CHACINA MATA 111 PRESOS EM SP


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 4 de outubro de 1992



PM esmaga rebelião na Casa de Detenção e deixa o maior saldo de mortos da história penitenciária do país

A rebelião ocorrida anteontem na Casa de Detenção de São Paulo e a invasão do presídio pela Polícia Militar deixaram 111 presos mortos, segundo divulgou a Secretaria de Segurança Pública minutos antes do encerramento das eleições. Foi o maior massacre em um presídio brasileiro. No último grande motim, em 87, houve 31 mortes.
Segundo o secretário Pedro Franco de Campos, 22 policiais e 35 detentos ficaram feridos. Duas freiras da pastoral Carcerária disseram ter visto 13 corpos de presos perfurados por balas. "Eles foram fuzilados. Seus rostos estavam deformados", disse a irmã Maria Isabel.
A rebelião começou às 14h30 de sexta, com uma rixa entre presos do Pavilhão 9, que planejavam uma fuga para ontem. Às 15h policiais entraram na Detenção com metralhadoras e escopetas. O governador Fleury Filho qualificou a operação como uma "ação policial" para combater "briga de quadrilhas". A Folha apurou que Fleury soube na sexta-feira que os mortos já eram 90. O governo teria divulgado que havia apenas 8 mortos para não prejudicar o PMDB na eleição.

Rebelião em presídio de SP deixa 111 mortos


Da Reportagem Local

A rebelião de anteontem na Casa de Detenção deixou 111 mortos, o que corresponde a 1,5% da população do Carandiru. O saldo só foi divulgado ontem, minutos antes do fechamento das urnas eleitorais. O secretário de Segurança Pública do Estado, Pedro Franco de Campos, negou qualquer ligação entre o atraso na divulgação do balanço real e a eleição municipal.
Trata-se do maior massacre em um sistema penitenciário brasileiro. O motim que deixou maior número de mortes —31— ocorreu na Penitenciária de São Paulo, em 1987. Segundo o balanço oficial, há 35 presos feridos e 22 policiais. É impossível apurar quantos presos foram mortos pela PM. O secretário disse que foram apreendidas 13 armas de fogo com os detentos.
A rebelião começou às 14h30, com uma rixa entre duas facções do Pavilhão 9, que estariam planejando uma fuga para ontem (dias das eleições). O pavilhão abrigava 2.076 presos primários, a maioria na faixa entre 18 e 25 anos. Às 15h, 350 policiais do Corpo de Bombeiros, da tropa de choque, da Rota e do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) entraram na Detenção. Estavam autorizados a usar metralhadoras Beretta e escopetas calibre 12.
Ontem, corpos ainda eram retirados da Casa de Detenção. Todos os funcionários do IML (Instituto Médico Legal) foram convocados para trabalhar. Caminhões foram usados no transporte de corpos dos presos.
Em reunião extraordinária, o OAB seção São Paulo condenou a invasão e iniciou uma investigação paralela.
O governador Luiz Antônio Fleury Filho evitou comentar o motim. Irritado, disse que não era secretário de Segurança e que caberia ao secretário fazer o balanço da operação.

 

'Presos foram fuzilados', dizem freiras

Membros da Pastoral Carcerária afirmam ter visto os corpos dos presos metralhados no pavilhão 4

Da Reportagem Local

Duas freiras que fazem parte da Pastoral Carcerária —irmãs Maria Emília Ferreira e Maria Isabel— disseram ter visto 13 corpos de presos. Segundo informação que elas conseguiram junto aos detentos, os presos estavam sentados em suas celas com as mãos para trás. "Eles foram fuzilados. Seus rostos estavam deformados por tiros", disse Maria Isabel.
Segundo a freira, havia muito sangue em frente à cela, misturado com a água usada para lavar as celas e o chão do pavilhão 9, onde ocorreu a chacina. Maria Isabel disse que os corpos tinham várias perfurações de bala.
"A policia diz que os presos os atacaram, mas nenhum tinha armas. Pelo menos, não de fogo. O que vale uma faca contra uma metralhadora?", disse a religiosa.
O padre Roberto Francisco Reardon, também da Pastoral e um dos capelães da Casa de Detenção, confirma que os corpos estavam perfurados por balas. "Ainda há muitos feridos lá dentro. Vi muitos com escoriações leves. O caso mais grave é o de um rapaz que levou 2 pontos na cabeça", disse.

Idenditificação

Maria Isabel e Reardon afirmam que a polícia tentava identificar os corpos através de impressão digital. "Estão tão desfigurados que fica difícil identifica-los", disse o padre. Os dois dizem que a queima e destruição de arquivos no pavilhão também dificultam as identificações.
"Alguns presos me disseram que, à noite, todas as luzes foram apagadas e os corpos removidos disse Maria Isabel. Ainda segundo ela, os presos estão com muito medo e ajudam a cuidar dos companheiros feridos. "Consegui avisar a família de 50 presos. Alguns estavam bem e outros haviam morrido. O massacre e a ação da polícia foram tão exagerados que até os funcionários e guardas da Detenção estão chocados. Eles não atrapalham a entrada da pastoral e ainda estão tentando ajudar os feridos", disse a freira.


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