A CIENCIA E A IMPRENSA


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 30 de maio de 1954

Neste texto foi mantida a grafia original

Perante a Sociedade Real de Edinburgo, L.J.F. Brimble um dos diretores da famosa revista cientifica "Nature", que desde de 1869 se edita na Inglaterra, teve a oportunidade de dizer algumas coisas interessantes e verdadeiras a respeito das relações entre os cientistas e a imprensa. Em primeiro lugar referiu-se à propria revista "Nature", que embora editada por uma casa editora, a Macmillan, jamais sofreu qualquer especie de interferencia da parte dos donos dessa firma. Nem os proprios livros editados pela Macmillan gozam de qualquer tratamento especial por parte dos criticos, dos rigorosos criticos da revista. E' justa, pois, a afirmação de Brimble de que nem todos os cientistas percebem a divida que têm para com os donos da Macmillan. A revista, lançada para contribuir para o progresso da ciencia, embora custeada por uma instituição privada, continua sua antiga politica. Durante muitos anos deu sensiveis prejuízos, mas isso não impediu que continuasse viva.
Passando a tratar dos cientistas, Brimble, com sua longa autoridade de homem que há tantos anos lê a analisa tantos originais destinados à publicação, lamenta que os cientistas modernos se mostrem tão afoitos em enviar seus trabalhos à publicidade. E' comum hoje verificar que alguns cientistas, depois de enviar um trabalho à revista, correm a retirá-lo ou modificá-lo, por haverem descoberto um erro qualquer, ou por terem descoberto que a mesma experiencia ou a mesma descoberta já foi feita por outrem. Essa tendencia tambem se verifica nas provas que devem corrigir e que retornam inçadas de observações que de modo algum se achavam no texto primitivo.
Lamenta igualmente que a pressa acima muitas vezes se deva à mania da prioridade. Não raro o editor da revista recebe pedido de publicação urgente porque o autor soube que a mesma experiencia está sendo feita alhures. Quão melhor seria que os grupos de pesquisadores, ao saber que outros estão trabalhando no mesmo assunto, tratassem de se pôr em contacto para acertar seus trabalhos e deles tirar um artigo ou uma comunicação comum!
Outro mal é o excesso de literatura cientifica de menor interesse, que impede de "ver a mata por causa das arvores", como os ingleses gostam de dizer. Lembra ele o dito de Rutherford, segundo o qual, quando o cientista não pudesse dizer em 500 palavras o que devesse comunicar de origem em suas "cartas" à revista "Nature", deveria concluir que algo de errado devia existir em seu trabalho (para governo dos leitores: as comunicações originais na famosa revista inglesa aparecem sob a forma de cartas dirigidas à redação). O mais interessante é que Brimble não se recorda de, em toda sua carreira de editor cientifico, ter devolvido aos autores um artigo com o pedido de reduzi-lo de dois terços, sem ter sido eficientemente atendido. Só umas duas ou três vezes tal não se deu. E' que os autores de fato escrevem demais. Convida, ele, pois os cientistas a formular a si mesmos as seguintes três perguntas: 1) Está certo de ter dito o que queria? 2) Está certo de que o disse com o menor numero de palavras possivel? 3) Afinal vale a pena dizê-lo?
Alguns cientistas, especialmente os novos, parecem acreditar que o valor de um artigo cientifico dependa de seu tamanho. "Eu recomendaria encarecidamente aos cientistas que mantivessem a boca fechada e as canetas secas até o momento de conhecer realmente bem os fatos ou ter certeza do que realmente desejam dizer".
Passou depois Brimble a considerar a imprensa leiga, em seus esforços de divulgação. Reclama maior apoio dos cientistas aos divulgadores e aos interpretes da ciencia para o publico. Já passou tempo em que o cientista que ousasse escrever um artigo de divulgação nos diarios populares se sentisse olhado de soslaio e com suspeita pelos colegas. Parecia-se admitir que se uma pessoa fosse capaz de escrever bem, sua ciencia deveria ser de segunda classe. Mas tal não é verdade, e nem deve nem pode ser. Muitos dos nossos cientistas, diz ele, nem sabem se são capazes, ou não de escrever para o grande publico, porque jamais o tentaram. Se maior numero desses homens tentasse a empresa, poderiamos ter a certeza de que a verdade cientifica atingiria integralmente o publico, da melhor forma possivel. "Há todavia muitos cientistas que se afundam tanto em seu proprio jargão, que se torna praticamente impossivel interpretá-lo para o grande publico. Esse aspecto da questão, é claro, como muitos outros problemas, resume-se afinal numa questão de educação".
Da parte da imprensa nota-se uma tendencia para melhorar sempre a qualidade das informações cientificas, pelo contrato de redatores cientificos especializados. Essa melhora data de uns vinte anos. Muitos cientistas, apesar disso, ainda procuram fechar-se à imprensa leiga, por medo de serem mal interpretados. Essa atitude, que talvez tivesse fundamento em outros tempos, não mais se justificaria hoje. E termina o experimentado Brimble:
"O cientista compreensivo, ativo no campo da pesquisa, tratará de aproximar-se da imprensa e colaborar com ela. E' um dever não apenas para consigo mesmo mas para com a ciencia, pois enquanto o grande publico que lê os diarios mas não lê os jornais cientificos, permanecer mal informado sobre as coisas da ciencia, continuaremos a ouvir a queixa de que a ciencia é a causa de muitos do males do mundo e a opinião de que os cientistas devam ser postos a ferros."


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