda ou de direita. "Era uma organização embrionária, sem ligação com nenhum partido no Brasil ou no exterior", afirmou. Juan Carlos disse ao juiz que não é contra a democracia, mas que seu grupo "não confiava na fachada democrática". Ainda segundo Juan, a proposta dos sequestradores era fazer "mudanças profundas", pois a democracia "não deu resposta à miséria e analfabetismo do povo".
Juan Carlos também acusou a Delegacia Anti-Sequestro, da Polícia Civil, de tê-lo torturado para obter o endereço da casa em que estava o empresário Diniz. Ele afirmou que recebeu choques na boca, no pênis e no ânus para que desse informações à polícia. "No sábado de manhã, dia 16 de dezembro, alguns policiais também arrancaram minhas roupas e colocaram-me uma camiseta do Partido dos Trabalhadores", afirmou. O diretor do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, Gilberto Cunha nega as acusações. Ainda segundo ele, os sequestradores Maria Marchi e Ulises Acevedo também foram submetidos a sessões de tortura. A Polícia Civil nega as acusações. Mas não foi revelado o resultado do exame médico feito nos sequestradores, e que poderia comprovar ou não as acusações de tortura.
O sequestrador também disse ao juiz que apenas ele e seu irmão Horácio Paz, 39, planejaram o sequestro de Abilio Diniz. Segundo ele, os sequestradores Maria Marchi, Cristine Lamont, Robert Spencer, Pedro Lembach e Sérgio Urtubia não tinham conhecimento do sequestro. "Parte das outras pessoas que estavam na casa do cativeiro de Diniz tinham conhecimento apenas parcial do sequestro", afirmou Juan Carlos, sem citar os outros nomes.
Também depuseram ontem ao juiz os sequestradores Maria Marchi Badilla, 43, chilena, os canadenses David Spencer, 26, e Cristine Lamont, 30, e o brasileiro Raimundo Rosélio Freire, 24. O depoimento mais longo foi o de David Spencer, que levou 1h40. O Brasileiro Rosélio prestou o depoimento mais rápido, de 15 minutos.
Maria Marchi e o casal canadense negaram ter participado do sequestro. Todos disseram ao juiz que só ouviram falar de Abilio Diniz no dia 16 de dezembro, quando a polícia cercou a casa em que estava encarcerado o empresário. A polícia acusa Maria Marchi de guiar o Opala que ajudou sequestrar Diniz. Sobre David Spencer pesa a acusação de caracterizar de ambulância a Caravan em que o empresário foi sequestrado.
No depoimento, os sequestradores Maria Marchi e Juan Carlos disseram que já haviam sido presos por razões políticas, mas omitiram os nomes das organizações em que militaram. Segundo relatório elaborado pela polícia, Maria Marchi Badilla pertenceu ao Movimento Revolucionário de Esquerda (MIR), do Chile. Juan Carlos fez parte do Exército Revolucionário do Povo, de extrema-esquerda, na Argentina. Ainda segundo a polícia, Raimundo Rosélio teria militado na Convergência Socialista do Ceará. Relatório elaborado pela polícia Federal revela que David Spencer, marido de Lamont, foi associado ao jornal esquerdista "El Rebelde", de El Salvador.
Na próxima terça-feira serão ouvidos pela Justiça os outros seis sequestradores de Diniz.
O empresário Abilio dos Santos Diniz, que sempre se recusou a andar acompanhado de guarda-costas, agora tem sido seguido, onde quer que vá, por homens da segurança do grupo Pão de Açúcar. O diretor de segurança do grupo, Pedro Carlos, recusou-se ontem a revelar qualquer detalhe do esquema montado para proteger Diniz. Anteriormente, Abilio dos Santos Diniz só admitia o acompanhamento de agentes de segurança para seus parentes.


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