DO GOLPE DA "CASCATA" AO DAS "TRÊS CHAPINHAS"


Publicado na Folha de S.Paulo - sábado, 3 de abril de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original

Há o conto da "cascata" para os mais incautos, mas há o da "casemira inglesa", no qual muita gente cai com certa facilidade. Outras modalidades: as ciganas, o "prestigio", "as três chapinhas", etc.


Cascata deriva, possivelmente, do italiano "cascare", cair ou deixar cair. A vítima, levando dinheiro, é perseguida por dois malandros. Uma ultrapassa e deixa cair um pacote e prossegue andando. A vitima, instintivamente se abaixa para apanhá-lo mas, ou outro vigarista o apanha primeiro e apressa-se em rasgar o embrulho, fazendo com que a vitima perceba varios maços de cedulas de alto valor. Aí o golpe se desenvolve, dependendo, é claro, da reação da vitima que é convidada a guardar sigilo do achado, uma vez que o dinheiro será dividido. Nessa altura o primeiro malandro retorna assustado, procurando pelo embrulho. Indaga da vitima e do comparsa se viram o "paco" e ambos acabam negando o achado. Algumas encenações e o malandro pede encarecidamente que a dupla o acompanhe até o escritorio do patrão, a quem pertence o dinheiro, para testemunhar a perda. Com isso ambos serão gratificados. A vitima é convencida a atender o pedido e todos seguem para determinado local, onde o "patrão" se encontra. Ali chegando, deverá entrar um de cada vez para que a historia seja confirmada e cada qual receba a gratificação.
Um dos malandros entra primeiro. Antes, porém passa para a vitima, reservadamente, o pacote achado. Retorna em seguida, contando as notas que diz ter recebido de recompensa. É então a vez da vitima entrar. O malandro pede-lhe para deixar com ele os valores e dinheiro que a vitima tenha, numa demonstração de confiança mutua.
O primeiro vigarista finge não ouvir a conversa reservada e a vitima, por sua vez, que já está "cevada", deixa o que tem nos bolsos ou pasta e entra na sala indicada. Procura nas portas e não vê ninguém. Desconfiada volta correndo, mas a dupla já está longe. Ao rasgar o embrulho do "paco" que ficou em seu poder, verifica haver apenas uma ou duas notas de alto valor, capeando maços de papeis cortados, habilmente preparados. Só aí percebe o golpe.
Para sucesso absoluto desse conto é necessario que a vitima demonstre má fé, sem o que, não há possibilidade.
Se, por outro lado, a vitima acha o "paco" e avisa o malandro que o deixou cair, o golpe se desenvolve da mesma forma. Nesse caso ela é induzida a acompanhá-los, para receber a gratificação devido a sua manifesta honestidade.
Em outros casos, quando o golpe se desenvolve em praças ou jardins, um dos malandros, depois que a vitima achou o "paco", esconde-o num arbusto qualquer e, em seguida, induz a vitima a negar o achado. Quem deixou cair procura pela dupla e pede para acompanhá-lo para as explicações. Um dos vigaristas incumbe a vitima de vigiar o "paco" escondido, enquanto ele vai acompanhar o outro, para avisar seu patrão. Nisso, pede à vitima que lhe entregue algum dinheiro em garantia.

As ciganas

Este golpe exige dois grupos de ciganas ou zingaras. Um com endereço certo, composto de ledoras de sorte ou "buena dicha", cuida da exploração da credulidade publica, notadamente, mulheres simplorias e supersticiosas. Este grupo separa as futuras vitimas, colhendo particularidades de suas vidas, que são confiadas às "advinhas". É este grupo quem vai preparar o terreno para o outro, formado de zingaras que se dispõe a fazer despachos, benzimentos etc.
As ciganas deste grupo, dias depois, procuram as vitimas e fazem revelações que já têm anotadas, grangeando de inicio a confiança da vitima. Chegam a entrar na casa, com permissão da moradora, e benzem seus bens, principalmente jóias e dinheiro.
Para que um pedido da vitima se realize, as vigaristas induzem-na a colocar num lenço, junto com rezas e amuletos, jóias e dinheiro. O lenço é amarrado e costurado nas pontas.
Numa ligeira distração da vitima, as ciganas trocam os pacotes amarrados e se despedem em seguida. Recomendam, contudo, para que o pacote não seja aberto, antes de algumas horas, senão o "despacho" não terá efeito.

"Casemira estrangeira"

Dizendo-se contrabandista, marinheiro ou turista que atravessa dificuldades financeiras, um malandro aproxima-se da vitima e oferece-lhe cortes de tecidos estrangeiros, exibindo-os rapidamente numa maleta que carrega.
Quando a vitima se interessa pela oferta, logo em seguida, outro malandro que estava espreitando, dizendo-se alfaiate e com oficina nas imediações, examina a mercadoria e atesta a sua procedencia. Entusiasmado, dispõe-se a adquirir alguns cortes, lamentando não ter mais numerario para comprar todo o lote.
Nessa altura, a vitima que já está "cevada", acaba se convencendo a comprar os cortes e revendê-los em seguida ao "alfaiate", que tem oficina, num predio proximo.
Compra a mercadoria e acompanha o malandro até a sua oficina. Ambos entram num edificio, geralmente com duas saidas, e a vitima acaba percebendo o golpe, quando o vigarista não mais aparece.
Os cortes que ficam nas mãos da vitima, são, na realidade, de infima qualidade e não valem metade do preço por que pagou.

