ABASTECIMENTO AMEAÇADO

Isto é a Operação Tiradentes

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 4 de abril de 1967

Neste texto foi mantida a grafia original

O abastecimento de generos, em São Paulo, está ameaçado e é provavel que certos produtos comecem a faltar, afirma o presidente da Bolsa de Cereais, sr. Antonio Marchetti, que atribuiu às modificações introduzidas pelo DET na zona atacadista o desinteresse de produtores de outros Estados em fazerem chegar seus caminhões até a capital, mesmo com a oferta de frete maior.
"Se eles não têm onde estacionar, como podem querer comerciar? O problema é serio, porque a safra já começou, e tende a agravar-se caso não se tomem providencias imediatas."
Ontem foi mais um dia cheio de problemas para os comerciantes da zona do Mercado Velho, mas tambem em outros pontos da cidade houve engarrafamentos e demora excessiva.
Os principais fatos foram estes:
· Na area da avenida Tiradentes, onde o DET mudou o sistema de circulação sabado passado, os congestionamentos se sucederam desde a manhã até o começo da noite;
· O eng. Faria Jr., da equipe do cel. Fontenelle, viu de perto as confusões e disse que tudo era normal, mais dez dias e o trafego fluirá facilmente;
· Chegar à entrada da via Dutra, depois de atravessar a ponte das Bandeiras, passou a ser um problema muito serio;
· Das 14 às 17 horas, aproximadamente, a praça da Republica e proximidades eram um inferno de buzinas, gritos, irritação crescente, por causa dos congestionamentos que os guardas não conseguiam dissolver;
· No Morumbi, o governador dizia que continua a esperar os resultados da Operação Bandeirante;
· A Assembelia aprovou requerimento de convocação do secretario da Segurança para explicar porque não funcionam certos serviços no DET;
· O diretor do DET assinou portaria que regulamenta o estacionamento em ruas do centro;
· Nove linhas de onibus da CMTC começam a cruzar o viaduto do Chá amanhã; pelo menos mais vinte, particulares, poderão chegar até o centro, como pediu o prefeito, se o DET autorizar.

Tiradentes, uma grande confusão

Mais de cem guardas-civis e soldados da Força Publica, destacados para orientar o transito na av. Tiradentes, não conseguiram evitar que a partir das 18 horas de ontem se agravassem os congestionamentos que já de manhã despontavam como consequencia das modificações ali feitas sabado pelo DET. Automoveis e onibus se movimentavam lentamente, compondo longas, filas desde as proximidades da estação da Luz até a Ponte Pequena. A confusão era maior na rua João Teodoro, que no fim da tarde se apresentava coalhada de veículos, desde a av. Tiradentes até o seu final. A falta de sinalização era apontada como um dos grandes motivos de engarrafamentos seguidos.

Acha normal

O engenheiro Faria Jr., chefe da equipe do diretor-substituto do DET, passou quase o dia inteiro de ontem, acompanhando os resultados da «Operação Tiradentes» e considerou normais os congestionamentos apresentados no terceiro dia de sua implantação.
Afirmou que «está tudo normal e que dentro de dez dias (até o dia 14) a «Operação Bandeirante estará totalmente implantada, com tudo funcionando perfeitamente».

Tempo perdido

Nas demais vias, tanto de entrada como de saida da av. Tiradentes, a situação não era diferente. Motoristas de varias linhas que servem Santana e bairros adjacentes disseram que os trajetos que vinham sendo feitos em 40 minutos passaram a ser feitos em duas horas.
O trafego, na av. Tiradentes e nas ruas que a cortam, era muito lento, acentuando-se essa anormalidade a partir das 18 horas. Para vencer a distancia entre o viaduto da EFSJ e a Ponte Grande perdia-se mais de 40 minutos. Feito esse trajeto o motorista não podia transpor a ponte das Bandeiras, que foi ilhada por «piramides» e «tartarugas».

