ASSIM SE AMA NAS RUAS POUCO ROMANTICAS DE S.PAULO
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Publicado
no Folha da Manhã, domingo, 30 de setembro de 1951
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Não
é novidade para ninguem que em São Paulo não
há jardins ou quaisquer outros logradouros publicos, onde
um casal de namorados possa devanear por algumas horas, longe dos
olhares de conhecidos ou de simples curiosos. Talvez mesmo o decantado
dinamismo da metropole seja compativel com semelhantes expansões
amorosas.
Nessas condições, o casalzinho que, por um motivo
ou por outro, não pode namorar dentro da casa da moça,
é obrigado a trocar suas juras e seus medrosos beijos em
vias publicas. O recato impede que essas exuberantes manifestações
se verifiquem nos locais muito iluminados e de maior movimento.
Servem de palco, pois, a esses idilios, algumas ruas da capital
que, sem serem totalmente desertas, tenham movimento minimo de veiculos
e transeuntes. De preferencia, onde haja bastante arvore. Por exemplo...
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O
"paraiso dos namorados"
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Um dos locais mais procurados pelos namorados nas condições
acima é o bairro dos Campos Elisios, nas proximidades do
Palacio do Governo. Basta isso para que o leitor afaste de si qualquer
resquicio de malicia que a atitude desses enamorados de nossos dias
possa sugerir. Pois não é o Palacio do Governo um
enorme casarão cercado de guardas por todos os lados?
Quem passar nas primeiras horas da noite pelas ruas Conselheiros
Nebias e Barão de Limeira, entre as alamedas Glete, Nothman
e Ribeiro da Silva, não pode deixar de notar o grande numero
de casaizinhos ali postados. Casaizinhos é o modo de dizer:
muitos pares já maduros não se vexam de ir passear
de mãos dadas, naquele trecho pitorescamente chamado de "Paraiso
dos Namorados". Vê-se de tudo ali: o jovem estudante,
ainda com os livros debaixo do braço, que deixou de ir à
aula para encontrar-se com a garota, por sua vez uma meninota que
saiu de casa para ir à "reza"; a empregadinha,
que foi encomendar carne para o dia seguinte ("um pé
lá e outro aqui, ein?", dissera a patroa), mas que não
resistiu à tentação de bater um papinho com
o motorista da C.M.T.C.; e a mocinha grã-fina, embrulhada
num casado de pele, passeando aristocraticamente ao lado do cavalheiro
elegante e bem trajado. Enfim, dá de tudo no Paraiso dos
Namorados. O maior contingente, porem, é o de estudantes.
Por isso é que ele anda meio deserto, durante as ferias...
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O
"banco dos beijos"
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Mesmo para um apaixonado, é penoso ficar duas ou três
horas de pé, ainda mais à noite, depois de um dia
inteiro de constante agitação. Por essa razão,
os namorados dos Campos Elisios procuram dar um jeito de sentar.
Qualquer coisa serve: um muro mais baixo, um degrau de escada, às
vezes mesmo a sarjeta. O essencial é que haja uma arvore
frondosa por perto, cujos ramos lancem sobre o banco improvisado
uma sombra amiga e protetora durante o dia; e quase treva no decorrer
da noitinha.
Na rua Conselheiro Nebias, entre as alamedas Nothman e Ribeiro da
Silva, à esquerda de quem vai da primeira em direção
à segunda, existe um lugarzinho que é conhecido entre
os casais que "fazem ponto" nessa região como o
"Banco dos Beijos". É um murinho baixo, com uma
grade de ferro encimando-o. A "retaguarda" é protegida
por trepadeiras enlaçadas na grade, enquanto, bem em frente,
uma arvore frondosa se encarrega de lançar uma penumbra estrategica
sobre o "banco". Mais duas grandes vantagens do banquinho:
o muro é bastante largo e baixo, permitindo que se sente
com toda comodidade; e um paredão de um lado e um largo portão
de outro fazem com que naquele trecho só caiba um casal.
Pelo que ficou dito, é facil perceber por que o "Banco
dos Beijos" é tão procurado pelos namorados dos
Campos Elisios. Há uma verdadeira corrida para ver quem é
que chega primeiro. E os felizardos que conseguem essa primazia
só levantam depois das nove e meia, isto é, na hora
de ir dormir...
Afirmaram-nos que houve tempos em que o "Banco dos Beijos"
era uma especie de privilegio de determinado casal de namorados.
Isso porque a Julieta ia tomar "posse" às cinco
horas da tarde e ali esperava seu Romeu até as sete e meia.
Ninguem soube explicar como e por que acabou o monopolio. Possivelmente
brigaram. Ou acabaram achando um lugar mais confortavel, que a intuição
dos namorados é sensibilissima para isso. Talvez tenham casado...
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Os
que não conseguem sentar
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Bem, mas o "Banco dos Beijos" é um só e
afora ele, há apenas um ou outro lugar onde se pode sentar,
no Paraiso dos Namorados, apesar da sem-cerimonia dos casais. A
situação é facilmente resolvida. Não
se pode sentar, encosta-se. Ainda aqui, a condição
"sine qua non" é a sombra de uma arvore. Havendo
esta, tudo está arranjado. Encosta-se a uma parede, ainda
que com risco de sujar de cal a roupa e ali trocam-se as juras e
os beijos. Quando os passos de um transeunte se fazem ouvir, ou
o farol indiscreto de algum automovel vara a rua, a distancia entre
os namorados aumenta inconscientemente. Passado os momentos de interrupção
forçada, tudo volta à santa paz do Senhor.
Assim se ama nas ruas pouco romanticas de São Paulo.
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