O "prestigio"

A vitima deste golpe é pessoa de posses e vive de especulações na bolsa de valores. O vigarista, sabendo disso, deixa cair sua carteira, de modo que ela a encontre. Na carteira há dinheiro, endereço do malandro (hotéis luxuosissimos) e cartas de pessoas importantes, que também especulam na bolsa, consultando-o a respeito.
A vitima que abriu a carteira encontrada, percebe que está diante de pessoa de grande prestigio junto à bolsa. Não deixa, como é obvio de procurá-la. Fica deslumbrada ao encontrar o malandro gozando do luxo de conceituado hotel.
O ator a visita, insinua-se profundamente reconhecido pela absoluta idoneidade da vitima, iniciando-se aí uma "sincera amizade". Esta aproveita para fazer algumas transações através do malandro, auferindo lucros faceis. A confiança aumenta dia a dia, a ponto da vitima entregar somas vultosas ao vigarista. Na realidade, o proprio malandro tambem corre risco, pois, ele desembolsa seu proprio dinheiro para ganhar a confiança da vitima.
Um dia, quando não há mais duvida de que o vigarista é pessoa influente, a vitima investe de uma só vez todas as suas economias, através do seu "benfeitor". Esta é a ultima transação, pois o estelionatario desaparece com todo o dinheiro que recebeu.

As três chapinhas

Este golpe é aplicado, geralmente em via publica, notadamente nos locais onde pessoas de baixo nivel intelectual tenham facil acesso.
O jogo, aparentemente simples, consiste em se descobrir uma balinha debaixo de três chapinhas que são movimentadas com rapidez pelo banqueiro ou dono do jogo.
A curiosidade leva a vitima a aproximar-se do grupo de pessoas que se apinham em torno do caixote de cebolas, onde a operação é feita. Um apostador percebe o interesse da vitima e, a partir daí, ganha seguidamente. As paradas vão subindo e o apostador ganhando.
Simulando um golpe de desespero, o "banqueiro" propõe a ultima parada, num montante razoavel. O apostador não tem dinheiro e consegue fazer com que a vitima se associe a ele, completando o que falta, para depois dividirem o lucro. É claro que esta parada o apostador perde, pois, ele e os que ali se encontram, classificados de "faróis", são do grupo do banqueiro.
Se a vitima se dispõe a jogar, ganha algumas paradas e acaba perdendo a mais alta de todas. As chapinhas, em geral, têm fundo falso e o dono do jogo é refinado vigarista, perito na arte de engabelar.
Este golpe é aplicado tambem com três cartas de baralho, duas de naipe preto e uma de naipe vermelho. É a chamada "vermelhinha" que se desenrola no mesmo estilo.

"Três por um"

Tambem neste golpe, os malandros agem com habilidade, paciencia, tempo e dinheiro, incluindo na quadrilha uma vitima anterior, lesada por eles proprios, para que esta recupere o que perdeu. A missão desta pessoa é apresentar-lhes um homem rico, simplorio e sem escrupulos. Estabelecido o contato com a futura vitima, os vigaristas procuram granjear sua confiança e gastam a rodo, a fim de despertar sua curiosidade. Pouco tempo depois revelam que um parente, ligado à Casa da Moeda, dispõe de grandes partidas de notas novas, com defeitos imperceptiveis e que não chegaram, por isso, a entrar em circulação. Mostram algumas cedulas novas, chamando a atenção da vitima, para determinadas falhas que esta, entusiasmada, acredita ver.
Finalmente, após varias encenações, convidam o "otario" a participar do negocio, na base do "três por um", ou seja, ele receberá três vezes mais do que investir. Marcam encontro com o "parente" e este, após pedir absoluto sigilo, acaba concordando em receber dinheiro da vitima para entregar-lhe três vezes mais noutra maleta. Isso é feito em outro dia, que eles combinaram.
Nesse dia, todos vão para um bairro elegante. O "parente" se separa do grupo, como se fosse entrar numa mansão da vizinhança, retornando pouco depois com uma maleta. Abre-a rapidamente, sob o olhar cobiçoso do "otario" que entrevê os milhões, ainda etiquetados. O malandro entrega e passa à vitima e exige a sua em troca, recomendando-lhe que vá contar o dinheiro, longe da curiosidade popular. Todos se separam, simulam marcar novo encontro e a vitima desaparece, sobraçando nervosamente a maleta dos milhões. Mais tarde, já na sua casa, verifica que os maços que vira na mala, nada mais são do que papéis cortados e capeados por algumas cedulas de alto valor. São "pacos" habilmente preparados pelo bando. Percebendo que foi lesada, a vitima nem sequer se anima a ir à policia, pois, "esteve comprando dinheiro". Tambem a pessoa anteriormente lesada, deixa de ser aquinhoada no ultimo golpe e não poderá reclamar ou denunciar a quadrilha, porque tambem ajudou a aplicar o conto.
Há casos em que os bandidos simulam uma batida de "falsos policiais", no momento da troca das malas. A vitima é induzida, a fugir e nunca mais vê os "amigos". Houve caso em que foi encenada até uma perseguição de automovel e o delinquente jogou pela janela o dinheiro "falso" para livrar-se do corpo de delito, sob aplauso da vitima.
Em casos em que a vitima for medrosa, forjam uma outra estoria, a respeito de financiamento a longo prazo, feito por autarquias governamentais, devendo fazer um deposito de 10 ou 15% do valor do emprestimo. No ato do recebimento, há a troca de malas e os malandros fogem.

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