MORRE RUSCHI, PESQUISADOR DOS PÁSSAROS


Publicado na Folha de S. Paulo, quarta-feira, 4 de junho de 1986
 


O naturalista Augusto Ruschi, 72, morreu ontem, às 13h10, na UTI do Hospital São José, em Vitória (ES), onde estava internado desde 24 de maio, por complicações gastroenterológicas agravadas por insuficiência hepática. A causa da morte foi diagnosticada como cirrose hepática. Ele será enterrado na Estação Biológica de Santa Lúcia, em Santa Tereza (a 85 km de Vitória), às 8h de amanhã. Conhecido internacionalmente por seus trabalhos sobre pássaros, Ruschi submeteu-se há cinco meses a um ritual indígena destinado a curá-lo do veneno de um sapo de espécie dendrobata, que o teria atingido no Amapá. Após o ritual, Ruschi disse que estava curado dos males do veneno, mas que trataria seus problemas de fígado e estômago pela alopatia.

Morre o naturalista Augusto Ruschi


Do correspondente em Vitória
da Sucursal do Rio e Redação da Folha


O naturalista capixaba Augusto Rushi (pronuncia-se Rúsqui), 72, morreu ontem, às 13h10, na Unidade de Tratamento Intensivo, do Hospital São José, em Vitória (ES), onde estava internado desde o dia 24 de maio, por complicações gastroenterológicas agravadas por insuficiência hepática crônica. Na última segunda-feira, sua doença piorou sensivelmente com sintomas de hemorragia digestiva e labial-gengival, além de falência das funções renais. Na madrugada de terça-feira, o quadro agravou-se e o coração não resistiu. A causa da morte foi diagnosticada como cirrose hepática.

O corpo de Ruschi está sendo velado na Assembléia Legislativa do Espírito Santo e hoje, às 8h, será conduzido para o município de Santa Teresa (80 km noroeste de Vitória), para ser enterrado na Estação Biológica de Santa Lúcia, na quinta-feira, às 8h.

Desde o ano passado os médicos e o próprio Ruschi sabiam que ele não tinha muito tempo de vida. Além de diversas doenças tropicais que debilitaram seu organismo, ele sofria de insuficiência hepática grave, provocada por uma cirrose pós-hepatite viral do tipo B, que comprometeu o funcionamento de 70% das funções vitais do fígado.

Em janeiro deste ano, Ruschi submeteu-se a uma pajelança - ritual indígena conduzido pelo cacique e pajé Raoni, da tribo Txucarramãe, e pelo pajé Sapaim, dos Camaiurá - porque, segundo afirmou na época, queria curar-se do veneno de sapos da espécie dendrobata, que ele teria contraído no Amapá. Depois da pajelança, o naturalista afirmou sentir-se curado dos males provocados pelo veneno - hemorragia nasal, desânimo e falta de apetite. "As outras doenças do fígado e do estômago - afirmou - vou continuar tratando com a medicina alopata".

O presidente José Sarney, 56, tomou conhecimento às 19h de ontem, por intermédio do secretário de imprensa interino, Frota Neto, da morte do naturalista Augusto Ruschi. Segundo o assessor do presidente, "ele recebeu a notícia com bastante tristeza". O ministro Costa Couta, do Interior, disse que "todo o Brasil está de luto."

Quem era o "cientista dos beija-flores"


Com quatrocentos trabalhos científicos publicados, o naturalista Augusto Ruschi dedicou-se durante quarenta anos ao estudo e levantamento das espécies de vegetais, mamíferos e aves nativas da Mata Atlântica. Em 1937 tornou-se pesquisador do Museu Nacional e depois professor titular de Biologia da Universidade do Rio de Janeiro. Era o diretor da reserva biológica de Santa Lúcia, remanescente da floresta nativa em seu município natal, Santa Tereza, a 80 km de Vitória (ES).

Conhecido como o "cientista dos beija-flores", Ruschi descreveu cinco espécies e onze subespécies deste pássaro. Sua segunda paixão foram as orquídeas, das quais ele também foi capaz de identificar 45 novas espécies. Entre os seus trabalhos estão os dez volumes da coleção "Aves do Brasil", que reúne as 2.627 espécies e subespécies conhecidas.

Filho de um agrimensor de terras que se estabeleceu no Espírito Santo no século passado, Ruschi era autodidata, e só sistematizou os seus conhecimentos quando foi estudar no Rio de Janeiro com o professor Mello Leitão, a quem homenageou em 1949, dando seu nome ao Museu de Biologia instalado em suas terras, em Santa Tereza. O Museu tem oitenta mil metros quadrados com pavilhões de botânica, laboratório, cativeiro de beija-flores e biblioteca. Todo este acervo, Ruschi doou, em 1984, à Fundação Pró-Memória do Ministério da Educação.

Defensor intransigente da natureza, Ruschi não se cansava de brigar e se arriscar por ela. A reserva biológica de Santa Lúcia, onde ele será enterrado hoje, foi objeto de uma briga pública em 1973, com o então governador do Espírito Santo, Élcio Álvares. Diante da ameaça do governador de confiscar o acervo florestal da reserva, Ruschi armou-se de uma espingarda e disse: "Se fizer isso eu o mato". O governador recuou.

Casado pela segunda vez com dona Marilande, Ruschi deixou três filhos: Augusto e André, do primeiro casamento, e Piero, do segundo. Ele deixou inacabado quatro livros: "Macacos do Espírito Santo", "Orquídeas do Espírito Santo", "Ecologia do Beija-flor" e "Aves do Brasil".


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