S. PAULO FLAGELLADA:
APÓS A CRISE DE ENERGIA, A FALTA DE AGUA


E o povo se tranquillise, pois o governo... estuda...

Publicado na Folha da Manhã, terça-feira, 18 de agosto de 1925

Neste texto foi mantida a grafia original

Pairando como tenebrosa ameaça sobre os habitantes de São Paulo, vinha de ha muito, desenhando-se a crise que hoje os atormenta, causada pela falta de agua.
São sem conta os emprehendimentos que, mal orientados, ou condemnados por quisilias da politica - o eterno empecilho à boa solução da maioria das questões de interesse publico - viram a luz entre nós e, para logo, foram relegados ao abandono. Dinheiro em caudaes se canalisou para a inutilidade de uma burocracia inefficiente, cuja tarefa primacial e ingloria é a de arrombar portas abertas, nada produzindo de util no sentido de prevenir a eventualidade de crises como a que está prestes a tornar-se realidade.
Não entra, absolutamente, nas cogitações da engenharia official a previsão de taes phenomenos. Logo que elles se declaram, põe-se toda a sciencia em alvoroço, derrubam-se bibliothecas, edita-se para armar ao effeito, uma erudição barata, afim de procurar estabelecer a tranquilidade no espirito publico.
Em momentos, como o presente, em que medidas de urgencia são de impor, declara-se que o governo tem intensificado de forma extraordinaria os "estudos" sobre o abastecimento de agua. Quer dizer, quando, ansioso, já sentindo os prejuizos da crise que o assoberba, o povo clama por providencias immediatas, responde-se que os poderes publicos... estão "estudando."
Francamente, tal attitude importa numa zombaria à população de São Paulo.
Que estudos são esses e que obras, executadas ou em inicio, que não bastam para conjurar a gravidade de uma situação como a actual?
A falta de agua é devida, pontifica o superintendente do serviço de abastecimento de São Paulo, ao extraordinario crescimento da cidade, à estiagem e ao calor.
O que imagina qualquer pessoa de mediano bom senso é que todos esses factores deviam estar dentro das previsões de engenharia official.
Si ella agiu com desconhecimento desses factores, agiu sem pericia, decretou sua propria fallencia. E de publico vem confessar a improficuidade de sua sabedoria e de seus conhecimentos, appelando para a paciencia do povo e exhortando-o à parcimonia no consumo da agua...
Parcimonia se póde admitir no gasto de energia, no consumo de luz. Como pretender parcimonia no uso da agua, elemento essencial, pelas suas multiplas e indispensaveis utilizações, à conservação da saude publica?
Como pretender asseio sem agua? Como condemnar-se uma cidade inteira a restringir as necessidades de sua hygiene? Ingnoram-se as consequencias incalculaveis e os funestos resultados que poderão advir desse facto, mórmente estando-se, como se está, na imminencia de um surto epidemico de variola? Esta terrivel roubadora de vidas já está assignalando sua presença no Rio de Janeiro, dada a proximidade da capital brasileira e da Paulicéa, attenta a intensidade do intercambio que as duas cidades mantêm, si não forem tomadas pelo Serviço Sanitario do Estado sérias medidas de prevenção, a variola irromperá em S.Paulo.
E faceis são de imaginar as damnosas consequencias de tal flagello accrescido da falta de agua. Onde não ha agua, não ha hygiene. E onde não ha hygiene, encontram as epidemias campo aberto para proliferar. À variola se juntarão outras molestias, e S. Paulo será flagellada por mil modos differentes.
O que urge, e o povo exige e espera, são providencias immediatas que venham por cobro à anomalia situação. Si as não póde tomar a directoria da Repartição de Aguas. Com toda a complicação de seu inutil e dispendiosissimo apparelho burocratico, renda-se à evidencia, confesse-se vencida, mas não venha engambellar o povo attribuindo a culpa ao crescimento da cidade, à estiagem e ao calor, de um mal cuja responsabilidade se deve unicamente à imprevidencia dos poderes publicos.
O que observamos nos convence da dolorosa certeza da falta que, no momento, está fazendo a capacidade de um engenheiro como Paulo de Frontin.
Declare-se impotente a engenharia official paulista e appelle para o technico illustre que deu agua ao Rio de Janeiro em oito dias, fornecendo a maior prova de sua energia e de sua capacidade.
Não avilta, só ennobrece o procurar conselhos e luzes dos mais sabios do que nós.
Prepare-se o povo para com paciencia, ser parcimonioso no consumo da agua, que mingua de dia para dia emquanto os homens de sciencia e do governo... estudam.

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