A CIDADE TEM UM DESCONHECIDO MAS PITORESCO METRÔ


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 03 de fevereiro de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original

Um improvisado metrô (ou seja, um trem urbano) coloca seus vagões nas linhas da Estrada de Ferro Sorocabana quatro vezes por dia e parte da estação Julio Prestes para Interlagos, percorrendo a Barra Funda, Lapa, Vila Leopoldina, Cidade Universitaria, Pinheiros, Morumbi, Santo Amaro, Socorro e Cidade Dutra.
Criado há 13 aos, o Ramal de Santos de Sorocabana tem 33 quilometros de linha urbana, com capacidade para 500 passageiros por vez. Sua maior frequencia é de pescadores, que chegam a Interlagos apreciando a paisagem dos rios Tietê e Pinheiros de dentro de vagões já muito velhos e com as vidraças quebradas por pedradas.
Na luta contra os onibus, porem, o trem perde duplamente: demora mais para chegar e é mais caro. Mas ganha em pitoresco e permite evitar as filas.

Um trem fantasma esquecido de todos

O metrô paulistano, ou parte dele, já existe há 13 anos, mais poucos o conhecem. Ele sai quatro vezes por dia da Estação Julio Prestes, no centro, e corta, na superfície, varios bairros das zonas Centro, Oeste e Sul. Quem mora nessas regiões deve experimentá-lo um dia destes: a viagem é relativamente rapida e agradavel, sem as contrariedades, o calor e o transito difícil dos onibus.
Mas é preciso andar depressa porque ele pode acabar. Quem olhar bem para os três unicos vagões que o compõem, e para as estações e paradas que percorre, entenderá melhor o que estamos dizendo. As janelas do trem, por exemplo, não têm vidros, e os poucos que ainda resistem às pedradas dos moleques oferecem serio perigo à integridade fisica de quem tentar manuseá-los. Mas, com esse calor, quem quer vidros nas janelas?
O Ramal de Santos da Sorocabana - nome completo da linha que se improvisou em metropolitano - foi criado em 1958 e é muito pouco conhecido. Duas vezes por dia, com saídas às 8h15 e 12h17, da Estação Julio Prestes, faz o trajeto completo, atingindo seu destino. Santos, quatro horas e meia depois. Para quem não tem pressa e gosta de apreciar a paisagem, a viagem é belissima. Nos dois outros horarios - 1h10 e 19h30 - o ramal cobre apenas a parte urbana do trajeto: saindo do centro, percorre Barra Funda, Lapa, Parada Domingos de Moares (Alto de Pinheiros), Vila Leopoldina, Cidade Universitaria, Pinheiros, Morumbi, Parada da Traição, Santo Amaro, Parada de Socorro, Jurubatuba, Cidade Dutra e Interlagos. Chega a Interlagos (33 km de percurso) uma hora depois: pára 15 minutos e volta, obedecendo às mesmas paradas.
O Ramal de Santos é mais procurado de manhã, pois a maioria de seus usuarios é constituida de operarios das fabricas de Santo Amaro, Jurubatuba, Pinheiros, Lapa e servidores publicos de Pinheiros, Morumbi e Cidade Univesitaria.
Mas mesmo de manhã, hora mais difícil, os passageiros desse improvisado metrô formam uma irmandade unida de velhos conhecidos, vizinhos e colegas de serviço que conhecem os problemas uns dos outros e trocam conselhos e experiências.
O trem da manhã é também conhecido por "trem dos pescadores" - gente da cidade, em ferias que procura a Colonia Paulista - adiante de Interlagos, junto à represa Billings, para a pescaria.
- Os pescadores são muito animados - diz Oswaldo Coelho de Oliveira, passageiro diario do Ramal. Contam muitas mentiras, brincam com todo mundo, divertem a gente. São boa companhia.
Poucas das muitas paradas do Ramal de Santos têm estação propriamente dita, com exceção da Lapa e Pinheiros, centros maiores. As restantes são vagões velhos improvisados em dependencias administrativas, com espaço estrito para venda de passagens e instalações das chefias. As plataformas estão arruinadas e ao mato cresce entre os trilhos.
O chefe do trem informa que é intenção da Sorocabana duplicar a linha e colocar vagões novos e mais confortáveis em funcionamento. Os atuais são de 1941 e têm capacidade para 600 passageiros.
As casas dos funcionarios da estrada de ferro também são vagões velhos. Quando a linha foi inaugurada, estas instalações eram provisorias, mas foram ficando com o tempo e tendem permanecer assim até ninguém sabe quando.
À tarde, o movimento é menor. O trem sai da Estação Julio Prestes às 16h10, com poucos passageiros. São empregadas domesticas diaristas, com varios filhos, "biscateiros" e desempregados que voltam do centro da cidade.
Mais adiante, na Barra Funda, Lapa e Pinheiros, começam a subir os operarios e servidores que moram na Cidade Dutra, Jurubatuba e vilas proximas a Interlagos. Então todos cansados, e a maioria aproveita o embalo agradavel do trem para tirar uma "pestana" a caminho de casa.
A maior parte do trajeto acompanha os rios Tietê e Pinheiros de um lado, e as avenidas marginais, de outro, estabelecimento um rígido contraste entre o velho trem, as construções modernas - edifícios e residencias dos bairros das zonas Sul e Oeste - e os automoveis velozes que rasgam as marginais, nos dois sentidos.
A paisagem é eventualmente bela. À direita do outro lado do rio, vê-se o Ceagesp, o Palacio dos Bandeirantes, o Jockey Clube e as pistas do Autodromo de Interlagos, estabelecendo quase um choque com a pacatez do trem, os velhos trilhos enferrujados e o quadro interiorano das estações abandonadas, em cujo interior vêm-se os funcionarios envergando os velhos uniformes de sarja azul marinho.
Em alguns trechos, o maquinista imprime o maximo de velocidade à unidade elétrica - 70 quilometros horarios - o que não impede que seja superado pelo onibus que faz o mesmo trajeto, tendo contra si o transito. O trem cobre todo o percurso em 60 minutos, e o onibus da linha Vila São José-Anhangabau, em 45 minutos. A passagem de trem custa Cr$ 0,40 e a do onibus Cr$ 0,35.

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