Dutra dificil

Muitos queriam alcançar a via Dutra, mas acabaram se perdendo. A partir da ponte, era muito dificil encontrar um guarda que explicasse como chegar à via Dutra, que agora, para ser atingida, exige uma ida até Santana. Aos protestos dos motoristas juntou-se os dos moradores da avenida, que reclamam, do ruido excessivo provocado pelo buzinar incessante dos carros.
O que acontecia na av. Tiradentes reflete-se tambem na rua Mauá. Com todas as atenções do policiamento voltado para a primeira, os faróis permaneciam abertos em sua direção mais tempo que para a rua Mauá, que desde às 14 horas já vinha apresentando congestionamento permanente, da estação da Sorocabana até a av. do Estado.

No Centro

Confusão, gritos e uma verdadeira orquestra de buzinas era a situação na tarde de ontem na rua Araujo e praça da Republica, atrás e ao lado do Instituto Caetano de Campos.
É que a rua Araujo, no trecho da Major Sertório até a Consolação, dá mão nesse sentido. Da Major Sertório até a praça da Republica, o sentido é inverso. Além disso, na direção da rua da Consolação o estacionamento é permitido.
Em direção à praça da Republica descem os troleibus, que cortam o trafego das pistas que ficam atrás do Caetano de Campos. Com isso, mais o desrespeito pelo farol existente no local, surgia o primeiro ponto de congestionamento, que se estenda até a av. Ipiranga, de um lado, e Major Sertório do outro.
No trecho da Major Sertório até a rua da Consolação, os veículos vindos da av. Ipiranga entravam na rua Araujo. Sendo esta uma rua estreita, não comporta o grande numero de carros, que chegavam tambem pela propria Major Sertório e pela Epitácio Pessoa.
Sem policiamento, a confusão se generalizou. Só depois das 16h30 é que houve alguma melhora.

Transito pode levar à falta de generos

O sr. Antonio Marchetti, presidente da Bolsa de Cereais, considera bastante serios, com tendencia a agravar-se sempre mais, os problemas criados pelo DET na area do abastecimento de generos. Preve mesmo que se a situação não se modificar de pronto, poderá iniciar-se uma fase de escassez inevitavel. Explica porque: produtores das grandes zonas de suprimento de São Paulo - Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná - já se recusam a transportar suas mercadorias para cá por não terem onde estacionar os caminhões.
Há algum tempo, como se sabe, o DET regulamentou o estacionamento de veículos na zona atacadista, proximo ao Mercado Velho, permitindo-se apenas de um lado da rua. Com isso, o trabalho de carga e descarga tornou-se dificil, e oneroso, para o comerciante que tem seu armazem no "lado proibido" e para o proprio transportador.
"Se eles não têm onde parar, como podem negociar? Mesmo pagando 15% mais sobre o frete normal, muitos já não aceitam negocios. E como já se iniciou a safra, o problema é serio".
O sr. Marchetti prevê ainda uma consequencia para essa situação: poderão surgir comerciantes clandestinos na periferia e outros setores do comercio, justamente aqueles que não encontram condições para operar na zona atacadista.

Caem as vendas

Há tambem o lado dos embarques que não podem ser feitos.
O gerente de uma casa de laticinios, na rua Paula Sousa, diz que as modificações impostas pelo DET "são responsaveis pela queda de 80% nas vendas, Antigamente, vendiamos um caminho de queijo por semana, agora está tudo aí nas prateleiras". Como os demais comerciantes instalados no "lado proibido", acha que a regulamentação do estacionamento, como foi feita, "é injusta e coloca os comerciantes numa situação que não podem resolver sozinhos".
O socio de um armazem de cereais calculou em 27% a queda das vendas no inicio da Operação Bandeirante. "Mas a situação piora cada vez mais, porque os fregueses, impedidos de estacionar para carregar a mercadoria, estão desaparecendo aos poucos".
Na rua Cantareira, o gerente de outra casa de laticinios informa que as vendas cairam 50%. Acha grave tambem os problemas criados para os carregadores, obrigados a atravessar a rua em meio a intenso trafego de veiculos. "Outro dia um deles quase morreu. Mas a mercadoria tem que ser descarregada e o jeito é jogar o saco na cabeça e ir em frente".

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