A REPRESENTAÇÃO DA CIDADE


Publicado na Folha da Manhã, terça-feira, 5 de maio de 1925

Neste texto foi mantida a grafia original

Se outros factos, de pleno dominio publico, não houvessem já demonstrado que se faz mistér uma intervenção mais directa e séria dos municipes de responsabilidade, na escolha de seus representantes na Camara Municipal, esses dois escandalos perpetrados com pequeno intervallo, o caso do asphalto e o projecto de reforma do contrato de Telephonica, bastariam para mover a população de S. Paulo, predispondo-a a cuidar melhor de seus interesses. O primeiro concretisou o despejado empenho com que se beneficiava a afilhadagem politica, graduada em parentesco com os chefes dominantes. A segunda é a encarnação viva de advocacia administrativa, cynicamente desmascarada. Ambos traduzem perfeitamente a decadencia moral, que vae constituindo, graças á tolerancia popular, o factor dissolvente do proprio regimen.
A Franca, onde tambem os costumes politicos não são irreprehensiveis, acaba de nos dar o exemplo eloquente de um pleito municipal agitado, sem que se tornasse indispensavel a luta á mão armada. Tantos foram os canditados, que se apresentaram a disputar cadeira de delegação popular, nos municipios, que por toda a parte os empates deixaram em evidencia o interesse pelo prélio realizado. É verdade que lá o eleitorado administrativo é outro matiz do suffragio, ainda desconhecido no Brasil, onde o eleitor do deputado ou do senador federal e dos representantes das camaras estadoaes é o mesmo que elege os vereadores. Importa reconhecer que não há distincção, na clientela chronica dos partidos, melhor escreveriamos, das facções, - desde que não há partidos no paiz, - que monopolisam os cargos de representação, convertendo-os abusivamente em empregos de facil nomeação, e para os quaes, não se quer, ao menos, um concurso que versasse mesmo sobre as primeira letras...
Emquanto o povo de S. Paulo fôr assim indifferente aos pleitos effectuados para a escolha dos representantes do municipio, a sua causa há de periclitar, porque não a defendem os suppostos mandatarios da confiança popular. Por via de regra, o cargo de vereador serve de estribo para maiores e mais desabusadas montarias. Agora mesmo, sahiram da Camara Municipal de S. Paulo dois representantes, generosamente promovidos a deputados, pelos relevantes serviços prestados. A quem? Ao povo? Não, aos politicos, aos parentes dos politicos, ao mandonismo local. Aquelle é o preço da trahição feito ao mandato que lhes foi outorgado pelo povo.
A representação de uma cidade como S. Paulo, rica, porque trabalha e prospera com a actividade febril de uma colmeia, não póde continuar á mercê da politicagem e do arbitrio dos que não hesitam em praticar os mais feios actos, uma vez que lhes advenham commodidades e confortos que, sem violentar a consciencia e não raro a dignidade, difficilmente se conseguem, no regimen apertado da concorrencia em que vivemos. Hontem, o clamoroso escandalo do asphalto. Hoje, a patifaria do contrato da Telephonica. Que melhores e mais conclusivas provas quer o eleitorado paulista, em favor de uma nova orientação, no sentido de serem escolhidos homens capazes de defender a cidade contra a ganancia dos politicos?


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